segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Um ano depois, a mesma esperança


A dedicação gratuita de cada vez mais pessoas no apoio a mulheres em dificuldades garante que a liberalização do aborto não é o fim da história. Activistas da plataforma ‘Não Obrigada’ consideram trágico o balanço da aplicação da lei mais liberal da Europa em matéria de interrupção voluntária da gravidez



Na Índia, um dos países do mundo onde mais se aborta, um ateu e activista dos direitos humanos, Lenin Raghavarshi, apoia e promove a campanha lançada há umas semanas pelo jornalista italiano Giuliano Ferrara (ex-líder do Partido Comunista em Turim) por uma ‘Moratória de Abortos’ a nível global. Em Espanha, Zapatero, presidente de um Governo socialista e anticlerical, insta os seus camaradas de partido a fazerem uma reflexão sobre a lei do aborto para determinar se é necessário proceder a alterações restritivas. Em Inglaterra, Lorraine Allard, de 33 anos, escolhe dar a vida pelo seu filho Liam: grávida e doente de cancro, ante a perspectiva de um tratamento de quimioterapia e a sugestão dos médicos de abortar, Lorraine defende o seu filho até ao fim: Liam nasceu a 18 de Novembro de 2007; Lorraine acabou por morrer a 18 de Janeiro de 2008. Em três bastiões do aborto livre, três sinais de que o aborto não é solução. E em Portugal?


Recordemos a impressionante resposta da campanha do ‘Não’. Sem o apoio de partidos, apenas com os meios que os cidadãos quiseram dar, numa mobilização da sociedade civil inédita no Portugal contemporâneo, plena de intensidade, compromisso, envolvimento e comoção - porque “já bate um coração”. Um rasgo de vida numa sociedade que parece adormecida, um exemplo para outros domínios, um sinal de esperança.


Esta resposta não deveria ser subestimada. Nos últimos anos, as modernas ideologias laicas, apoiadas nos «opinion makers» e nos arautos do politicamente correcto, têm-se multiplicado em acções de sentido contrário. Subjugada face à ascendência do pensamento único, seria de esperar uma sociedade vencida e indiferente. Mas a experiência elementar de comoção pela vida humana, a experiência de um bem, revelou-se mais forte do que muitos imaginavam.


O balanço da aplicação da lei mais liberal da Europa é trágico: mais de doze mil vidas humanas sacrificadas, com a conivência e o dinheiro do Estado, sem contar com os abortos ilegais de que não há evidência de redução. Este drama, silencioso e oculto, ceifa vidas, destrói famílias, corrói a sociedade e ataca os alicerces da paz entre os homens. Quanto tempo, quantas gerações, teremos nós ainda de esperar para que na Europa, berço da liberdade e da defesa dos direitos do homem, se comemore o Dia Europeu da Abolição do Aborto?


E, contudo, um ano depois o tempo é de esperança. A dedicação gratuita de cada vez mais pessoas no apoio quotidiano a mulheres em dificuldade é hoje uma garantia de que a liberalização do aborto não é o fim da história.


Na onda do individualismo egoísta que inunda as sociedades modernas, dar a vida por um pai, por uma mãe, por um amigo, ou até mesmo por um filho, é considerado uma excentricidade ou, quando muito, um heroísmo arcaico e anacrónico. No seu gesto, com a simplicidade e doçura que brotam de uma maternidade plena, Lorraine mostrou-nos o caminho: a vida existe para ser dada, não para ser tirada.

Paulo Nuncio e Goncalo Maleitas Correa, in Exresso, 08-02-09

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