domingo, 27 de maio de 2018

POSIÇÃO DO PCP CONTRA A EUTANÁSIA

1. O debate sobre a introdução legal da possibilidade da provocação da morte antecipada não corresponde à discussão sobre hipotéticas opções ou considerações individuais de cada um perante as circunstâncias da sua própria morte. É, sim, uma discussão de opções políticas de reforçada complexidade e com profundas implicações sociais, comportamentais e éticas.
A legalização da eutanásia não pode ser apresentada como matéria de opção ou reserva individual. Inscrever na Lei o direito a matar ou a matar-se não é um sinal de progresso mas um passo no sentido do retrocesso civilizacional, com profundas implicações sociais, comportamentais e éticas que questionam elementos centrais de uma sociedade que se guie por valores humanistas e solidários.
A ideia de que a dignidade da vida se assegura com a consagração legal do direito à morte antecipada, merece rejeição da parte do PCP.
A oposição do PCP à eutanásia tem o seu alicerce na preservação da vida, na convocação dos avanços técnicos e científicos (incluindo na medicina) para assegurar o aumento da esperança de vida e não para a encurtar, na dignificação da vida em vida. É esta consideração do valor intrínseco da vida que deve prevalecer e não a da valoração da vida humana em função da sua utilidade, de interesses económicos ou de discutíveis padrões de dignidade social.
2. A invocação de casos extremos, para justificar a inscrição na Lei do direito à morte antecipada apresentando-o como um acto de dignidade, não é forma adequada para a reflexão que se impõe. Pode expressar em alguns casos juízos motivados por vivência própria, concepções individuais que se devem respeitar mas é também, para uma parte dos seus promotores, uma inscrição do tema em busca de protagonismos e de agendas políticas promocionais.
A ciência já hoje dispõe de recursos que, se utilizados e acessíveis, permitem diminuir ou eliminar o sofrimento físico e psicológico. Em matérias que têm a ver com o destino da sua vida, cada cidadão dispõe já hoje de instrumentos jurídicos (de que o “testamento vital” é exemplo, sem prejuízo dos seus limites) e de soberania na sua decisão individual quanto à abstinência médica (ninguém pode ser forçado a submeter-se a determinados tratamentos contra a sua vontade). A prática médica garante o não prolongamento artificial da vida, respeitando a morte como processo natural recusando o seu protelamento através da obstinação terapêutica. Há uma diferença substancial entre manter artificialmente a vida ou antecipar deliberadamente a morte, entre diminuir ou eliminar o sofrimento na doença ou precipitar o fim da vida.
3. Num quadro em que o valor da vida humana surge relativizado com frequência em função de critérios de utilidade social, de interesses económicos, de responsabilidades e encargos familiares ou de gastos públicos, a legalização da provocação da morte antecipada acrescentaria uma nova dimensão de problemas.
Desde logo, contribuiria para a consolidação das opções políticas e sociais que conduzem a essa desvalorização da vida humana e introduziria um relevante problema social resultante da pressão do encaminhamento para a morte antecipada de todos aqueles a quem a sociedade recusa a resposta e o apoio à sua situação de especial fragilidade ou necessidade. Além disso a legalização dessa possibilidade limitaria ainda mais as condições para o Estado promover, no domínio da saúde mental, a luta contra o suicídio.
4. O princípio da igualdade implica que a todos seja reconhecida a mesma dignidade social, não sendo legítima a interpretação de que uma pessoa “com lesão definitiva ou doença incurável” ou “em sofrimento extremo” seja afectada por tal circunstância na dignidade da sua vida. E ainda mais que ela seja invocada para consagrar em Lei o direito à morte, executada com base numa Lei da República.
A vida não é digna apenas quando (e enquanto) pode ser vivida no uso pleno das capacidades e faculdades físicas e mentais e a sociedade deve assegurar condições para uma vida digna em todas as fases do percurso humano, desde as menos autónomas (seja a infância ou a velhice) às de maior autonomia; na presença de condições saudáveis ou de doença; no quadro da integridade plena de faculdades físicas, motoras ou intelectuais ou da deficiência mais ou menos profunda, congénita ou sobreveniente.
O que se impõe é que o avanço e progresso civilizacionais e o aumento da esperança de vida decorrente da evolução científica sejam convocados para garantir uma vida com condições materiais dignas em todas as suas fases.
5. O PCP afirma a sua oposição a legislação que institucionalize a provocação da morte antecipada seja qual a forma que assuma – a pedido sob a forma de suicídio assistido ou de eutanásia –, bem como a eventuais propostas de referendo sobre a matéria.
O PCP continuará a lutar para a concretização, no plano político e legislativo, de medidas que respondam às necessidades plenas dos utentes do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente no reforço de investimento sério nos cuidados paliativos, incluindo domiciliários; na garantia do direito de cada um à recusa de submeter-se a determinados tratamentos; na garantia de a prática médica não prolongar artificialmente a vida; no desenvolvimento, aperfeiçoamento e direito de acesso de todos à utilização dos recursos que a ciência pode disponibilizar, de forma a garantir a cada um, até ao limite da vida, a dignidade devida a cada ser humano.
6. É esta a concepção de vida profundamente humanista que o PCP defende e o seu projecto político de progresso social corporiza. Uma concepção que não desiste da vida, que luta por condições de vida dignas para todos e exige políticas que as assegurem desde logo pelas condições materiais necessárias na vida, no trabalho e na sociedade.
Perante os problemas do sofrimento humano, da doença, da deficiência ou da incapacidade, a solução não é a de desresponsabilizar a sociedade promovendo a morte antecipada das pessoas nessas circunstâncias, mas sim a do progresso social no sentido de assegurar condições para uma vida digna, mobilizando todos os meios e capacidades sociais, a ciência e a tecnologia para debelar o sofrimento e a doença e assegurar a inclusão social e o apoio familiar.
A preservação da vida humana, e não a desistência da vida é património que integra o humanismo real – e não proclamatório – que o PCP assume nos princípios e na luta.

POSIÇÃO DE PEDRO PASSOS COELHO SOBRE A EUTANÁSIA

POSIÇÃO DE PEDRO PASSOS COELHO SOBRE A EUTANÁSIA

O Parlamento irá votar na generalidade, na próxima terça feira, vários projetos de lei visando reconhecer legalmente a eutanásia e regular a sua prática, nomeadamente ao nível do sistema de saúde e do Serviço Nacional de Saúde.
Ninguém pode dizer que se trata de uma surpresa, nem de uma iniciativa pouco ponderada. O manifesto público que suscitou o primeiro debate em sede parlamentar ocorreu há mais de dois anos. E, pelo menos, o BE anunciou a intenção com muita antecedência, avançando com um pré-projeto sobre o tema. Todos os grupos parlamentares e partidos, tal como os cidadãos mais atentos e preocupados com estes assuntos, tiveram assim tempo suficiente para fazer o debate e a reflexão necessária à assunção de uma decisão nesta matéria. É verdade que os termos particulares que se cristalizaram nas iniciativas legislativas só mais recentemente foram disponibilizados, mas deve reconhecer-se que a intenção e âmbito genérico das iniciativas é do conhecimento geral há bem mais de um ano. Sendo o Parlamento a sede própria para a discussão e decisão, pode por isso desencadear-se com toda a propriedade o processo e, eventualmente, vir a tomar-se uma decisão final sobre a matéria.
Isto não significa que, uma vez que só agora o trabalho parlamentar formalmente se iniciará, não seja recomendável o maior escrúpulo na definição do roteiro legislativo. Ainda para mais quando, no caso de vários partidos, a matéria não constou dos programas eleitorais submetidos ao eleitorado, não havendo por isso uma orientação previamente assumida sobre a posição a defender. Por tudo isso, e dada a particular sensibilidade e melindre da matéria, os deputados devem prevenir-se com um amplo debate aberto e não precipitado, que será certamente intenso, mas que também deverá ser envolvente, de modo a transcender as paredes parlamentares antes que uma decisão final seja tomada.
Com isto não quero sugerir que o processo legislativo deveria incluir a realização de um referendo. Respeitando quem tem opinião diferente, não sou um particular defensor da realização de referendos sobre este tipo de assuntos, sobretudo atendendo à sua filiação tão especial nos domínios dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos indivíduos que apelam à maior ponderação e reflexão críticas, normalmente pouco consentâneas com os mecanismos do tipo de democracia direta como os referendos, onde muitas vezes o debate tende a ser polarizado por minorias ativas mais extremistas. Prefiro assim que, com todos os defeitos, incompletudes e pressão a que estarão sujeitos, sejam os deputados no âmbito do seu mandato representativo a decidir sobre este assunto do que ver remeter a decisão para um processo referendário.
Tudo isto dito, que releva da forma como o assunto tem sido colocado na agenda, em substância não deixo de ter a maior relutância na abordagem do tema e não escondo as dúvidas sérias que ele me suscita. Realmente, da reflexão que tenho feito sobre a eutanásia nunca consegui extrair uma conclusão que permitisse uma concordância nem sequer qualquer simpatia com a alteração que é proposta. Trata-se, desde logo, de uma alteração fundamental à maneira como vemos a vida em sociedade – sim, o modo como nos dispomos a organizar social e legalmente a morte a pedido tem muito que ver, literalmente, com a forma como lidamos com a vida e com as nossas conceções de sociedade e com os valores que defendemos.
A eutanásia só na aparência pode estar relacionada com noções importantes como a da dignidade humana ou com sentimentos nobres como os de comiseração ou compaixão associados ao sofrimento humano. Na verdade, a ausência da eutanásia não nega nem diminui a relevância ou efetividade de qualquer dos conceitos referidos. Parece evidente que não se perde a dignidade, que é intrínseca à pessoa, por não se poder morrer a pedido, nem a sociedade passa a ser menos compassiva por não se dar à permissão de matar a pedido. Em contrapartida, parece-me que a legalização da eutanásia pode até suscitar dúvidas sobre a desgraduação destes conceitos e a corrupção dos valores subjacentes. Ao pretender, por absurdo, emprestar mais dignidade na morte por supostamente desejar evitar sofrimento promove-se outro equívoco fundamental: uma vez que já hoje existem meios adequados que podem ser mobilizados para lidar e minorar o sofrimento físico e psicológico envolvidos na esmagadora maioria das situações humanas mais delicadas que inspiram a intenção legislativa, o recurso à eutanásia pode representar uma demissão e uma desresponsabilização da sociedade na forma de ajudar os que sofrem, empurrando as pessoas em condição particularmente vulnerável para a decisão extrema de pedirem para pôr termo à sua vida como a melhor forma de evitarem a angústia do sofrimento que é evitável. De resto, se é mesmo com o sofrimento humano que estamos preocupados, e não com outro tipo de agendas, então talvez seja altura para decidir investir sem delongas na expansão da rede de cuidados paliativos, mesmo que isso implique escolhas alternativas em termos de despesa pública que tenham de ser encaradas.
Bem sei, por outro lado, que a proximidade da morte, em muitas das suas formas crescentemente correntes, nos desafia e assusta, como é o caso das doenças incuráveis ou terminais. Mas confesso que não consigo deixar de sentir algo de totalitário nesta maneira de socialmente se encarar a morte ou de estabelecer as condições em que a vida merece ser vivida. Sobretudo quando, em muitos casos, estas situações são cumulativas com as situações de demência e fragilização inerentes à vida mais prolongada que vai marcando as sociedades mais evoluídas. Como evitar, nestes casos, a dúvida sobre o que é escolha consciente ou não?
Dir-se-á, por outro lado, que a realidade da vida já comporta soluções radicais e extremas como o suicídio, por exemplo, que resultam de uma escolha humana individual que transcende a sociedade no seu todo. Nessa linha de raciocínio, poderia dizer-se que se a escolha pelo suicídio já se insere nos nossos padrões de cultura e no quadro das possibilidades de uma filosofia de vida, então a legalização do suicídio pode ser encarada como uma extensão de uma espécie de direito natural que necessitasse ser democratizado. Mas creio que não é difícil concluir que nem a eutanásia se pode confundir com o suicídio assistido, nem a elevação deste à categoria de instrumento legal, admitido socialmente para lidar com a dor, em qualquer dos seus superlativos, pudesse ser tomado como “natural” e razoável. Vai uma distância grande entre constatar a existência do suicídio como resultado de uma escolha sempre problemática, e que nos choca, e a sua celebração legal como forma razoável de lidar com as situações difíceis da vida.
Admito que, teoricamente, podemos ser interpelados por situações limite em que a escolha, mesmo que problemática e muitas vezes além do nosso entendimento, de pôr termo à vida esteja simplesmente impossibilitada por razões práticas de natureza física e que o respeito por tal escolha, que não é coletiva, nem tem de ser induzida pela sociedade, pudesse implicar o consentimento legal em permitir que terceiros o pudessem concretizar a pedido do próprio. Apesar dos problemas éticos e filosóficos que mesmo tal possibilidade igualmente suscitaria, parece-me evidente que se trataria de uma espécie de exceção teórica que não é manifestamente a que move a alteração legislativa: a lei não está pensada nem única, nem preferencialmente para atender a esta situação muito especial, mas antes para uma espécie de “normalização” que institucionaliza uma possibilidade de fim de vida em que as pessoas são deixadas perante a necessidade de terem de decidir sobre a sua própria vida como forma natural de ultrapassarem os dramas da vida prolongada ou do sofrimento evitável que a sociedade não se dá ao trabalho de realmente evitar.
Por tudo isto, sempre achei que legislar nesta dimensão não deveria ser feito de ânimo leve. As dúvidas que exprimi sobre este assunto são suficientemente fortes para não poder associar o meu consentimento à alteração pretendida. É porque tenho dúvidas fundadas sobre isto tudo que tenho a convicção de que o melhor, na dúvida, é não fazer a alteração. Pode parecer inicialmente coisa pouca, mas a alteração legislativa pretendida mudaria radicalmente a nossa visão de sociedade.
Respeito, evidentemente, as opiniões diferentes da que expressei. Nunca gostei da evocação de pretensões de superioridade moral na manipulação de argumentos políticos nem da sugestão de processos de intenção quando nos desagradam as ideias dos outros. Mas a discussão desta matéria não deve conformar-se com qualquer relativismo que torne a decisão indiferente. A eutanásia não é uma questão indiferente ou que seja revertida de qualquer maneira. Parece claro que há aqui qualquer coisa de radical que altera as coisas de modo que não poderá ser desfeita com facilidade.
Também os fundamentos éticos e filosóficos inerentes a este tipo de escolha sempre relevariam para a importância da consciência individual na base da decisão. Mas tratando-se igualmente de uma matéria relevante na nossa conceção da sociedade, seria estranho que o assunto ficasse remetido para o mero plano da consciência de cada um e, neste caso, de cada deputado. Claro que os deputados poderão ser confrontados com uma questão que também é de consciência, e os partidos devem saber lidar com isso. Mas os partidos enquanto tal não se podem furtar a este debate e à opinião, deixando a decisão à consciência de cada qual. Se um partido, em matéria de visão de sociedade e do mundo, se alheia de emitir opinião neste particular, então nega a sua razão de ser e coloca sobre os seus representantes uma responsabilidade desproporcionada.
Ademais, é perfeitamente legítimo que, apesar de respeitarmos as opiniões diferentes das nossas, não aceitemos passivamente confiar as decisões politicamente relevantes aos que se alheiam ou manifestam preferências tão diferentes das que são as nossas. Ser tolerante e saber conviver com a diferença não deve ser confundido com a indiferença. O pluralismo não é amálgama: importa que as diferentes visões se organizem de modo coerente para suscitarem estabilidade e confiança. Tudo isso estará em causa no comportamento dos partidos nos próximos dias quando as decisões forem tomadas. Sem dramatismo algum, mas com toda a responsabilidade. Esta não será, para os partidos, a questão pela qual se irão aferir todas as escolhas futuras. Mas será uma questão demasiado importante para não ser tomada como mais uma questão. Não será como muitas outras que tendem a ser vistas como diferentes, mas não decisivas. Esta pesará muito mais do que possa parecer.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Associação Dos Médicos Católicos Portugueses Alerta Para A Destruição Da Relação Médico-Doente Com A Legalização Da Eutanásia


A recente proposta de Lei a favor da legalização da eutanásia em Portugal, apresentada no passado sábado, 03 de fevereiro, pelo BE - Bloco de Esquerda, afetará gravemente a relação médico-doente e destruirá a própria medicina, alerta a AMCP - Associação dos Médicos Católicos Portugueses. 

A AMCP considera que "não há qualquer legitimidade ética para se aprovar uma lei cuja aplicação criará uma desconfiança generalizada na relação médico-doente, isto porque, o poder de provocar ou antecipar a morte de alguém, ainda que a pedido do próprio, vai contra a própria medicina; é um poder que inevitavelmente destroi a medicina". 


domingo, 21 de janeiro de 2018

Algarve pela Vida no Facebook

Para uma consulta mais atualizada da atividade da Plataforma Algarve pela Vida poderá encontrar-nos em :

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Clinica dos Arcos continua a liderar abortos

Mais de um quarto (26,2%) das interrupções voluntárias da gravidez (IVG) feitas em Portugal ainda são realizadas numa unidade privada: a Clínica dos Arcos, em Lisboa, que em 2016 fez 4182 das menos de 16 mil IVG praticadas em todo o país. Uma percentagem que pouco desceu dez anos depois da legalização do aborto (em 2008 era de 27,3% e tem oscilado sempre dentro dos mesmo valores) e que até poderá voltar a aumentar, alertam obstetras, na sequência dos protestos do último ano e da saída de enfermeiros especialistas de alguns dos principais hospitais públicos.
O tema ganhou relevância nas últimas semanas, depois da ameaça de suspensão da consulta de interrupção da gravidez do hospital de Santa Maria, com o encaminhamento das mulheres para a Clínica dos Arcos, como o DN noticiou. "A suspensão da consulta de interrupção voluntária da gravidez deve-se a uma restrição grave no corpo de enfermeiros especializados de obstetrícia e saúde materna. Mas continua a haver resposta: as novas doentes estão a ser encaminhadas para uma clínica privada [a Clínica dos Arcos]", esclareceu Carlos Calhaz Jorge, diretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do maior hospital do país. Um encaminhamento que não tem custos para a doente, mas tem de ser suportado pelos hospitais públicos.
O DN questionou o Ministério da Saúde, a Administração Central do Sistema de Saúde e a própria Clínica dos Arcos sobre quanto pagou o Serviço Nacional de Saúde desde 2008 àquela unidade privada para fazer IVG por falta de resposta no setor público. E apesar de não ter recebido esses dados, fontes da área adiantam que o valor rondará os dois milhões de euros anuais. Há um ano, em entrevista à Lusa, a diretora executiva da clínica, Sónia Lourenço, adiantou que o preço cobrado aos hospitais baixou um terço desde 2007 - sem avançar valores - e que as IVG encaminhadas pelo SNS representam 75% das efetuadas naquela unidade de saúde privada.

Além da saída de especialistas, a elevada taxa de médicos objetores de consciência em alguns dos maiores hospitais da região de Lisboa é uma das principais explicações apontadas para estas transferências. "A questão que se coloca é porque não referenciam para outros hospitais públicos ou porque não contratam médicos para as realizar, como Leiria já o fez, por exemplo", critica um especialista ouvido pelo DN.
Maria do Céu Almeida, que integra o colégio de Obstetrícia da Ordem dos Médicos e dirige o serviço de obstetrícia B do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, sublinha que a Ordem não tem a noção de quantos objetores de consciência existem, porque eles apenas têm de reportar esse estatuto aos superiores hierárquicos das unidades onde trabalham. Mas a médica lembra que esta é uma questão que se coloca mais em Lisboa, já que no centro quase todas as interrupções são feitas no setor público. Além da Clínica dos Arcos, as únicas unidades privadas identificadas no último relatório da Direção Geral da Saúde sobre as interrupções da gravidez (com dados de 2016, mas publicado no mês passado) são a Multimédica, precisamente na região centro, que fez 44 IVG em 2016, e o Hospital do SAMS, em Lisboa, que fez um total de 147. Uma contabilidade onde não entram parcerias público-privadas, como por exemplo a do Hospital de Braga ou o Beatriz Ângelo, de Loures.
"O que vemos é que a Clínica dos Arcos é a que mais faz no privado, mas o número também não tem aumentado", argumenta Maria do Céu Almeida. Mas então, mais de dez anos depois do referendo de 2007 que legalizou a IVG, porque razão essa percentagem não baixa? "Porque não há mais médicos a fazer, há regiões onde há mais dificuldades", responde a especialista, que esteve na fundação da Sociedade Portuguesa da Contraceção.

Três hospitais não fazem
Tendo em conta o relatório da DGS, dos 11 hospitais ou centros hospitalares públicos da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, três não fizeram qualquer aborto a pedido da mulher em 2016: Amadora-Sintra, Santarém e Cascais. O Centro Hospitalar Lisboa Central, que inclui a Maternidade Alfredo da Costa, é a unidade pública da região que mais interrupções praticou nesse ano por opção das grávidas (1159), mas ainda assim registou cerca de três mil a menos em relação à Clínica dos Arcos (ver infografia).
"E é um número com tendência para aumentar, porque os hospitais estão a perder profissionais", alerta o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal. "Na região de Lisboa, há muitos hospitais que nunca fizeram, e os que fazem, como Santa Maria, Lisboa Central ou Garcia de Orta, estão a braços com saídas de enfermeiros especialistas e médicos. Confrontados com a diminuição de profissionais, os serviços de obstetrícia têm de fazer opções em relação ao que é prioritário. O que é necessário assegurar são os blocos de partos, as cirurgias ginecológicas e as enfermarias. A ter de cortar - embora eu seja contra - é no que tem alternativa noutros sítios, como a consulta de IVG", argumenta Luís Graça.
Na sequência do protesto dos enfermeiros especialistas, a meio do ano passado, hospitais como o São Bernardo, em Setúbal, anunciaram que iriam transferir as grávidas que pretendessem fazer interrupções voluntárias de gravidez para a Clínica dos Arcos. Transferências que podem pesar nos dados finais de 2017. Maria do Céu Almeida reconhece que "o ideal seria sempre que os hospitais públicos encaminhassem para outros hospitais públicos, mas com as dificuldades do Serviço Nacional de Saúde não será possível esse atendimento nessas unidades".

Opção cirúrgica questionada
Tanto Luís Graça, antigo diretor do serviço de Ginecologia e Obstetrícia de Santa Maria, como outros médicos ouvidos pelo DN deixam ainda uma outra crítica à opção de encaminhamento para o privado: "é que quase todas as interrupções feitas nos hospitais públicos são através de medicamentos, enquanto na Clínica dos Arcos são feitas por aspiração, com risco aumentado, além de serem ligeiramente mais caras".

Segundo o site da clínica, uma IVG cirúrgica com anestesia geral varia entre os 400 e os 550 euros, se tiver pré operatório, enquanto uma interrupção com anestesia local vai dos 300 aos 450 euros. Já a medicamentosa custa 325 euros sem pré-operatório, ou 475 se o incluir. "A Clínica dos Arcos prefere fazer interrupções cirúrgicas, sendo que a maior parte das unidades faz interrupções com medicamentos. São ambas eficazes, mas com medicamentos não sujeitamos as mulheres a uma intervenção cirúrgica nem a uma anestesia", explica outro especialista ouvido pelo DN.

Entre as perguntas colocadas à Clínica dos Arcos, e que ficaram sem resposta, o DN questionava se a unidade confirma que recorre maioritariamente às IVG cirúrgicas e quais as razões para essa decisão. Esta clínica de um grupo espanhol estabeleceu-se em Lisboa em julho de 2007, mas antes da despenalização da IVG em Portugal recebeu centenas de mulheres portuguesas na sua unidade de Badajoz. Desde aí, foi sempre um dos principais alvos dos autointitulados "movimentos pró-vida".
De acordo com o relatório dos registos das interrupções da gravidez, em 2016 voltou a diminuir o número de IVG: de 16 028, em 2015, para 15 959. Desde 2008, o número de abortos praticados em Portugal caiu 11%. A descida mais acentuada deu-se a partir de 2011, ano em que se fizeram 20 480 interrupções.