Médica americana de clínica de abortos conta histórias por trás da prática
Susan Wicklund passou por aborto traumático na juventude. Agora ela se dedica a tornar a experiência o mais humana possível para outras americanas.
Ela lembra que seu aconselhamento foi limitado a instruções para que pagasse adiantado, em dinheiro e para que fosse ao pronto socorro se tivesse algum problema. Durante o procedimento, todas as suas perguntas tiveram a mesma resposta: “cale a boca!” Decidida a fazer com que outras mulheres tivessem melhor atendimento na área reprodutiva, ela começou a trabalhar como aprendiz de parteira e acabou se formando na faculdade, conseguindo seu diploma de médica e começando a atender -- em 90% dos casos, abortos. Muito do seu trabalho é feito nas planícies do Oeste dos Estados Unidos, em clínicas para onde ela vai de avião.
Em seu livro, chamado “Este Segredo Comum: Minha Jornada como Médica de Abortos”, a ser lançado pela editora americana Public Affairs, Wicklund descreve seu trabalho, as circunstâncias que levaram suas pacientes a escolher o aborto e as dificuldades que encontraram –- falta de dinheiro, falta de alguém que fizesse a operação, violência doméstica ou protestos nas clínicas. Mas ela afirma que seu maior objetivo com o livro era encorajar uma discussão mais ampla sobre aborto e sua grande incidência.
“Nós não falamos sobre isso”, ela disse em entrevista por telefone. “As pessoas dizem 'ninguém que conheço fez aborto' e isso não é verdade. Suas irmãs e mães já fizeram abortos”. Wicklund disse que as taxas atuais indicam que 40% das mulheres americanas fazem um aborto durante a idade em que podem conceber, um número que é validado pelo Guttmacher Institute, que pesquisa a política de saúde na área de reprodução humana.
O aborto é uma das operações mais comuns nos EUA, declarou ela, mais comum do que remover as amígdalas ou o dente do siso. “Por ser algo tão secreto”, ela disse, “nós acabamos não nos dando conta de como é comum”. Mas Wicklund reconhece que o aborto é uma questão que está cheia de dilemas.
Em seu livro ela descreve como testemunhou, quando era estudante de medicina, o aborto de um feto de 21 semanas (mais de cinco meses). Ela escreve que a visão dos bracinhos fez com que ela decidisse que só faria abortos no primeiro trimestre da gravidez. Ela diz que abortos mais tardios deveriam ser legalizados, mas sua decisão significa que às vezes ela se depara com mulheres desesperadas às quais tem que negar ajuda.
Wicklund descreve como ficou horrorizada quando abortou a gravidez de uma mulher que havia sido estuprada apenas para descobrir, ao examinar o tecido removido, que a gravidez estava mais adiantada do que ela e a mulher haviam pensado –- e que ela havia destruído um embrião concebido pela paciente e seu marido.
Ela também descreve a maneira como observa e ouve as mulheres que trata enquanto elas contam porque querem acabar com a gravidez. Se ela detecta uma incerteza ou acha que a mulher pode estar seguindo a vontade de outra pessoa que não ela mesma, diz a médica, ela pede para que a paciente pense mais um pouco.
Por outro lado, Wicklund não tem o que fazer com requisições como a do período de espera de 24 horas exigido pela lei americana, ou para afirmações como a do juiz Anthony M. Kennedy, que numa decisão recente da Suprema Corte Americana, declarou que o governo tinha interesse em proteger as mulheres de suas próprias decisões quanto ao assunto.
“Isso é incrivelmente insultante”, disse Wicklund na entrevista. “O período de espera de 24 horas traz a idéia implícita de que as mulheres não pensam nos assunto por elas mesmas e precisam do governo para forçar essa medida. Para mim, muitas das restrições quanto ao aborto são medidas para controlar as mulheres, são questões de poder e isso é uma ofensa”.
Wicklund disse que poderia dar mais créditos aos seus oponentes na questão do direito ao aborto se eles fizessem mais para ajudar na prevenção da gravidez indesejada. Em vez disso, declarou ela, muitos dos protestos que ela encontra são “contra a pílula anticoncepcional e ponto final”. É uma pena, disse ela, porque sua experiência clínica confirma que há estudos que demonstram que enfatizar a abstinência sexual em vez da contracepção pode fazer com que as meninas atrasem sua primeira experiência sexual alguns meses, mas “quando elas finalmente tiverem relações, terão menos chance de se proteger com a pílula ou com camisinhas”.
De acordo com o Instituto Guttmacher, cerca de um quarto das gravidezes nos EUA terminam em aborto. Wicklund diz que é por isso que ela acredita que muito mais gente é a favor dos direitos do aborto do que admitem nas pesquisas. Por exemplo, ela disse numa entrevista que banir o aborto em Dakota do Sul parecia ter amplo apoio, mas a questão foi decidida em plebiscito e quando as pessoas “entraram na cabine para votar e não havia ninguém olhando, a idéia de banir a prática sofreu derrota esmagadora. Infelizmente, as pessoas não estão dispostas a dizer o que realmente pensam”.
Uma dessas pessoas talvez seja uma mulher que ela reconhece como uma das manifestantes que aparecia regularmente gritando em protesto do lado de fora da clínica onde ela trabalhava. Mas agora a mulher estava na sala de espera desesperada para dar fim a uma gravidez indesejada. Wicklund fez o procedimento.
E há a história da avó por parte de mãe da médica, uma mulher que Wicklund temia que desaprovasse seu trabalho. Mas a avó também tinha uma história. “Quando eu tinha 16 anos, minha melhor amiga engravidou”, é como a história começa. Essa amiga foi até ela e sua irmã em busca de ajuda. Elas fizeram a única coisa que achavam que poderia ajudar –- colocar algo “longo e afiado lá dentro”, de acordo com o livro. A menina sangrou até morrer e a causa da morte foi mantida em segredo.
“Eu sei exatamente o tipo de trabalho que você faz”, disse a avó para Wicklund, “e isso é algo bom”.
Uma pergunta que Wicklund ouve “toda hora”, diz ela, é como é possível que seu foco seja aborto, e não algo mais gratificante, como partos. “Na verdade, as mulheres são muito gratas”, declarou a médica. “Elas ficam gratas por saber que podem passar pelo procedimento com segurança e que poderão engravidar novamente depois”. “É uma das poucas áreas da medicina na qual você não está trabalhando com alguém doente, mas sim fazendo algo para elas, algo que lhes devolve suas vidas, seu controle”, acrescentou. “É algo gratificante para se tomar parte”.
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