A Ordem dos Médicos deve ser obrigada a adaptar o seu Código Deontológico à nova lei do aborto?
A pergunta, feita na edição «online» do jornal «Público», chama a atenção para os riscos de legalizar injustiças.
Coisa bem diferente de legalizar uma injustiça é aceitar que um comportamento errado tenha atenuantes: nesse caso, não se legaliza a injustiça, apenas se introduz um certo grau de compreensão por pessoas colocadas em situação difícil.
O problema é que a lei do aborto não expressa compreensão pela situação difícil de algumas mães, reconhecendo que uma decisão errada pode ter atenuantes.
O que a lei do aborto traduz é o oposto: ver-se livre do filho não seria uma atitude errada, mas uma boa decisão e inclusivamente um direito. Mais ainda, considera-se uma decisão louvável, que o Estado apoia com subsídios, que não dá às mães que decidem ter o filho.
A pergunta do «Público» mostra como o risco de legalizar uma injustiça é desencadear uma escalada aberrante de outras injustiças.
A história da humanidade é farta em exemplos. Depois de estabelecer o direito a cometer uma injustiça, rapidamente se passa a condenar quem não a cometer e rapidamente se impõe a outros a obrigação de colaborar activamente com a injustiça.
Não são só os médicos que vão sofrer as consequências de se ter legalizado o aborto em Portugal, mas dado o empenho do actual Ministério da Saúde em promover o aborto a todo o custo, e dado que os médicos estão sob a alçada deste Ministério, era óbvio que seriam as primeiras vítimas deste processo. Têm-no sido de várias formas, por exemplo, na indicação legal de os hospitais do Estado (que são a maioria) passarem a só contratar médicos abortistas, ou no teor inaceitável da «objecção de consciência» que se pede aos médicos.
Agora, o Ministro e o Procurador-Geral querem ir mais longe, obrigando a Ordem dos Médicos a declarar como deontologicamente correcto o assassínio de crianças ainda não nascidas. Essa exigência não tem quaisquer implicações para a população em geral, não facilita ou dificulta a prática do aborto, porque só compromete os médicos perante a sua própria consciência. Por isso mesmo, a atitude do Ministro e do Procurador-Geral é um exemplo eloquente de como, depois de legalizar uma injustiça, se cometem outras: neste caso, calando a voz de quem declara que a vida humana deve ser sempre respeitada.
Hoje os médicos estão na primeira linha da luta pela liberdade e pela justiça. A seguir, virão outros funcionários públicos, os órgãos de informação, as empresas e toda a sociedade.
Quando se legaliza uma injustiça, a cadeia de consequências injustas não pára. Legalizar a injustiça acaba sempre por ilegalizar a justiça e no limite (é questão de tempo), conduz à ditadura e à guerra.
É bom que a opinião pública perceba o que está em causa.
O inquérito electrónico está ultrapassado. O «Público» já substituiu o tema por outro com menos relevância. Ignoro o resultado final da pergunta acerca do código deontológico dos médicos e, de qualquer modo, esse resultado acaba por ser estatisticamente pouco significativo, porque, como o inquérito esteve no ar durante pouco tempo, é fácil que um grupo se tenha mobilizado para distorcer a votação.
O que é urgente é que a sociedade portuguesa dê sinais de que não está adormecida, de que não quer continuar a deslizar pela estrada da morte. Não vale a pena preocuparmo-nos com inquéritos que já passaram, o que vale a pena é não esquecer a pergunta.
José Maria André
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