sábado, 1 de novembro de 2008

Casamento ou "casamento"?

Num artigo publicado no jornal PÚBLICO, a dr.ª Isabel Moreira cita o Capítulo II do Programa do Governo em que este declara assumir "as orientações da União Europeia em matéria de discriminação com base na orientação sexual". Como o Código Civil impede o casamento de pessoas do mesmo sexo, e na opinião de alguns isto é uma discriminação, este terá que ser obrigatoriamente alterado para permitir o referido casamento.

Com o devido respeito pela autora e por quem alinha nas mesmas ideias, penso que a questão é mais semântica do que legal.

Casamento, por definição em qualquer dicionário, wikipédia ou código civil, é um contrato entre pessoas de sexo diferente mediante reconhecimento governamental, religioso ou social, etc.

Este é a condição necessária, comum e inequívoca para que se aplique a palavra casamento a uma união entre pessoas, em todas as línguas e em todas as partes do mundo. Neste sentido, casamento implica sexos diferentes. Sem esta diferença, a palavra casamento não pode aplicar-se. Tem que ser outra.

Contrair casamento ou matrimónio é um direito de todos os portugueses sem discriminação de religião, etnia, cor, orientação sexual, ou outra qualquer diferença de cultura ou convicções. Assim, qualquer homem ou qualquer mulher, seja homo, hetero ou ambissexual, pode casar com qualquer pessoa de sexo diferente.

Não há portanto qualquer reserva que se possa considerar discriminatória.

Claro que pode utilizar-se um sentido figurado mais abrangente para uma palavra libertando-a dos seus limites específicos. Por exemplo, pode chamar-se "bicha" a uma sucessão de pessoas para comprar bilhetes, ou "burro" a alguém que não é propriamente da espécie deste nobre animal. Também pode chamar-se "casamento" à união de duas empresas ou duas cidades para juntarem os seus recursos e unificarem a gestão.

Qualquer palavra usada fora do seu sentido literal é habitualmente marcada com aspas.

Será então o "casamento" (com aspas) que os defensores da união unissexo têm em vista?

Se for assim, a questão é simples. Põem-se aspas na palavra ou arranja-se uma palavra diferente e tudo passa a fazer sentido. Mas com o termo casamento não é possível, mesmo que se queira sinceramente fazer-lhes a vontade. É como chamar água ao vinho. É uma impossibilidade semântica.
António SarmentoPorto
Público, 22-10-08

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