quinta-feira, 10 de julho de 2008
Entre 1914 e 1924, a última década que viveu, Franz Kafka esteve três vezes perto do casamento. Desistiu sempre. Tentou primeiro por duas ocasiões com Felice Bauer, uma alemã com quem se correspondeu até 1917. A última vez foi com Milena Jesenská, mais nova do que ele. A experiência repetiu-se: Kafka escreveu dezenas de cartas a Milena, todas primorosas e lúcidas (as mais impressionantes cartas de amor) para no fim reconhecer que não podia casar.
Passaram outras mulheres pela vida de Kafka, mas todas lhe provocaram o mesmo medo do casamento, o medo do sexo, o medo das pequenas coisas, o medo da normalidade, o medo da falta de vocação, o medo de não estar à altura da comunhão de responsabilidades, o medo de parar de escrever.Hoje em dia, os ideais de realização pessoal que cada um vorazmente persegue secundarizaram o casamento. O casamento é um estado acessório que todos retardamos. As pessoas continuam a casar-se numa ou noutra altura da vida, mostrando que a normatividade social do casamento se mantém. O que foi desaparecendo foi a ideia do casamento como uma âncora individual, a estrutura estável onde as paixões e os impulsos de cada um se domesticam. A felicidade passou a depender de uma espécie de emotivismo permanente, desligado de regras e compromissos duradouros.
Mas no princípio do século XX o casamento era a via natural para a felicidade. Kafka, por exemplo, acreditava no casamento. Casar, ter filhos, criar uma família, eram para ele as virtudes máximas a que um ser humano podia aspirar. Pode ler-se numa entrada dos seus diários, de 1912, que Kafka pensava no casamento como a solução para a sua "inabilidade em levar a vida sozinho", para satisfazer "as exigências da sua própria pessoa". As irmãs comentavam que todas as pessoas felizes que elas conheciam eram casadas.
Ao mesmo tempo, a ambivalência de Kafka sobre as suas próprias aptidões impedia-o de abraçar o casamento. Chegou a comparar o noivado entre duas pessoas a um casal condenado a decair em conjunto durante a fase do Terror da Revolução Francesa.
Numa altura em que por causa do casamento entre homossexuais iremos assistir aos mais variados debates sobre a função actual do casamento, talvez possamos perceber melhor o que é e em que consiste o casamento, não pelo que dizem os seus defensores, mas pelas ideias daqueles que voluntariamente o recusam. Eu suspeito de que atrás dos muitos motivos invocáveis para essa recusa - a preferência por uniões mais flexíveis, a substituição da comunhão institucional pelo amor - acabaremos por confirmar algo que a mentalidade da época não tolera ouvir: que o casamento é mesmo uma instituição e não apenas um contrato entre duas pessoas; e é como instituição que deve ser protegido e incentivado.
Opinião daqui.
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