O aborto, afinal, é um crime menos grave

A nova lei que define as orientações de política criminal a seguir pelos vários procuradores do Ministério Público do país, publicada ontem no Diário da República, refere no seu artigo 11, alínea a) que "O aborto com consentimento da mulher grávida fora das situações de não punibilidade legalmente previstas" é, afinal, um crime de menor gravidade ou, melhor, uma "pequena criminalidade".

Ora, a meu ver, há que distinguir a ponderação das circunstâncias concretas em que a mulher praticou o aborto, fora das 10 semanas e, em particular, se se verificou pressão, ainda que subliminar, do parceiro, da família ou da entidade patronal nesse sentido.´

Neste caso, serão de aplicar medidas mais leves, tais como a prestação de trabalho a favor da comunidade, a fixação de regras de conduta a adoptar como medida reparadora e preventiva, etc..

Porém, não é por, em alguns casos, porventura na maioria, uma das agentes do crime (*) beneficiar de condições mais benéficas de aplicação de pena que daí resulte a qualificiação do crime como "menos gravoso" ou pequeno.

Há, pois, uma confusão de conceitos, a meu ver, propositada, tanto mais que é o próprio Código Penal que integra o crime do aborto fora das 10 semanas (artigo 140º, nº3 do Código Penal), no capítulo I, do Título I do Livro II do Código Penal, intitulando-o de "crimes contra a vida", sendo certo que, para já, não existe ainda a figura do crime de aborto privilegiado, ao contrário do que aconte com a figura do crime de homicídio privilegiado, prevista no artigo 133º do Código Penal.

Estamos, pois, muito mal se se considera que um crime contra a vida é, afinal, um crime de menor gravidade ou pequeno só porque a autora o praticou sob coacção de natureza moral, económica ou social.

Há que deixar as coisas claras:

- O crime de aborto fora das 10 semanas, pela sua natureza, é um crime contra a vida e, por isso, de grande gravidade.

- A ponderação das circunstâncias em que a agente material praticou o crime (leia-se, grávida) podem levar, atenta a sua intensidade e em face das especificidades do caso concreto, a uma punição substancialmente mais leve, inclusive não privativa da liberdade.

(*) Não esqueçamos que, muitas vezes, o principal agente do crime de aborto, seu autor moral, é o companheiro/progenitor.