Testemunho impressionante de vida: um testemunho antigo
"Faço parte da estatística das mães adolescentes.
Uma amiga mais velha? A mãe ou o pai? Uma professora? Um médico? Uma assistente social? Uma enfermeira? A tia, aquela que era a mais afastada da família.
O seu primeiro movimento cá dentro: o deslumbramento. O cerrar dos dentes, a convicção de não desistir.
Aos 9 meses, ambulância, hospital, nascimento, primeiro choro, dele e meu, o meu encantamento e promessa: nada será mais forte que tu e a minha vontade. Visita e capitulação dos avós maternos, aceitação, retorno a casa, éramos dois. Nada seria como dantes. Nada mais foi como dantes.
O mundo ao contrário – cedo demais para ter um filho logo responsabilidades a mais para que fosse aceite num qualquer emprego – adolescente a dias, os primeiros dentes, o infantário, aos 18 anos empregada fabril e o estudar à noite quase por osmose, a escola primaria, mudança de emprego para assistente administrativa, o ciclo preparatório dele, depois a licenciatura quase por correspondência com os colegas de curso da faculdade em simultâneo com a secundária dele e a sua adolescência, a minha mudança de emprego graças à licenciatura tirada nas madrugadas sem dormir e alcançando assim algum desafogo financeiro, a sua entrada na universidade longe e todas as despesas inerentes, recusa da bolsa devido ao meu ordenado. O Pai? Sem domicílio profissional e em parte incerta, lamentamos mas assim nada pode ser feito, só iniciando um lento e laborioso processo.
Onde esteve o Estado? Aquele Estado Providência? Aquele Estado solidário?
Por isso o meu voto no próximo referendo ao aborto será igual ao de 1998. Pelo NÃO. E se é não, não é simplesmente porque esteja contra quem o pratica mas simplesmente porque não posso, não devo, contribuir para que este Estado continue a desresponsabilizar-se das suas obrigações sociais e cívicas, mandatado pelo meu voto. E dói-me ver mulheres que apregoam o sim sem terem antes equacionado todas as variáveis, sem terem antes lutado com a mesma garra para que o Estado Providência o seja de facto – quer na Educação que possibilita a prevenção logo a responsabilidade – quer na Solidariedade Social que possibilita uma sociedade ter qualidade de vida.
E também porque na minha humilde opinião a palavra despenalização encobre a palavra liberalização. É mais fácil estar presente na eliminação de um problema – e eu não acho de todo que uma gravidez seja um problema – do que estar presente na prevenção do mesmo ou estar presente para quem - assumindo o seu acto impensado - nem sequer coloque a questão de se “livrar” da consequência.
Confuso? Para mim não é. E sei que o meu filho é um adulto responsável.
E já agora: será que quem decidir fazer um aborto encontrará um Estado mais célere? Ou por outras palavras… está a administração pública mais célere? Serão os médicos na hora a decidir? Se o forem porque não o podem ser também se a mulher quiser ter o seu filho? Não poderá o médico desencadear todos os mecanismos que possam ajudar essa mulher a ter e a criar o seu filho da mesma maneira que irá decidir o dia e a hora a que a intervenção cirúrgica, leia-se, o aborto, irá ter lugar?
Ou irá também a mulher perder-se em corredores, instituições e guichés? Se o sim ganhar, terão um prazo de 9 semanas e pelo menos mais 6 dias, o restante dia será o derradeiro após o qual não há retorno.
Eu esperei 6 meses, desde o primeiro pedido de ajuda , até o meu bebé nascer por um qualquer tipo de apoio que nunca veio e depois esperei mais 4 meses até receber um resposta tão simplesmente a informar-me de que não tinha direito a abono de família.
E para não perguntar qual o papel do homem no meio disto tudo? Se hipoteticamente a mulher decidir abortar por razões económicas, sociais, de beleza, ou seja outras quaisquer, não poderá o pai ter todas as condições que a mãe alegar não ter e querer que o seu filho nasça?
Poderá a mãe tão simplesmente alegar que é a dona do seu corpo? Mas não poderá o pai por sua vez alegar que é dono de pelo menos “metade” do bebé que ajudou a conceber?
Haverá na Lei a protecção legal da vontade do Pai? Se a houver, teremos uma justiça célere a julgar estes casos? O tempo de decisão terá em atenção o tempo permitido por lei para a realização do aborto? São perguntas do senso comum. Mas terão resposta?
Ou nós mulheres seremos de tal forma soberanas que passaremos, sozinhas, a ter o total comando da perpetuação da espécie?
Para mim e friso bem, para mim, tudo na vida é uma questão de força de vontade e não de sacrifícios, sejam os nossos, de outrem, ou daqueles que não pediram para ser concebidos. A mim, pela parte que me toca, e por tudo o que a vida me tem ensinado, sou dona e senhora da minha vontade de conceber ou não. Mas a partir do momento que concebi, terei o direito de decidir se mato ou deixo viver?
Quando olho para o meu filho e lhe vejo aquele sorriso maravilhoso, quando vejo este ser humano que continua a derreter-me o coração como quando senti o seu primeiro movimento dentro de mim, sinto um nó na garganta e penso: tudo o que passámos juntos nos tornou fortes, mais fortes, infinitamente fortes. Não me arrependo de nada: da solidão, da fome, do medo, da angustia, do terror do desconhecido, das noites sem dormir, das borgas a que não fui, dos sonhos sonhados não perdidos mas adiados e concretizados a uma velocidade diferente, do desencontro entre duas gerações já que era demasiado jovem perante os outros pais dos colegas do meu filho e com demasiada “idade” devido à responsabilidade assumida para viver de acordo com as colegas da minha idade, das humilhações passadas nos empregos que me permitiam alimentar-nos e serviram de alavanca até à concretização da minha licenciatura, dos primeiros dentes, da primeira palavra dita pelo meu filho, das suas gargalhadas, de o levar comigo para todo o lado e só ir a lugares onde o pudesse levar, de ouvir as suas primeiras confusões sentimentais de “amores” juvenis não correspondidos, das conversas sobre sexualidade que tivemos quando entrou na adolescência, das borgas que fizemos e fazemos juntos, de o ouvir falar da experiência do primeiro charro e do medo que isso me causou, das nossas discussões pois também as tivemos, das suas birras, das minhas lágrimas, dos meus sustos, dos seus medos, dos jantares maravilhosos feitos por ele enquanto eu estudava, do seu cortejo de caloiro pelas ruas de Coimbra, de o aconselhar nas suas dúvidas de jovem namoradeiro, de chorar agarrada a ele quando o peso da vida se tornava menos suportável, das risadas dele face ao meu desconcerto de lhe falar do meu namorado, de tudo o que vivemos, juntos, de menos e de bom e de muito bom.
Posso ter muitas razões racionais para votar não. Mas confesso que são as razões emocionais, e mais estas até que as outras, que incondicionalmente, me levam a votar não.Perdoem-me pela extensão do texto. E obrigada pela vossa paciência se me leram até ao fim.
Paula"
1 comentário:
dou.lhe os meus parabéns o seu testemunho está fascinate...estva a lelo para um trabalho de maes adolescentes e até as lagrimas me viream aos olhos...muitisimos parabens!
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