sábado, 30 de novembro de 2013

França penaliza clientes da prostituição

Os deputados franceses aprovaram na sexta-feira à noite a penalização de clientes de pessoas que praticam a prostituição, a principal medida da proposta de lei sobre a prostituição, que só teve a oposição dos ecologistas. O pacote global da lei é votado na próxima quarta-feira.
Os deputados votaram de mão levantada a alínea mais controversa do texto, que prevê a punição da compra de actos sexuais com uma multa de 1500 euros.
Em caso de reincidência, a infracção passa a ser um delito punível por 2.750 euros “com o objectivo de pedagogia e dissuasão, gradual e progressiva”, lê-se no texto votado.
Em alternativa à multa ou sanção complementar, a lei prevê “um estágio de sensibilização sobre a luta contra a compra de actos sexuais”.
(....)
Também aprovado foi um pacote de medidas de acompanhamento social para aquelas pessoas que quiserem deixar a prostituição, que serão alimentados por um fundo de 20 milhões de euros por ano. Os estrangeiros (80 a 90% das prostitutas/os em França, segundo o Ministério do Interior) que se envolveram num “percurso de saída” poderão obter uma autorização de residência de seis meses, renovável.
A ministra dos Direitos das Mulheres, Najat Vallaud-Belkacem, elogiou em comunicado “um debate que honra a nossa democracia” e “o trabalho de todos os deputados”.
“Sejam aqueles que apoiam a lei, sejam os que expressaram as suas reservas, cada um concentrou-se plenamente num objectivo comum: responder ao sofrimento que exprimem as pessoas que se prostituem”, disse Vallaud-Belkacem.
(...)
A proposta de lei francesa inspira-se no exemplo da Suécia onde os clientes são penalizados desde 1999, o que conduziu a uma redução de metade da prostituição de rua em dez anos, mesmo que isso não tenha impedido o crescimento do negócio na Internet.
Trata-se de agir “para dissuadir o cliente de alimentar as redes mafiosas com o seu dinheiro e de lhe explicar que não se compra um acto sexual”, disse Maud Olivier, deputada socialista e uma das promotoras do texto legislativo, citada pela AFP.
“A prostituição é uma violência feita às mulheres.”


Fonte: Público 30/11/2013

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Esta economia mata

 
 
53. Assim como o mandamento «não matar» põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da desigualdade social».
Esta economia mata.
Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social.
Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída.
O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do «descartável», que aliás chega a ser promovida.
Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são «explorados», mas resíduos, «sobras».
54. Neste contexto, alguns defendem ainda as teorias da «recaída favorável» que pressupõem que todo o crescimento económico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e inclusão social no mundo.
Esta opinião, que nunca foi confirmada pelos factos, exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico reinante.
Entretanto, os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença.
Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe.
A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espectáculo que não nos incomoda de forma alguma.

Eutanásia de crianças na Bélgica

 
 
A lei ainda não foi aprovada, mas muito provavelmente será; e se o for, para além de o ser contra pareceres médicos de grande autoridade e contra a voz unânime de todos os líderes das comunidades religiosas mais representativas do País, a Bélgica será a primeira nação do mundo a ter uma legislação que permite a chamada Eutanásia, ou «morte doce», de crianças de qualquer idade.
Os adultos já podem pedir, ou exigir, a injecção letal.
Na Holanda, as crianças com mais de 12 anos ...já o podem fazer desde há alguns anos a esta parte; na Bélgica, se o projecto-lei que acaba de ser discutido e aprovado na específica comissão do Senado for votado favoravelmente pelo Parlamento, como se espera venha a acontecer, um passo extremamente sério será dado no pior sentido que, a sangue-frio, se pode imaginar.
A legislação permissiva da Eutanásia é, em meu entender, ofensiva de coisas essenciais: da especificidade do humano, da dimensão transcendente do vínculo social, do amor como força capaz de vencer o mal, e até da técnica como serviço de humanidade e factor do Bem.
Todos sabemos que há crianças em estado terminal, e qualquer pessoa de bom-senso pode imaginar o sofrimento de algumas crianças, ou a tortura indescritível que pais e outros familiares podem ter de suportar diante de uma criança em estado terminal.
Mesmo não sendo médico, não me custa a crer que possam existir doenças em que a dor seja atroz. Mas tampouco podemos esquecer o seguinte: que qualquer sistema médico competente dispõe hoje de técnicas e meios eficacíssimos no combate à dor aguda, que são inumeráveis os casos de crianças, pais e outros familiares, que experimentam a morte precoce, injusta e «revoltante», com uma graça extraordinária, com uma serenidade e uma profundidade sem igual, de facto, como se essa morte, passado o horror inicial, se tivesse transformado numa graça sem igual.
Esses casos existem; eu conheço alguns.
E porque existem esses casos?
Por uma razão muito simples: porque a conversão ao Amor é possível; porque não raro são as crianças que sofrem quem mais e quem melhor nos educam para essa faceta, de todas a mais bela, que a vida tem: o seu lado composto de ternura e compaixão, de radicalidade afectiva e enorme liberdade diante da frieza da morte.
De facto, a esta só uma força pode vencer: a do Amor; a do Amor sem igual.
Na realidade, são já inumeráveis as crianças que tal batalha venceram e vencem, quotidianamente, em hospitais e hospícios, em casas de acolhimento e outros locais. Não sozinhas, evidentemente; mas graças ao acompanhamento de familiares e amigos, de dedicadíssimos profissionais de saúde e outros agentes do bem.
Julgo, por isso, um terrível retrocesso civilizacional, e uma perigosa descida para o abismo da frieza mortal, que num país no coração da Europa, como é a Bélgica, se esteja a ponto de legislar no sentido de que uma criança em estado de sofrimento terminal, qualquer que seja a sua idade, desde que tenha o consentimento dos pais e do psicólogo que a acompanha, possa pedir, ou mesmo exigir, a terminação artificial da sua existência.
A frieza do racionalismo pode ter as suas razões para um tal passo; mas nada que o bom-senso, e a decência, não nos obrigue a desmontar como uma manifesta forma de egoísmo e, claro, um ataque à inviolabilidade da vida humana a um nível que nenhuma sociedade humana, consciente dos seus próprios valores, alguma vez deveria tolerar.
Se o projecto de lei em causa passar no Parlamento da Bélgica, não é apenas este País do Norte da Europa, cada vez mais frio, que passa a padecer de uma grave anormalidade jurídica na falta de respeito pela Lei que, sendo Natural, está para além das prescrições positivas do legislador humano; de facto, é toda esta nossa Europa, sempre mais obcecada com a frieza do seu racionalismo desprovido de afecto, que resvala para o seu lado pior: o do pragmatismo sem razão humana profunda, o da colocação entre parêntesis, ou mesmo anulação, das razões que brotam do coração.
 
João Vila-Chã SJ

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A Russia proíbe publicidade ao aborto



A Rússia aprovou, nesta segunda-feira (25/11), uma lei que proíbe alguns tipos de publicidade – entre eles, a divulgação de serviços relacionados ao aborto.

A nova lei proíbe a publicidade de todos os serviços médicos destinados à interrupção voluntária da gravidez, informou o Kremlin. A medida, segundo a imprensa russa, é uma tentativa de aumentar a taxa de natalidade do país, que registra um alarmante envelhecimento da população.

Fonte: Opera mundi

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Alimentar o amor



Começar é fácil.
Acabar é mais fácil ainda.
Chega-se sempre à primeira frase, ao primeiro número da revista, ao primeiro mês de amor. Cada começo é uma mudança e o coração humano vicia-se em mudar. Vicia-se na novidade do arranque, do início, da inauguração, da primeira linha na página branca, da luz e do barulho das portas a abrir.
Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda. Por isso respeito cada vez menos estas actividades. Aprendi que o mais natural é criar e o mais difícil de tudo é continuar. A actividade que eu mais amo e respeito é a actividade de manter.
Em Portugal quase tudo se resume a começos e a encerramentos. Arranca-se com qualquer coisa, de qualquer maneira, com todo o aparato. À mínima comichão aparece uma «iniciativa», que depois não tem prosseguimento ou perseverança e cai no esquecimento. Nem damos pela morte.
É por isso que eu hoje respeito mais os continuadores que os criadores. Criadores não nos faltam. Chefes não nos faltam. Faltam-nos continuadores. Faltam-nos tenentes. Heróis não nos faltam. Valtam-nos guardiões.

É como no amor. A manutenção do amor exige um cuidado maior. Qualquer palerma se apaixona, mas é preciso paciência para fazer perdurar uma paixão. O esforço de fazer continuar no tempo coisas que se julgam boas — sejam amores ou tradições, monumentos ou amizades — é o que distingue os seres humanos.

O nascimento e a morte não têm valor — são os fados da animalidade.
Procriar é bestial.
O que é lindo é educar.
Estou um pouco farto de revolucionários. Sei do que falo porque eu próprio sou revolucionário. Como toda a gente. Mudo quando posso e, apesar dos meus princípios, não suporto a autoridade.

 (....)

Percebo hoje a razão por que Auden disse que qualquer casamento duradoiro é mais apaixonante do que a mais acesa das paixões. Guardar é um trabalho custoso. As coisas têm uma tendência horrível para morrer. Salvá-las desse destino é a coisa mais bonita que se pode fazer.

Haverá verbo mais bonito do que «salvaguardar»?
É fácil uma pessoa bater com a porta, zangar-se e ir embora. O que é difícil é ficar. Isto ensinou-me o amor da minha vida, rapariga de esquerda, a mim, rapaz conservador. É por esta e por outras que eu lhe dedico este livro, que escrevi à sombra dela.
Preservar é defender a alma do ataque da matéria e da animalidade. Deixadas sozinhas, as coisas amarelecem, apodrecem e morrem. Não há nada mais fácil do que esquecer o que já não existe. Começar do zero, ao contrário do que sempre pretenderam todos os revolucionários do mundo, é gratuito. Faz com que não seja preciso estudar, aprender, respeitar, absorver, continuar. Criar é fácil. As obras de arte criam-se como as galinhas. O difícil é continuar.

Miguel Esteves Cardoso, in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa'

Potencial


sábado, 23 de novembro de 2013

Ciganos



            O recente episódio da criança supostamente raptada por uma família de ciganos gregos veio, de novo, relançar, agora a nível mundial, o problema dos ciganos e da sua integração ou desintegração nas comunidades envolventes. O jornal “The New York Times”, no passado dia 19 de Outubro, fez uma reportagem sobre esta questão num artigo polémico intitulado “Os ciganos são primitivos ou só pobres” (“Are the Roma Primitive or Just Poor?”). O artigo começa por narrar episódios onde ciganos surgem como criminosos, ladrões, manipuladores de crianças e, até, como raptores e questiona se alguma vez se conseguirão integrar na sociedade ocidental.

            Se fizermos um inquérito em Portugal ou em S.Brás de Alportel sobre o que os cidadãos pensam dos ciganos, não haverá dúvidas que as respostas serão maioritariamente negativas. E tal sucede não só por uma questão de discriminação racial mas sobretudo por episódios concretos onde todos directa ou indirectamente já se viram envolvidos ou tiveram conhecimento. A ideia generalizada é que os ciganos, com origem na India e actualmente estimados em cerca de 11 milhões,  são um povo que não gosta de trabalhar e vive da burla e da apropriação do património de terceiros, através de pedinchice, burlas, mentiras e até roubos. Em Portugal, entre outras, acusa-se este povo de recorrer abusiva, reiterada e deliberadamente ao rendimento social de inserção, além do roubo de metais ou alfarrobas. Isto entre muitas outras coisas.

            Tem-se também a ideia que as crianças ciganas não frequentam a escola ou, se o fazem, têm um aproveitamento muito baixo, que muitos ciganos passam o dia sem fazer nada e que se esforçam com vista à sua inclusão profissional ou económica e ainda que a maioria não cuida da sua higiene pessoal. Também é certo que algumas das tradições ancestrais do povo cigano não ajudam à sua integração social e económica. No outro dia, um cigano pedía-me uma esmola para si e para a sua família numerosa e dizia-me que, por o seu pai ter morrido, não podia trabalhar durante cerca de 2 anos até completar o seu luto, o que, em tempos de crise, não deixa de chocar.

            Porém, penso que não devemos tomar o todo pelas partes. Há muitos ciganos que, mantendo o respeito pelas suas tradições, estão relativamente bem integrados, têm uma apresentação e higiene bastante razoável, senão mesmo,normal e vivem do seu trabalho honesto. O problema é que fica-se com a ideia que estes são apenas a excepção que confirma a regra.

            Mas, se olharmos com melhor atenção, podemos concluir também que alguns dos hábitos do povo cigano são claramente um contributo para a actual sociedade decadente dos nossos dias. Destes contributos, destaco 3: (1) O seu conceito de família, sólido, onde há uma inter-ajuda e sentido de unidade quer no interior da família, quer entre famílias (V.g. Quando alguém nasce, vai a família toda para o hospital; quando alguém morre, toda a família vai e fica no cemitério, por vezes, durante vários dias; quando alguém é julgado ou preso, toda a família está presente para mostrar a sua solidariedade). Isto pode ser um grande exemplo para a nossa sociedade que abandona idosos em lares e onde as taxas de divórcio se mantêm altas. (2) A sua relação descomplexada com a natureza e o desprendimento de luxos e bens de segunda e terceira necessidade. Por fim, (3) o respeito pelas tradições, simbolos de um passado que se torna presente e que tem por quase sagrado o papel e a função dos antepassados e ascendentes. Também isto se perdeu por completo na cultura ocidental onde tudo é relativo e opinativo e perdeu-se completamente o sentido da memória.

Acredito, pois, na integração entre a comunidade cigana e a sociedade onde se insere e penso que S.Brás de Alportel é um bom exemplo dessa integração, mas também reconheço que ainda muito caminho a percorrer e cada um tem que respeitar e inevitavelmente adaptar-se um pouco ao outro.                                 
Meu artigo no "Notícias de S.Brás" deste mês de Novembro   Miguel Reis Cunha

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Campanha solidária "Inverno Mais Quente"

 
 
Temos o prazer de divulgar a “Campanha Inverno Mais Quente” - uma iniciativa solidária da Lavandaria Aldeia da Roupa Branca (sediada em Albufeira). De 18 de Novembro até 18 de Dezembro serão feitas angariações de roupas, calçado e cobertores, além de outros itens que possam levar mais proteção e conforto às famílias carenciadas do nosso concelho. Uma vez que para muitos a chegada do Inverno é a altura de pôr de lado a roupa que já não precisamos, deixamos aqui um apelo: ajude-nos a fazer a diferença e distribua calor neste natal! Doe os agasalhos e calçado que não necessita!

No fim do período de angariação todos os donativos deixados na lavandaria serão selecionados, tratados e encaminhados, para o Banco de Roupa e Loja Social da Santa Casa da Misericórdia de Albufeira. Estas respostas sociais prestam apoio à população carenciada, providenciando roupas, calçado, têxteis, brinquedos, artigos de decoração, de acordo com a situação socioeconómica de quem procura/necessita destes bens.  

Findada esta campanha, os donativos como habitual poderão continuar a ser efetuados na sede da instituição, tornando assim possível dar continuidade a esta forma de apoio à comunidade mais carenciada.

Conferência "Adopção por Pares Homossexuais, qual é o mal?"


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Trabalhar sobre a debilidade

 
 
Muitas vezes, porque não alcançámos o ideal que almejávamos, pensamos que errámos tudo, que deitámos fora, que desperdiçámos a nossa vida inteira.
Tínhamo-nos proposto tornar-nos importantes na sociedade, na profissão; tínhamos imaginado uma vida ideal de casal; e perdemos de vista o que somos, a nossa especificidade.
As nossas limitações.
Nunca mais voltámos a nós próprios.
Não honrámos a nossa especificidade, investimos sobretudo no outro.
É naturalmente mais fácil. Menos doloroso.
A maior parte desta humanidade identifica-se acriticamente com os modelos culturais e sociais dominantes.
Modelos assumidamente inatingíveis para manter o habitante deste tempo insatisfeito, frustrado, para estar sempre pronto a consumir, a competir para reduzir o sofrimento.
Nós, pelo contrário, deveríamos dar valor à nossa conatural impotência, à nossa debilidade.
Conhecer e saber integrar as nossas limitações con­duz-nos a uma boa autoestima.
Nesta perspetiva, até os erros que fazemos se tornam indicações úteis para continuarmos a viagem da nossa existência.
Por educação, por história pessoal e pelo tipo de sociedade em que vivi, passei quase toda a minha vida sem perdoar a mim mesmo os erros que cometi.
E, no entanto, hoje compreendo bem tudo isso: os nossos erros devem servir para viver melhor e nunca para viver pior.
Por outro lado, quem não aceita cair, continua inconscientemente a acreditar que ainda é a criança omnipotente que foi.
Sentes-te em baixo?
Talvez te sintas assim porque, apesar de todos os teus esforços e das boas intenções, estarás sempre a cometer os mesmos erros.
Quantas vezes prometeste que mudarias para, logo depois, te aperceberes de que nada ou pouco mudou em ti!
Sobretudo no campo afetivo; por exemplo, querer deixar de ser ciumento, mas as feridas antigas reabriram-se.
A vivência, infantil ou da adolescência, de ser rejeitado, de não ser amado, ganha a dianteira e os bons propósitos desaparecem.
Então, livra-te do passado e lembra-te de que, se estás em baixo, deprimido, é porque estás a dar o poder de te fazerem mal a um período da tua vida ou a uma pessoa que nunca deveriam possuí-lo.
E tudo isto pode acontecer porque não tens poder sobre ti.
Não vale a pena mascarares-te de indiferença ou de superioridade; não adianta esconderes-te numa hiperatividade incessante e desatinada para manter distante o vazio interior.
Um vazio que leva à autodestruição, à vontade de fazer mal a ti próprio.
Só quando tiveres voltado a habitar plenamente no teu coração poderás viver serenamente e também poderás perdoar.
Só então, o perdão se torna um ato libertador e não de sofrimento.
Perdoo para libertar-me definitivamente do poder do outro.
A sociedade em que vivemos, porque não quer saber que tem de morrer, provoca depressão, insatisfação.
Não nos deixa viver a realidade. Provoca medo.
Medo de errar, porque se vivem os erros como fracassos da pessoa inteira.
Medo daquilo que não é controlável, previsível; medo de arriscar, medo de sofrer.
Quando não se quer saber que se tem de morrer:
- não se aceita o diferente, 
- não se aceitam as dificuldades, 
- não se aceitam as perdas, 
- não se aceitam as inseguranças, 
- não se aceitam as fragilidades, 
- não se aceitam as recusas nem as rejeições, 
- não se aceitam as incertezas, 
- não se aceita o que é desconhecido, 
- não se aceita a mudança, 
- não se aceita perder.
Precisamos de considerar que a vida não é bonita nem feia, nem clara nem escura, mas um alegre claro-escuro.
Enquanto as pessoas continuarem a ouvir quem as leva a acreditar que o sofrimento e a morte não são evidências que lhe digam respeito, nunca conhecerão a sua verdadeira humanidade.
O sofrimento e a morte fazem parte da vida.
A pessoa que aceita a sua mortalidade, a sua fraqueza, é ativa, aberta às mudanças; é vital, verdadeiramente otimista e com uma autoestima sadia.
Consegue transformar as situações porque conseguiu transformar a sua debilidade.
Quando erra, uma pessoa sadia sabe que é o momento de reconhecer as suas limitações. Esta atitude levá-la-á a errar cada vez menos, porque a pessoa cresceu em humanidade e não em perfeição.
Para este tipo de pessoa, um erro toma-se uma indicação importante, útil para compreender ainda mais profundamente a sua especificidade, a sua unicidade, para prosseguir mais facilmente ao longo do percurso da sua vida e, consequentemente, torna-se mais humana também em relação aos outros, mais acolhedora em relação a quem está em seu redor, capaz de respeitar a diversidade do outro.
Valerio Albisetti
Psicólogo, professor universitário 
In Felizes apesar de tudo, ed. Paulinas
 

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Textos da 1ª quinzena de Novembro


 

 

 

 

Textos “Algarve Pela Vida”

Outubro 2013

 

 

 

Dia 29 de  Outubro 2013- Terça Feira

 

Uma sociedade tolerante não é aquela que aceita tudo. Não pode aceitar a guerra da Líbia, a instabilidade do Iraque, ou a violência da China... não aceita o inaceitável.

Não derruba os pilares-base da vida social, nomeadamente o princípio de que a vida humana é inviolável. Esta verdade não é negociável, numa sociedade digna.

A verdade fundacional da democracia é que o ser humano, pelo simples facto de o ser, possui uma respeitabilidade intocável.

No dia em que uma vida humana seja dispensável, quebrou-se o princípio e a vida humana passou a ser um valor relativo.

Se uma sociedade aceitar que algumas pessoas sejam mortas, segundo determinados critérios, ninguém está a salvo, porque nenhum critério resvaladiço subsiste depois de se derrubar o princípio de que a vida humana é inviolável.

 

 

Dia 30 de Outubro de 2013- Quarta Feira

 

Os educadores e psicólogos ressaltam a importância de ensinar as crianças e adolescentes a lidar com as frustrações.

Mas como fazer isso de uma maneira eficiente?

Desde logo, os pais, mães e professores têm que dar exemplo da forma como lidam com as suas frustrações do seu dia a dia, as do trânsito, do trabalho, da esposa, do marido, etc Para lidar com as frustrações temos que fomentar as virtudes da fortaleza, da paciência e da generosidade, saber colocar-se no lugar do outro etc.

São as virtudes humanas que proporcionarão a sabedoria para superar com alegria e bom humor as inúmeras contrariedades que a vida nos traz e trará no futuro.

 

  

Dia 31 de Outubro de 2013- Quinta Feira

 

Um casal precisa ter objetivos vitais comuns.

A vida conjugal é uma canoa com dois remos.

Por isso, um casal precisa dividir momentos juntos, porque a voragem cotidiana pode criar uma certa distância, de maneira que aquilo que deveria ser tão perto, fica tão longe.

O zelo comum pela educação e formação dos filhos é um dos melhores termômetros do grau de amor conjugal.

Um casal deve fomentar o respeito mútuo, porque não há amor sem respeito; deve saber administrar o tempo livre;  deve repartir as tarefas domésticas de forma equitativa e zelar por uma boa comunicação, porque, além de saber escutar e falar, é preciso um esforço por entender e, muitas vezes, ceder.

Viver o espírito dessas pequenas coisas – o cuidado recíproco, esse estar pendente do outro ao longo dia – não é fácil, sobretudo numa sociedade que, cada vez mais, quer que vivamos para trabalhar e não trabalhar para vivermos.

 

Dia 1 de Novembro de 2013- Sexta Feira

  

Hoje em dia, há um grande desejo de viver, sobretudo por parte dos jovens.

Eles querem experimentar a vida a todo o custo.

Mas, muitas vezes, confundem vida com vivência.

Eles pensam que o recheio da vida está no facto de terem muitas vivências.

A vida não está dependente da quantidade das vivências, mas da sua qualidade.

A vida não é, antes de mais, consumir, mas percecionar, sentir, provar e saborear.

Não é a quantidade de coisas que eu tomo para mim que decidem se eu vivo realmente, mas o modo como eu perceciono e experimento aquilo que me é oferecido. Tem a ver, sobretudo, com a intensidade da vida.

 

 

Dia   4 de Novembro de 2013- Segunda Feira

 

«Ninguém te pode magoar a não ser tu mesmo- Uma condição decisiva para experimentarmos realmente a vida é que não nos magoemos continuamente.

Há muitos que tornam a sua vida difícil, porque se deixam sempre magoar ou porque se magoam a si mesmos;  desvalorizam-se, sentenciam-se, culpabilizam-se, procuram em si mesmos a razão de cada conflito que acontece.

Com um coração grande posso experimentar a grandeza e a liberdade da vida. Mas o caminho para esta grandeza do coração atravessa a estreiteza da ordem e da renúncia. Para poder saborear, tenho de aprender a renunciar.

A verdadeira qualidade de vida está em experimentar a grandeza do coração no meio da pequenez do dia a dia.

Quando eu percorro os conflitos diários e a pequenez que me rodeia, com este grande coração, aí é que me torno verdadeiramente vivo e livre.

 

 

Dia  5 de Novembro de 2013- Terça Feira

 

 

Como diz José Luis Nunes Martins, pode alguém acreditar no bem e não o protagonizar na sua vida?

As nossas ações realizam-nos, no sentido estrito do termo: tornam real algo que era antes mera hipótese.

A nossa vida é uma permanente e dinâmica construção do nosso ser, uma viagem que nos leva de um quase nada, com potencial, a algo bem concreto.

Os caminhos que escolhemos marcam a nossa existência, mas as nossas decisões fundamentam-se naquilo em que acreditamos, naquilo que confiamos ser a verdade. Ao limite, é sempre a fé que motiva para o bem...

Quando nos damos a alguém, numa palavra ou gesto, estamos a construir felicidade nessa pessoa.

Um homem é a fé de que for capaz.

 

 

 

Dia 6 de Novembro de 2013- Quarta Feira

 

Para o professor e filósofo Ricardo Stork a escola deve, desde logo, ensinar os alunos a pensar.

Hoje, em dia, as pessoas conformam-se com poucas frases e muitas imagens.
Renuncia-se a explicar as coisas: apenas se mostram.
A cultura da imagem não necessita de argumentação para manipular a opinião pública.
É tal a força das imagens que mostrá-las já é suficiente
Discorrer, pensar, torna-se assim cada vez menos necessário.
Por isso as explicações do que vemos são sumamente simples; o mais importante é o contato direto e imediato com a notícia.
Isso afasta as pessoas do hábito de argumentar e pensar, e por isso se vai dando cada vez menos importância às razões.
O velho costume das conversas ou tertúlias vai-se perdendo.
É preciso enriquecer a linguagem, é preciso fomentar o diálogo, o exercício mental de raciocinar, de defender uma causa, de ter argumentos para as próprias decisões, e de não fazer apenas o que os outros fazem

 

 

Dia 7 de Novembro de 2013- Quinta Feira

 

Como diz José Luis Nunes Martins, a dureza e o peso da tristeza que se abate sobre aquele que desespera chegam-lhe do vazio dos sonhos que deixou que se tornassem impossíveis, da preguiça do egoísmo que o paralisou e o levou à perda de si mesmo.

Só pelas ações concretas podemos alcançar o céu da existência, mas o caminho para se lá chegar passa por muitos pontos onde somos chamados a dar passos adiante por cima do nada, por onde não se vê chão... por onde não há chão.

As maiores dores são as que obrigam alguns homens a engrandecer-se para lhes fazer frente e seguir adiante... é de fraquezas que se faz a força.

 

 

   

Dia 8 de Novembro de 2013- Sexta Feira

 

É urgente recordar este poema de Eugénio de Andrade

 

É urgente o amor
É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.



 

Dia 11 de Novembro de 2013- Segunda Feira

 

Como colaboram os avós na educação dos netos?´

Os conselhos e recomendações que vêm dos avós muitas vezes aceitam-se melhor do que se viessem dos próprios pais.

A experiência de vida dos avós, a sua paciência, o tempo de que dispõem, pode fazer dos avós excelentes educadores.

Ainda por cima, os avós representam um laço de união entre as famílias e as gerações e isto dá à criança ou jovem um sentimento de segurança e de pertencer a algo que o torna mais equilibrado.

Mas há no entanto o perigo do avô em vez de educar a criança fazer precisamente o contrário quando, por exemplo, os avós protegem ou mimam demais a criança, quando se mostram como “bons”, em oposição aos pais que são “maus”.

É, portanto, importante fomentar as relações entre os pais, filhos e avós e envolver os avós no papel secundário de ajudar os pais no seu papel principal de educação dos  netos.

 

sábado, 16 de novembro de 2013

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Carta da CPP sobre ideologia do género


 
 
A propósito da ideologia do género

Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa

Difunde-se cada vez mais a chamada ideologia do género ou gender. Porém, nem todas as pessoas disso se apercebem e muitos desconhecem o seu alcance social e cultural, que já foi qualificado como verdadeira revolução antropológica. Não se trata apenas de uma simples moda intelectual. Diz respeito antes a um movimento cultural com reflexos na compreensão da família, na esfera política e legislativa, no ensino, na comunicação social e na própria linguagem corrente.

Mas a ideologia do género contrasta frontalmente com o acervo civilizacional já adquirido. Como tal, opõe-se radicalmente à visão bíblica e cristã da pessoa e da sexualidade humanas. Com o intuito de esclarecer as diferenças entre estas duas visões surge este documento. Move-nos o desejo de apresentar a visão mais sólida e mais fundante da pessoa, milenarmente descoberta, valorizada e seguida, e para a qual o humanismo cristão muito contribuiu. Acreditamos que este mesmo humanismo, atualmente, é chamado a dar contributo válido na redescoberta da profundidade e beleza de uma sexualidade humana corretamente entendida.

Trata-se da defesa de um modelo de sexualidade e de família que a sabedoria e a história, não obstante as mutações culturais, nos diferentes contextos sociais e geográficos, consideram apto para exprimir a natureza humana.

           

1. A pessoa humana, espírito encarnado

Antes de mais, gostaríamos de deixar bem claro que, para o humanismo cristão, não há lugar a dualismos: o desprezo do corpo em nome do espírito ou vice-versa. O corpo sexuado, como todas as criaturas do nosso Deus, é produto bom de um Deus bom e amoroso. Uma segunda verdade a considerar na visão cristã da sexualidade é a da pessoa humana como espírito encarnado e, por isso, sexuado: a diferenciação sexual correspondente ao desígnio divino sobre a criação, em toda a sua beleza e plenitude: «Ele os criou homem e mulher» (Gn 1,27); «Deus, vendo toda sua obra, considerou-a muito boa» (Gn 1,31).

A corporalidade é uma dimensão constitutiva da pessoa, não um seu acessório; a pessoa é um corpo, não tem um corpo; a dignidade do corpo humano é corolário da dignidade da pessoa humana; a comunhão dos corpos deve exprimir a comunhão das pessoas.

Porque a pessoa humana é a totalidade unificada do corpo e da alma, existe necessariamente, como homem ou mulher. Por conseguinte, a dimensão sexuada, a masculinidade ou feminilidade, é constitutiva da pessoa, é o seu modo de ser, não um simples atributo. É a própria pessoa que se exprime através da sexualidade. A pessoa é, assim, chamada ao amor e à comunhão como homem ou como mulher. E a diferença sexual tem um significado no plano da criação: exprime uma abertura recíproca à alteridade e à diferença, as quais, na sua complementaridade, se tornam enriquecedoras e fecundas.

 

            2. Confrontados com uma forte mudança cultural

            Reconhecemos, sem dúvida, que, no longo caminho do amadurecimento cultural e civilizacional, nem sempre se atribuiu aos dois âmbitos do humano (o masculino e o feminino) o mesmo valor e semelhante protagonismo social. Especialmente a mulher, não raramente, foi vítima de forte sujeição ao homem e sofreu alguma menorização social e cultural. Graças a Deus, tais situações estão progressivamente a ser ultrapassadas e a condição feminina, antigamente conotada com a ideia de opressão, hoje está a revelar-se como enorme potencial de humanização e de desenvolvimento harmonioso da sociedade.

            No desejo de ultrapassar esta menoridade social da mulher, alguns procederam a uma distinção radical entre o sexo biológico e os papéis que a sociedade, tradicionalmente, lhe outorgou. Afirmam que o ser masculino ou feminino não passa de uma construção mental, mais ou menos interessada e artificial, que, agora, importaria desconstruir. Por conseguinte, rejeitam tudo o que tenha a ver com os dados biológicos para se fixarem na dimensão cultural, entendida como mentalidade pessoal e social. E, por associação de ideias, passou-se a rejeitar a validade de tudo o que tenha a ver com os tradicionais dados normativos da natureza a respeito da sexualidade (heterossexualidade, união monogâmica, limite ético aos conhecimentos técnicos ligados às fontes da vida, respeito pela vida intra-uterina, pudor ou reserva de intimidade, etc.). É todo este âmbito mental que se costuma designar por ideologia do género ou gender.

            A ideologia do género surge, assim, como uma antropologia alternativa, quer à judaico-cristã, quer à das culturas tradicionais não ocidentais. Nega que a diferença sexual inscrita no corpo possa ser identificativa da pessoa; recusa a complementaridade natural entre os sexos; dissocia a sexualidade da procriação; sobrepõe a filiação intencional à biológica; pretende desconstruir a matriz heterossexual da sociedade (a família assente na união entre um homem e uma mulher deixa de ser o modelo de referência e passa a ser um entre vários).

 

            3. Os pressupostos da ideologia do género

Esta teoria parte da distinção entre sexo e género, forçando a oposição entre natureza e cultura. O sexo assinala a condição natural e biológica da diferença física entre homem e mulher. O género baliza a construção histórico-cultural da identidade masculina e feminina. Mas, partindo da célebre frase de Simone de Beauvoir, «uma mulher não nasce mulher, torna-se mulher», a ideologia do género considera que somos homens ou mulheres não na base da dimensão biológica em que nascemos, mas nos tornamos tais de acordo com o processo de socialização (da interiorização dos comportamentos, funções e papéis que a sociedade e cultura nos distribui). Papéis que, para estas teorias, são injustos e artificiais. Por conseguinte, o género deve sobrepor-se ao sexo e a cultura deve impor-se à natureza.

Como, para esta ideologia, o género é uma construção social, este pode ser desconstruído e reconstruído. Se a diferença sexual entre homem e mulher está na base da opressão desta, então qualquer forma de definição de uma especificidade feminina é opressora para a mulher. Por isso, para os defensores do gender, a maternidade, como especificidade feminina, é sempre uma discriminação injusta. Para superar essa opressão, recusa-se a diferenciação sexual natural e reconduz-se o género à escolha individual. O género não tem de corresponder ao sexo, mas pertence a uma escolha subjetiva, ditada por instintos, impulsos, preferências e interesses, o que vai para além dos dados naturais e objetivos.

O gender sustenta a irrelevância da diferença sexual na construção da identidade e, por consequência, também a irrelevância dessa diferença nas relações interpessoais, nas uniões conjugais e na constituição da família. Se é indiferente a escolha do género a nível individual, podendo escolher-se ser homem ou mulher independentemente dos dados naturais, também é indiferente a escolha de se ligar a pessoas de outro ou do mesmo sexo. Daqui a equiparação entre uniões heterossexuais e homossexuais. Ao modelo da família heterossexual sucedem-se vários tipos de família, tantos quantas as preferências individuais, para além de qualquer modelo de referência. Deixa de se falar em família e passa a falar-se em famílias. Privilegiar a união heterossexual afigura-se-lhe uma forma de discriminação. Igualmente, deixa de se falar em paternidade e maternidade e passa a falar-se, exclusivamente, em parentalidade, criando um conceito abstrato, pois desligado da geração biológica.

 

            4. Reflexos da afirmação e difusão da ideologia do género

A afirmação e difusão da ideologia do género pode notar-se em vários âmbitos. Um deles é o dos hábitos linguísticos correntes. Vem-se generalizando, a começar por documentos oficiais e na designação de instituições públicas, a expressão género em substituição de sexo (igualdade de género, em vez de igualdade entre homem e mulher), tal como a expressão famílias em vez de família, ou parentalidade em vez de paternidade e maternidade. Muitas pessoas passam a adotar estas expressões por hábito ou moda, sem se aperceberem da sua conotação ideológica. Mas a generalização destas expressões está longe de ser inocente e sem consequências. Faz parte de uma estratégia de afirmação ideológica, que compromete a inteligibilidade básica de uma pessoa, por vezes, tendo consequências dramáticas: incapacidade de alguém se situar e definir no que tem de mais elementar.

Os planos político e legislativo são outro dos âmbitos de penetração da ideologia do género, que atinge os centros de poder nacionais e internacionais. Da agenda fazem parte as leis de redefinição do casamento de modo a nelas incluir uniões entre pessoas do mesmo sexo (entre nós, a Lei nº 9/2010, de 31 de maio), as leis que permitem a adoção por pares do mesmo sexo (em discussão entre nós, na modalidade de co-adoção), as leis que permitem a mudança do sexo oficialmente reconhecido, independentemente das caraterísticas fisiológicas do requerente (Lei nº 7/2011, de 15 de março), e as leis que permitem o recurso de uniões homossexuais e pessoas sós à procriação artificial, incluindo a chamada maternidade de substituição (a Lei nº 32/2006, de 26 de julho, não contempla a possibilidade referida).

Outro âmbito de difusão da ideologia do género é o do ensino. Este é encarado como um meio eficaz de doutrinação e transformação da mentalidade corrente e é nítido o esforço de fazer refletir na orientação dos programas escolares, em particular nos de educação sexual, as teses dessa ideologia, apresentadas como um dado científico consensual e indiscutível. Esta estratégia tem dado origem, em vários países, a movimentos de protesto por parte dos pais, que rejeitam esta forma de doutrinação ideológica, porque contrária aos princípios nos quais pretendem educar os seus filhos. Entre nós, a Portaria nº 196-A/2010, de 9 de abril, que regulamenta a Lei nº 60/2009, de 6 de agosto, relativa à educação sexual em meio escolar, inclui, entre os conteúdos a abordar neste âmbito, sexualidade e género.

 

            5. O alcance antropológico da ideologia do género

Importa aprofundar o alcance da ideologia do género, pois ela representa uma autêntica revolução antropológica. Reflete um subjetivismo relativista levado ao extremo, negando o significado da realidade objetiva. Nega a verdade como algo que não pode ser construído, mas nos é dado e por nós descoberto e recebido. Recusa a moral como uma ordem objetiva de que não podemos dispor. Rejeita o significado do corpo: a pessoa não seria uma unidade incindível, espiritual e corpórea, mas um espírito que tem um corpo a ela extrínseco, disponível e manipulável. Contradiz a natureza como dado a acolher e respeitar. Contraria uma certa forma de ecologia humana, chocante numa época em que tanto se exalta a necessidade de respeito pela harmonia pré-estabelecida subjacente ao equilíbrio ecológico ambiental. Dissocia a procriação da união entre um homem e uma mulher e, portanto, da relacionalidade pessoal, em que o filho é acolhido como um dom, tornando-a objeto de um direito de afirmação individual: o “direito” à parentalidade.

No plano estritamente científico, obviamente, é ilusória a pretensão de prescindir dos dados biológicos na identificação das diferenças entre homens e mulheres. Estas diferenças partem da estrutura genética das células do corpo humano, pelo que nem sequer a intervenção cirúrgica nos órgãos sexuais externos permitiria uma verdadeira mudança de sexo.

É certo que a pessoa humana não é só natureza, mas é também cultura. E também é certo que a lei natural não se confunde com a lei biológica. Mas os dados biológicos objetivos contêm um sentido e apontam para um desígnio da criação que a inteligência pode descobrir como algo que a antecede e se lhe impõe e não como algo que se pode manipular arbitrariamente. A pessoa humana é um espírito encarnado numa unidade bio-psico-social. Não é só corpo, mas é também corpo. As dimensões corporal e espiritual devem harmonizar-se, sem oposição. Do mesmo modo, também as dimensões natural e cultural. A cultura vai para além da natureza, mas não se lhe deve opor, como se dela tivesse que se libertar.

 

 

 

            6. Homem e mulher chamados à comunhão

A diferenciação sexual inscrita no desígnio da criação tem um sentido que a ideologia do género ignora. Reconhecê-la e valorizá-la é assegurar o limite e a insuficiência de cada um dos sexos, é aceitar que cada um deles não exprime o humano em toda a sua riqueza e plenitude. É admitir a estrutura relacional da pessoa humana e que só na relação e na comunhão (no ser para o outro) esta se realiza plenamente.

Essa comunhão constrói-se a partir da diferença. A mais básica e fundamental, que é a de sexos, não é um obstáculo à comunhão, não é uma fonte de oposição e conflito, mas uma ocasião de enriquecimento recíproco. O homem e a mulher são chamados à comunhão porque só ela os completa e permite a continuação da espécie, através da geração de novas vidas. Faz parte da maravilha do desígnio da criação. Não é, como tal, algo a corrigir ou contrariar.

A sociedade edifica-se a partir desta colaboração entre as dimensões masculina e feminina. Em primeiro lugar, na sua célula básica, a família. É esta quem garante a renovação da sociedade através da geração de novas vidas e assegura o equilíbrio harmonioso e complexo da educação das novas gerações. Por isso, nunca um ou mais pais podem substituir uma mãe, e nunca uma ou mais mães podem substituir um pai.

 

            7. Complementaridade do masculino e do feminino

É um facto que algumas visões do masculino e feminino têm servido, ao longo da história, para consolidar divisões de tarefas rígidas e estereotipadas que limitaram a realização da mulher, relegada a um papel doméstico e circunscrita na intervenção social, económica, cultural e política. Mas, na visão bíblica, o domínio do homem sobre a mulher não faz parte do original desígnio divino: é uma consequência do pecado. Esse domínio indica perturbação e perda da estabilidade da igualdade fundamental, entre o homem e a mulher. O que vem em desfavor da mulher, porquanto somente a igualdade, resultante da comum dignidade, pode dar às relações recíprocas o carácter de uma autêntica communio personarum (comunhão de pessoas).

A ideologia do género não se limita a denunciar tais injustiças, mas pretende eliminá-las negando a especificidade feminina. Isso empobrece a mulher, que perde a sua identidade, e enfraquece a sociedade, privada dum contributo precioso e insubstituível, como é a feminilidade e a maternidade. Aliás, a nossa época reconhece – e bem! – a importância da presença equilibrada de homens e mulheres nos vários âmbitos da vida social, designadamente nos centros de decisão económica e política. Mesmo que essa presença não tenha de ser rigidamente paritária, a sociedade só tem a ganhar com o contributo complementar das específicas sensibilidades masculina e feminina.

 

            8. O "génio feminino"

Nesta perspetiva, há que pôr em relevo aquilo que o Papa João Paulo II denominou "génio feminino". Não se trata de algo que se exprima apenas na relação esponsal ou maternal, específicas do matrimónio, como pretenderia uma certo romantismo. Mas estende-se ao conjunto das relações interpessoais e refere-se a todas as mulheres, casadas ou solteiras. Passa pela vocação à maternidade, sem que esta se esgote na biológica. Nesta, entretanto, comprova-se uma especial sensibilidade da mulher à vida, patente no seu desvelo na fase de maior vulnerabilidade e na sua capacidade de atenção e cuidado nas relações interpessoais.

A maternidade não é um peso de que a mulher necessite de se libertar. O que se exige é que toda a organização social apoie e não dificulte a concretização dessa vocação, através da qual a mulher encontra a sua plena realização. É de reclamar, em especial, que a inserção da mulher numa organização laboral, concebida em função dos homens, não se faça à custa da concretização dessa vocação, e se adotem todos os ajustamentos necessários.

 

 

 

            9. O papel insubstituível do pai

Não pode, de igual modo, ignorar-se que o homem tem um contributo específico e insubstituível a dar à vida familiar e social, cumprindo a sua vocação à paternidade, que não é só biológica, assumindo a missão que só o pai pode desempenhar cabalmente. Talvez o âmbito em que mais se nota a ausência desse contributo seja o da educação, o que já levou a que se fale do pai como o “grande ausente”. Isto pode originar sérias consequências, tais como desorientação existencial dos jovens, toxicodependência ou delinquência juvenil. Se a relação com a mãe é essencial nos primeiros anos de vida, é também essencial a relação com o pai, para que a criança e o jovem se diferenciem da mãe e assim cresçam como pessoas autónomas. Não bastam os afetos para crescer: são necessárias regras e autoridade, o que é acentuado pelo papel do pai.

Num contexto em que se discute a legalização da adoção por pares do mesmo sexo, não é supérfluo sublinhar a importância dos papéis da mãe e do pai na educação das crianças e dos jovens: são papéis insubstituíveis e complementares. Cada uma destas figuras ajuda a criança e o jovem a construir a sua própria identidade masculina ou feminina. Mas também, e porque nem o masculino nem o feminino esgotam toda a riqueza do humano, a presença dessas duas figuras ajudam-nos a descobrir toda essa riqueza, ultrapassando os limites de cada um dos sexos. Uma criança desenvolve‑se e prospera na interação conjunta da mãe e do pai, como parece óbvio e estudos científicos comprovam.

 

            10. A resposta à afirmação e difusão da ideologia do género

            A ideologia do género não só contrasta com a visão bíblica e cristã, mas também com a verdade da pessoa e da sua vocação. Prejudica a realização pessoal e, a médio prazo, defrauda a sociedade. Não exprime a verdade da pessoa, mas distorce-a ideologicamente.

As alterações legislativas que refletem a mentalidade da ideologia do género -concretamente, a lei que, entre nós, redefiniu o casamento - não são irreversíveis. E os cidadãos e legisladores que partilhem uma visão mais consentânea com o ser e a dignidade da pessoa e da família são chamados a fazer o que está ao seu alcance para as revogar.

Se viermos a assistir à utilização do sistema de ensino para a afirmação e difusão dessa ideologia, é bom ter presente o primado dos direitos dos pais e mães quanto à orientação da educação dos seus filhos. O artigo 26º, nº 3, da Declaração Universal dos Direitos Humanos estatui que «aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação dos seus filhos». E o artigo 43º, nº 2, da nossa Constituição estabelece que «o Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas».

De qualquer modo, a resposta mais eficaz às afirmações e difusão da ideologia do género há de resultar de uma nova evangelização. Trata-se de anunciar o Evangelho como este é: boa nova da vida, do amor humano, do matrimónio e da família, o que corresponde às exigências mais profundas e autênticas de toda a pessoa. A esse anúncio são chamadas, em especial, as famílias cristãs, antes de mais, mediante o seu testemunho de vida.

 

Fátima, 14 de novembro de 2013