quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Não podemos ignorar, não podemos calar


Revogar a lei do aborto é um imperativo do Estado de direito


Passa um ano sobre o referendo que levou à liberalização do aborto. Tem sido um suceder de atropelos ao Estado de direito, violações à Constituição e à lei e de fortes contestações.


O referendo não obteve a maioria exigida pela Constituição para ser vinculativo. Por isso, a lei resulta da decisão da "elite" parlamentar. Previa-se uma lei e regulamentação moderadas. Foi aprovada a legislação mais liberal de toda a Europa. Facto que ditou logo a contestação de alguns deputados (do "sim") que se declararam "enganados". O Presidente da República promulgou a lei com vastas recomendações. Parece-nos que não acatadas. Médicos e enfermeiros por todo o país fizeram um verdadeiro "levantamento nacional" usando a objecção de consciência para se opor à prática do aborto. Centros de saúde recusam-se a fazer aborto químico.


A lei do aborto está ainda dependente da decisão do Tribunal Constitucional para fiscalização sucessiva da constitucionalidade. Na Região Autónoma da Madeira, a oposição à lei foi tema nacional. À Ordem dos Médicos foi movido processo intimidatório para alterar o código deontológico. Os recursos usados no aborto faltam nas cirurgias oncológicas ou nos médicos de família e são fonte de contestação pública. O aborto clandestino não é fiscalizado, mantém-se e não fecha as portas. As mulheres, vítimas de aborto "legal" e das suas complicações, chegam aos ginecologistas a quem ouvem: "Você infelizmente não é a única vítima...". E o Governo fez previsão para 20.000 a 25.000 abortos por ano e reviu "em baixa" as previsões para 10.000/ano. Um ano volvido, os erros estão, pois, à vista.


Numa sociedade que se diz Estado de direito, dos direitos humanos, da igualdade e da fraternidade, não há condições para que mais de 40 crianças nasçam por dia? Qual o custo para a saúde das mulheres que abortaram? Onde está o direito à saúde e à dignidade? O direito à igualdade? O direito à família? O direito natural não é arbitrário.


Num país onde se anuncia a distribuição de subsídios para incentivo à natalidade, permite-se, paga-se, facilita-se a eliminação diária de 40 crianças. A política do subsídio é a política da esmola. Não é a pensar nas esmolas que se tem mais filhos. Uma política de família, de natalidade, começa com a protecção aos laços de parentesco da filiação, da relação de pai/mãe-filho. Só a hipocrisia política pode escolher compensar o aborto pago, liberalizado e banalizado com subsídios à natalidade.


Portugal, através da Federação Portuguesa pela Vida, acaba de subscrever um pedido dirigido às Nações Unidas de moratória "das políticas públicas que incentivam todas as formas de escravidão injustificada e selectiva do ser humano durante o seu desenvolvimento no seio materno, mediante o exercício de um poder arbitrário de aniquilamento, violando o direito a nascer e o direito à maternidade". Pede-se que se inclua no artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos a protecção da vida humana desde a concepção até à morte natural. Nos 60 anos deste documento, a ciência e o saber impõem uma declaração mais capaz de servir os direitos humanos.


A hipocrisia política que dita a participação do Estado na exclusão de milhares de crianças que estão por nascer é o atentado aos direitos humanos do nosso tempo. Não podemos calar, não podemos ignorar o flagelo do aborto. Por isso, revogar a lei do aborto é um imperativo do Estado de direito, é um imperativo de civilização, é um imperativo de qualquer política de direitos humanos e da família.


Isilda Pegado, Presidente da Federação Portuguesa Pela Vida

In Público

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