quinta-feira, 18 de outubro de 2007
Este parecer do Conselho Consultivo da PGR é quase inacreditável.
Há que não esquecer que a Ordem dos Médicos não é uma mera associação de amigos, é uma ordem profissional que regula a actividade dos médicos.
À semelhança do que acontece com a Ordem dos Advogados que também tem um Estatuto Deontólogico, os médicos, no seu conjunto, acordaram em se auto-reger por regras de natureza deontólogica.
Aquilo que caracteriza uma regra deontológica é a sua natureza ético-profissional. Não se trata de reproduzir a lei, trata-se habitualmente de ir para além da lei.
Por exemplo, o Estatuto da Ordem dos Advogados proibe que os advogados efectuem publicidade dos seus escritórios ou que tenham escritórios em centros comerciais, usando slogans e métodos comerciais.
Esta situação proibida pela Ordem dos Advogados aparentemente viola a lei e a constituição por aparentemente colidir com a liberdade de comércio ou até a liberdade de expressão.
Porém, todos os advogados concordam voluntariamente em manter esta restrição às suas liberdades.
No caso da Ordem dos Médicos, o juramento de Hipócrates traduz um princípio integrante da própria natureza do acto médico em si: o de salvar, não o de matar.
Só os próprios médicos é que têm o poder para, no âmbito dos órgãos competentes da Ordem dos Médicos, alterarem o que entenderem alterar no seu estatuto deontológico.
O Estado não se pode imiscuir na auto-regulação de uma ordem profissional, tanto mais que não se conhecem quaisquer processos disciplinares que tenham sido instaurados contra as centenas de médicos que desde há vários meses têm vindo a realizar abortos a pedido.
Assim sendo, a questão só se colocará caso a Ordem dos Médicos decida instaurar algum processo disciplinar contra algum dos médicos abortistas, o que (repito) até agora não há conhecimento.
Por outro lado, há que distinguir entre o plano disciplinar e o plano penal.
No plano penal, a nova lei diz que quem praticar aborto a pedido da mulher até às 10 semanas não comete um crime.
No plano disciplinar, o estatuto preceitua que, quem praticar aborto para além dos casos aceites pela Ordem dos Médicos, cometerá uma infracção disciplinar.
Não é por uma coisa passar a já não ser crime que também já não passa a ser deontologicamente exigível.
Isto só não seria assim se o próprio Estado não tivesse conferido autonomia e poderes de auto-regulação à Ordem dos Médicos.
Por fim, também não é certo que o Estatuto Deontológico dos Médicos viole a lei, porquanto, não existe qualquer lei de carácter geral e abstracto que consagre o direito dos médicos à prática do aborto, precisamente porque o Estado transferiu para a respectiva Ordem dos Médicos o poder para definir os direitos, deveres e demais restricções dos médicos.
E, nem tão pouco a constituição (para pena de alguns) consagra qualquer direito do médico à prática do aborto.
Por este motivo para além de considerar chocante, parece-me que o parecer da PGR defende uma interpretação inconstitucional uma vez que a Constituição Portuguesa consagra expressamente no nº2 do seu artigo 46 que "As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas"
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