Pode agora afirmar-se que o agnosticismo metafísico, o relativismo ético e o positivismo jurídico se congregam para dar ao homem concebido, mas não nascido (e, também, ao natus nondum mortuus), um trato desumano, antipersonalista, contrário às exigências elementares da natureza e dignidade da pessoa. Não se lhe reconhece a personalidade jurídica, nem se tutelam devidamente os seus direitos básicos, desde logo, os direitos à vida e à integridade física. Esta situação contribui para a actual crise do Estado de Direito e da democracia. A aprovação de leis permissivas, clamorosamente imorais e injustas ("auctoritas non veritas facit legem", segundo a fórmula hobbesiana), desvaloriza o Estado de Direito entendido como Estado de bem comum ("ordinatio rationis ad bonum comune" é a lei, na versão tomasiana), de justiça e de legitimidade. E faz com que a democracia, sob o império absoluto do princípio maioritário, se reduza a pura forma ou técnica (democracia formal, processual ou técnica) axiologicamente neutra ou vazia ("democrazia vuota"). Neste sentido apontam, cada qual a seu modo, por exemplo, os "modelos democráticos" propostos por Kelsen e Rorty e, o que é mais preocupante, os factos da experiência política contemporânea das democracia liberais. Ora, essa experiência traz consigo a ameaça de degenerescência do Estado democrático numa nova forma de totalitarismo, enquanto a ordem (melhor, a desordem) político-jurídica homologa, e, mesmo, incentiva, práticas de coisificação e, em última instância, de aniquilamento do homem (a lembrar o título, The Abolition of Man, de um pequeno-grande ensaio de C. S. Lewis). Lisboa
Junho/2005
Mário Emílio Forte Bigotte Chorão
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