segunda-feira, 23 de março de 2009

Josef Fritzl, a culpa e a confissão


A propósito do caso de Josef Fritzl, a Professora de Direito Fernanda Palma uma das professoras de Direito Penal e Processo penal de maior vanguarda da actualidade, escreveu um artigo de opinião muito interessante aqui.


O artigo aborda a questão da "culpa" que, como se sabe, tem a sua origem no Direito Canónico e, em muitas matérias, está na base do actual Direito Penal.


A questão do reconhecimento da culpa e do reconhecimento da gravidade dos actos praticados por nós faz-se por via da consciência, mas como diz a professora de Direito, há quem negue a responsabilidade dos próprios actos.


O seu pequeno artigo intitula-se "Inocente Culpabilidade" e, como diz a própria autora, "inspira-se no nome de uma colectânea de entrevistas de Marie de Solemne a autores importantes do pensamento filosófico e religioso, como Paul Ricoeur. Nesse livro, discute-se se não existirá, no nosso tempo, um sentimento excessivo de inocência, falta de culpa e impunidade."
(...)
"O livro assinala que a culpabilização em excesso é negativa, por destruir as pessoas, mas observa que as novas gerações ignoram a culpa. Citando Lacan, Ricoeur afirma que há duas patologias: não sair do sentimento de culpa e não entrar nele sequer. A primeira corresponde à neurose; a segunda à psicose."
E remata:
"Sentir a culpa, reconhecer o erro e viver com a dúvida constitui condição necessária para que cada um evolua e realize a sua personalidade. Se não ficar associada à neurose – mas antes à responsabilidade e ao desejo de melhorar –, tal capacidade é um passo no caminho da adesão individual à Justiça"


No caso de Frtizl, ele sempre recusou a gravidade e responsabilidade das monstruosidades por si praticadas.
Porém, na audiência de julgamento foi necessário ouvir e ver o depoimento da sua filha para acabar por ceder e confessar os factos e, só então, é que começou a dizer que sentia vergonha pelo que fez.

Quando a nossa consciência vai perdendo sensibilidade tendemos a desculpabilizar ou pura e simplesmente apagar da nossa memória os actos negativos por nós praticados.
É como se colocássemos a porcaria debaixo do tapete e fingíssemos que continua tudo bem.


Pelo contrário, dizermos e descrevermos em voz alta o que fizémos mal ou ouvir alguém dizer e descrever, em voz alta, o que fizemos mal é meio caminho andado para o reconhecimento da nossa culpa e o sentimento de vergonha que lhe está associado poderá ser um contributo (eventualmente momentâneo e fugaz) para o arrependimento e o propósito de emenda.


É por isso que, por exemplo, a Igreja Católica defende a confissão em voz alta das falhas de cada um, perante o confessor, como um dos primeiros passos para a validade do sacramento da chamada penitência.


Também no processo penal sou a favor da obrigatoriedade da presença do arguido na sala de audiências de forma a que, ouvindo e vendo a exteriorização do que foi feito, essa exibição ou reconstituição narrativa do seu comportamento possa contribuir para a assunção da sua culpa.
Assim, considero que só em casos muitos excepcionais é que o Juíz poderá dispensar a presença do arguido durante a fase de audiência de julgamento. É que se o fizer, estará a privá-lo de um excelente meio de reconhecimento de culpa e responsabilidade.


Este "voyeurismo" acaba por ser importante com vista à promoção da reintegração social do arguido e à realização da chamada "prevenção especial" que é uma das finalidades da aplicação da pena relacionada com a recuperação do culpado.


Neste sentido, diremos que esse "voyeurismo" fará, ele próprio, parte da aplicação da pena.
Se assim for, quer nas nossas falhas pessoais, quer na aplicação da Justiça Penal, será possível ultrapassar a fase da "negação" ou "desculpabilização" dos nossos actos.


Pelo contrário, se não há "extracção" e "exibição" dos nossos actos negativos e culposos, novos actos negativos e culposos se seguirão de forma maníaco-depressiva ou obssessiva.


Assim se explica a existência e manutenção do mal, presente desde os nossos vicios mais pequenos ou graves aos crimes mais violentos.


A este propósito, diz um santo da Igreja:


"Abyssus, abyssum invocat...", um abismo chama outro abismo, já to lembrei algumas vezes. É a descrição exacta do modo de se comportarem os mentirosos, os hipócritas, os renegados, os traidores: como se sentem incomodados com o seu próprio modo de ser, ocultam as suas trapaças, para irem de mal a pior, abrindo um precipício entre eles e o próximo. (Sulco, 338 - S.José Maria Escrivá de Balaguer)

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