«Pensávamos que era a única coisa que podíamos fazer»
Tive várias namoradas ao longo da minha vida. Por isso, para mim, a fidelidade, essa exclusividade que cria a pessoa por quem nos sentimos atraídos, é um valor fundamental. As relações sexuais sempre foram mais um aspecto em todas as minhas relações, embora sendo certo que, por muito boas que elas sejam, o importante é o respeito mútuo, poder ajudar o outro. O principal é que a convivência resulte e haja amor. Tive aulas de Educação Sexual quando tinha 14 anos, mas não me lembro do que me ensinaram. Tive a minha primeira relação sexual aos 17 anos. Também me lembro de um dia em que a minha mãe encontrou um preservativo na minha carteira. Tinha 19 anos e ia viajar com vários amigos. Disse-me que tivesse cuidado, mas eu já sabia, e por isso tomava precauções. Sempre usei o preservativo para evitar uma gravidez não desejada, tal como me tinha sido transmitido pela sociedade, pelos anúncios de televisão, a famosa campanha “Pontelo-Ponselo”. Lembro-me dos jornais, dos meios de comunicação social, das conversas com os meus amigos... Tudo me dizia que os preservativos eram, aparentemente, a coisa mais eficaz. Por isso comprava-os na farmácia e usava-os em todas as minhas relações.
Foi em Abril que comecei a namorar com a Pilar. Tinha acabado de terminar uma relação com outra rapariga. Demo-nos bem muito rapidamente e, além disso, gostava dela por respeitar os meus hábitos, em especial o de sair algumas sextas-feiras com os meus amigos. A Pilar era muito madura e eu sentia-me muito bem com ela. Passa do um mês e meio de namoro, começámos a ter relações sexuais. Numa delas, o preservativo deve ter-se rasgado e não demos por isso. Normalmente, quando o preservativo se rasga, um dos dois repara e tomam-se precauções, mas nessa vez não notámos nada. É muito importante que as pessoas saibam que o preservativo pode falhar, que por vezes se rasga. Não há nenhum método totalmente eficaz, nem sequer a «marcha-atrás»: tenho amigos a quem aconteceu o mesmo que a mim recorrendo a ela.
Passadas três semanas, continuava a não aparecer o período à Pilar. Eu estava sempre atento a este assunto para saber, por uma questão de tranquilidade, se ela não tinha ficado grávida. Fazia-o com todas. Quando me diziam que já lhes tinha vindo o período, ficava descansado nesse mês. Mas a Pilar despreocupava-se dizendo que já tinha tido atrasos uma vez ou outra. Um dia, não aguentei mais e disse-lhe:
A verdade é que nunca tínhamos falado dessa possibilidade. Só namorávamos há dois meses e nunca tínhamos imaginado que isso nos pudesse acontecer.
Comprámos o teste da gravidez na farmácia e combinámos encontrar-nos nessa mesma tarde para estarmos quando ela o fizesse. Eu queria estar com ela nesse momento. Quando deu positivo, não pude acreditar. Li as instruções várias vezes e a percentagem de erro era mínima. A Pilar estava grávida. Começou a chorar e abracei-a. Comecei a dar-lhe beijos e garanti-lhe que não a deixaria, que estávamos juntos. Mas só namorávamos há dois meses, era muito pouco tempo. Talvez isso também tenha influenciado de forma importante a nossa decisão. Embora eu sentisse um enorme carinho por ela, não tinha sequer posto a hipótese de casar... Ainda estava a conhecê-la! Passado algum tempo, entre os soluços dela e os meus abraços, a Pilar perguntou-me:
Nessa noite, nem consegui dormir. Só pensava em como nos podia ter acontecido aquilo. Não podia ser verdade: tinha-se rasgado o preservativo, não tínhamos reparado nisso e agora ela estava grávida! Não podia acreditar. Ao pensar no teste que tinha dado positivo, vinha-me à cabeça a imagem da minha mãe, que em várias ocasiões me tinha dito: Se me disseres que engravidaste uma rapariga, dás-me o maior desgosto da minha vida!
Até então, tinha-me parecido boa, essa forma de educar. Pensava realmente que, se lho dissesse, lhe ia pregar o maior susto da vida dela. Agora sei que não é assim. E estou convencido de que é um erro educar dessa maneira. Esse medo da minha mãe foi o que mais influenciou a decisão, pelo menos no que me diz respeito. Mas não a culpo por isso, ela é uma mulher nervosa, algo ansiosa e depressiva. Além disso, é o que a sociedade ensina: a gravidez é um problema que é preciso evitar.
Quando acordei no dia seguinte, verifiquei que nada do que me tinha acontecido fora um sonho; a situação estava mesmo a passar-se comigo. Mas tanto fazia: apoiaria a Pilar, fosse qual fosse a sua decisão. Quando nos encontrámos nesse dia, assegurei-lhe que não me iria separar dela e perguntei-lhe o que queria fazer.
Na altura de procurar uma clínica, seguimos o conselho duma amiga da Pilar que também abortara algum tempo antes. Fomos lá dois dias depois de sabermos o resultado do teste de gravidez. Íamos resignados: pensávamos que era a única coisa que podíamos fazer. Quando chegámos à recepção, dissemos à enfermeira, como se fosse a coisa mais normal deste mundo, que queríamos uma consulta para uma interrupção voluntária da gravidez. Depois de várias perguntas, a enfermeira informou-nos de que a Pilar estava grávida de cinco semanas e que, nesse estado, custava 300 euros; mas, se quiséssemos anestesia geral, seriam 390 euros. Pensámos que era melhor esta opção e pagámos adiantado, a meias. Era uma quantia pequena e podíamos pagá-la perfeitamente. Nesse dia, nem sequer foi vista por um médico nem assinámos nada.
Tínhamos de esperar quatro dias e eu pensava que não havia outra solução. Ela repetia-me sempre os problemas que havia para não prosseguir com a gravidez: teria de dizê-lo em casa, os pais eram muito tradicionalistas, como seria ridícula a barrigona... A Pilar garantia-me que o pai deixaria de lhe falar. Eu pensava que, comigo, ficariam desiludidos para o resto da vida. Durante esses quatro dias fui às aulas, mas não ouvia nada. Com a Pilar passava-se o mesmo. Lembro-me de que, dois dias antes do aborto, ela me disse:
A Pilar não conseguiu olhar para a ecografia; eu também não quis ver. Mesmo antes de entrar na sala de operações, dei-lhe um beijo e ela garantiu-me que tudo havia de correr bem. Aquela meia hora foi terrível: tive medo de que lhe acontecesse alguma coisa, porque amava-a realmente. Senti-me pessimamente e culpei-me por ela estar a passar por uma coisa assim. Nunca pensei no bebé.
Sei que a minha mãe me teria ajudado a seguir em frente, mesmo tendo-lhe dado o maior desgosto da sua vida. Mas pensei que isso a afectaria muito, que os nossos pais iam sentir muita vergonha por causa da sua imagem a nível social. Também pensava que o meu pai me obrigaria a deixar de estudar. Não receava pelo dinheiro, sabia muito bem que poderíamos resolver esse aspecto de alguma forma. O que realmente me assustava era que a minha relação com a Pilar corresse mal e a criança estivesse pelo meio.
A Pilar e eu não voltámos a ter relações sexuais; pusemo-nos de acordo em relação a isso. Eu não lhes sinto a falta. E reconheço que há uma vantagem prática: não preciso de estar todos os meses dependente de saber se a minha companheira está grávida. Temos os nossos melhores momentos quando estamos juntos: aprendemos assim a ser amigos, conhecemo-nos mutuamente. O que eu desejo agora é vê-la sorrir. Não temos pressa, queremos cuidar de nós, fazer as coisas mais calmamente. Quando voltarmos a tê-las, irei valorizá-las de outra maneira, será uma coisa muito especial quando voltar a acontecer. Mas queremos que seja para termos um filho. Queremos extrair alguma coisa boa do aborto do nosso filho, que é aquilo que realmente fizemos mal. Se nos voltasse a acontecer, di-lo-íamos aos nossos pais. Mas agora é melhor não dizer: iríamos fazer-lhes muito mal, e também não nos poderiam ajudar.
O tempo passou e eu precisava de falar «mais de perto com Deus. Três meses depois do aborto, estive com um sacerdote. A sua compreensão libertou-me da angustia em que estava mergulhado. Chorei enquanto lhe contava tudo o que tinha acontecido. Recordo que me disse que me compreendia, que entendia porque chegara aquela absurda decisão. Mas o que mais me ajudou, de tudo o que me disse, foi:
Se eu conhecesse alguém que estivesse na mesma situação, animá-lo-ia a prosseguir com a gravidez: disso jamais se arrependerá. De abortar, já é muito provável que sim. Devíamos ser mais responsáveis e coerentes com os nossos actos até ao fim. É isso que traz felicidade. Além disso, acima de tudo, estará sempre o direito à vida que é preciso respeitar; isso é que é justo.
Hoje, a Pilar e eu continuamos a nossa relação. Tentamos que a nossa vida seja o mais normal possível, vamo-nos perdoando a nós próprios pouco a pouco. Suportar tudo isto não estando juntos seria muito mais difícil.
Embora o aborto tenha sido uma decisão dela, se eu a tivesse convencido, tê-lo-ía-mos evitado. Agora estou muito arrependido. Por isso peço que as pessoas que abortaram não sejam julgadas, que nos sintamos queridos e protegidos pela sociedade. Porque as pessoas que cometeram erros também são humanas e sentem-se mal. Oxalá com este testemunho o medo não ganhe a Outros a batalha que me ganhou a mim.»
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