domingo, 10 de fevereiro de 2008
Perante tanto fervor abortista, mais cedo do que seria de esperar o país se dará conta do enorme erro que cometeu
Faz agora um ano que, com a vitória do "sim" no referendo, se liberalizou o aborto em Portugal.
Os defensores do aborto - agora penso que já assumem que o são - tiveram, finalmente, o que tanto desejavam. Julgo que esta data devia impor-nos a todos uma reflexão serena.
Antes de mais, cumpre esclarecer que continuo a defender que o aborto, porque põe fim a uma vida humana, deveria manter-se como um acto genericamente proibido por lei (salvo os casos excepcionais que consubstanciam exclusão da ilicitude da sua prática).
Não faço nenhum juízo de valor, menos ainda de condenação, sobre quem já abortou, mas isso não me impede de considerar o recurso ao aborto como um gravíssimo erro.
Estou convencido de que, com um pouco de ajuda, teria sido possível encontrar uma solução que poupasse a vida do filho e, simultaneamente, fosse bem mais eficaz para a vida da mãe.
Não quero reproduzir aqui o velho argumentário pró-aborto, mas apelo à memória de todos: seguramente que sentimos que entre o discurso pré-referendo e a prática pós-referendo vai uma enorme diferença... Destaco somente dois argumentos antes usados: o aborto livre era necessário para, por um lado, acabar com a humilhação e o abandono das mulheres e, por outro, para pôr fim ao negócio do aborto clandestino.
O que nos revelou a prática pós-liberalização total do aborto? Que as mulheres, alvo preferencial da preocupação propagandística dos defensores do aborto, foram por estes completamente abandonadas depois do dia em que abortar passou a ser um acto livre. É lamentável, mas era expectável e até coerente; no fundo, a solução já fora encontrada: basta a grávida que sofre recorrer ao aborto, que aliás é livre e oferecido pelo Estado. Mais ajuda para quê?
É sintomático que, ainda hoje, quando se fala de apoios a grávidas que atravessam dificuldades, só sejam conhecidos aqueles que são prestados pelos movimentos pró-vida. Exactamente os mesmos que, por ocasião do referendo de 1998, começaram a trabalhar, quase sempre em regime de puro voluntariado, e que ainda agora, mesmo após a mudança da lei, se mantêm ao serviço das mães e das grávidas que atravessam dificuldades. Não têm soluções milagrosas para todas as situações, mas tentam ajudar na construção de um projecto de futuro, que dê sentido à vida daquela mulher e à vida dos seus filhos.
Com os defeitos que tem qualquer generalização, a verdade é que as circunstâncias, agora, permitem concluir que o que distingue os defensores do "sim" dos defensores do "não" é o facto de os primeiros serem mesmo a favor do aborto e os segundo serem mesmo a favor da vida. Por isso, perante a liberalização do aborto, aqueles acomodaram-se por já terem o que desejavam, enquanto estes, bem cientes que a defesa da vida é um combate de sempre, continuaram a trabalhar da mesma maneira, apesar da mudança radical do sentido da lei.
Acresce que o actual regime, ao impedir a grávida que equaciona abortar de ser recebida por um médico objector de consciência ou de realizar uma simples ecografia, antes da tomada de decisão, está a promover um consentimento que não é informado e, precisamente por isso, é tudo menos verdadeiramente livre. Ou seja, abortar passou a ser verdadeiramente um direito cuja prática não pode, sequer, ser dissuadida. Por isso, os números da prática do aborto têm vindo a aumentar nestes poucos meses e o negócio abortista está florescente, com clínicas privadas a terem elevadas taxas de sucesso. Tudo isto perante o silêncio cúmplice daqueles que se diziam contra o aborto e contra o negócio que este, segundo garantiam, antes envolvia. O aborto deve ser mesmo o único negócio privado que a esquerda radical vê com muito bons olhos e cujos lucros não lhe causam incómodo absolutamente nenhum!
Estou certo de que, perante tanto fervor abortista e tanta incoerência, mais cedo do que seria de esperar, o país se dará conta do enorme erro que cometeu.
José Paulo Areia de Carvalho, Deputado do CDS, in Público, 09-02-2008
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