«Pais» da Bioética em Portugal reconhecidos por Cavaco Silva
A Bioética deu os primeiros passos com o biológo e oncologista canadiano Van Rensselaer Potter, em 1970. 10 anos depois, chegou a Portugal. Um atraso totalmente recuperado, segundo os premiados.
Há 15 anos que Daniel Serrão, responsável pela introdução do estudo da bioética no ensino universitário português e membro da Academia Pontifícia das Ciências da Vida, representa Portugal no Comité Director Bioético do Conselho da Europa e assegura, “Portugal não tem nenhum atraso relativamente à perspectiva europeia da bioética e somos respeitados”. “Temos uma boa revista com artigos da maior qualidade, o Instituto de Bioética a funcionar e o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Por tudo isto, a Bioética está bem instalada em Portugal”.
A discussão da bioética foi iniciada com o Centro de Estudos Bioética, de Coimbra, liderado por Jorge Biscaia, sendo este o arranque, na década de 80, desta área no nosso país. Mas a criação de comissões de éticas em hospitais, a publicação de uma revista “exclusivamente dedicada à bioética” e a “própria criação do Conselho de Nacional de Ética para as Ciências da Vida são anteriores à maioria dos países. Se começámos com um atraso de 10 anos, andou-se muito depressa, como consequência da discussão e do debate realizados”, explica Walter Osswald, médico e fundador do actual Instituto de Bioética.
Jorge Biscaia, médico pediatra e fundador do Centro de Estudos de Bioética aponta este como um reconhecimento importante. “Se a bioética for alicerçada no respeito, na atenção pelos outros, na defesa dos vulneráveis, é um passo importante. A bioética apresenta a preocupação pelos mais pobres e pela sua defesa”.
Há cerca de 20 anos, a bioética começou a fazer parte “institucionalmente” da vida dos portugueses. Apontando o exemplo do CNECV, “é espantoso ver um médico pediatra, um filósofo, um jurista, um psicólogo ou um teólogo a saberem ouvir os outros e quererem perceber o que cada um pensava. Tem sido um acto conseguido”.
Walter Osswald considera o reconhecimento fundamental. “Para grande parte da população, a designação «bioética» é ainda misteriosa. É uma nova área transdisciplinar, exige a colaboração de muitas disciplinas mas não perde a sua característica própria de ser, sobretudo, de reflexão e debate acerca do que o progresso traz e de como podem ser úteis ou prejudicais, conforme a sua aplicação, à dignidade, à liberdade, aos valores humanos fundamentais e ao bem da pessoa humana”.
Bioética de todos
Que a bioética não depende de um grupo de pensadores ou especialistas mas diz respeito a todos os cidadãos é também opinião comum dos precursores portugueses. “Há um trabalho individual que cada pessoa deveria fazer neste campo, que corresponde ao abrir-se aos outros. E isso é muito difícil porque as pessoas estão ligadas ao lucro, à exploração dos outros e de si próprias. A bioética é a abertura total e desinteressada aos outros. A moral exige um trabalho individual”, defende Jorge Biscaia.
Na sociedade portuguesa, Walter Osswald regista uma “crescente consciencialização que a bioética envolve todos os cidadãos e não é algo para especialistas, nem vive limitada entre as pessoas que debatem e reflectem”. Os contactos que nos últimos anos “estabelecemos com o ensino secundário, mostra que a juventude está desperta para estas questões e, tem já informações muito razoáveis”.
O campo da bioética
O membro da Academia Pontifícia das Ciências da Vida afirma ser “uma tolice” a bioética estar exclusivamente ligada a questões persistentes na sociedade, como o aborto e a eutanásia. “Afirmar que a eutanásia é um problema fundamental da bioética é uma manobra, puramente, política. Transformar a bioética em problemas relacionados com o início ou o fim da vida é minimizar a bioética, que tem um horizonte muito mais amplo”.
Jorge Biscaia recorda que Portugal foi precursor ao abolir a pena de morte, com base na constituição que dita a inviolabilidade da vida humana. “Se colocamos isto em questão, pomos em questão toda a Constituição Portuguesa. E é muito importante que ela não seja posta em causa”. Para o médico pediatra a resposta está “na dignidade que cada pessoa tem. Acompanhando-a, mostrando-lhe o sentido da vida, e que, mesmo no fim da vida, ela tem toda a dignidade”.
Na bioética há “sempre questões emergentes, que aparecem e se devem à evolução da tecnologia”. Walter Osswald relembra que há cinco décadas atrás a Procriação Medicamente Assistida ou a fecundação in vitro não eram ainda discutidas. “Estas sim, são questões emergentes, porque a bioética não se prende ao clássico, que são as questões persistentes que acompanham a humanidade há muitos anos, e são constantemente discutidas”.
O futuro da CNECV
Daniel Serrão vai mais longe no reconhecimento da bioética pelo Presidente da República. “Cavaco Silva quer afirmar que bioética é independente, responsável e está ao serviço das pessoas”.
O membro da Academia Pontifícia receia que a bioética “seja alvo de manipulação e de um aproveitamento, por parte de estruturas políticas, económicas ou religiosas, para valores menores”. O médico aponta que a bioética defende os valores fundamentais “a liberdade, a autonomia, a vida e parece haver intenção de aproveitar a metodologia da bioética para que ela sirva outros interesses que não os que fomentam o bem da pessoa e a melhoria da condição humana”. Daniel Serrão manifesta algumas dúvidas sobre o futuro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que, na sua opinião, “se deveria chamar Conselho Nacional de Bioética”.
Terminou recentemente o mandato dos membros e “com a alteração da lei, o Conselho deixa de estar sob a alçada do Conselho de Ministros para passar para a Assembleia da República”. Daniel Serrão receia pelo seu futuro, pois “não sei como vai ser agora estruturado, como serão escolhidos os membros”.
Durante 12 anos, Daniel Serrão integrou o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. “O processo para escolher os futuros membros pode vir a ser pressionado por forças políticas em detrimento dos interesses humanos e socais”.
Até ao momento, seis membros eram escolhidos pelos Partidos Políticos, sete pelas instituições de Ciências Humanas e Socais, sete pelas instituições de Ciência Científicas e o Presidente era nomeado pelo Primeiro Ministro. “Desconheço como vai ser agora. Se passar a ter uma maioria política, o Conselho perde a sua credibilidade, passando a bioética a estar ao serviço dos interesses políticos”.
Que futuro
Os desafios da bioética são emergentes e por isso, os três protagonistas assumem que enquanto puderem vão continuar a trabalhar neste campo.
“Todos os dias me pergunto e tento responder «em que é que posso ser útil?»”, exclama Jorge Biscaia. Por isso “enquanto achar que é útil continuar, cá estarei”.
Walter Osswald afirma que “vou continuar a teimar”. Enquanto for possível “vou continuar a trabalhar, na esperança de poder contribuir para o bem comum, através do debate e da emissão de pareces”.
Daniel Serrão prepara uma viagem ao Brasil, a convite dos bispos brasileiros e da Academia Pontifícia para a Vida, onde vai participar numa conferência sobre eutanásia e cuidados paliativos. “Vou continuar activo tal como me encontro hoje. Quero continuar a dar meu contributo e continuar a trabalhar na bioética”.
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