sábado, 8 de março de 2008

O Cancro da Banca


Os exames têm vindo a confirmar as piores suspeitas. As análises apontam cada vez mais inequivocamente a doença. E os diagnósticos e opiniões dos especialistas têm vindo a convergir. Prognóstico reservado.
A situação, infelizmente, nem sequer constitui surpresa. A saúde tinha vindo a deteriorar-se visivelmente desde há muitos meses. E desde há anos que as coisas não andavam bem. A doença tem-se manifestado sobretudo a nível do sector bancário e financeiro. São eles o sistema sanguíneo e linfático da economia. Não sabemos bem quantos e quais os outros órgãos que estão afectados. A nível do imobiliário há problemas graves, inequivocamente. Cometeram-se excessos durante muitos anos e agora esse sector está igualmente minado pela doença. Olhando para trás, os erros tornam-se óbvios. Casas a mais, construção em excesso. Numa palavra, overbuilding. A concessão de crédito pela banca foi durante anos direccionada para muitas actividades especulativas e promoveu o esbanjamento de recursos, baseada num qualquer pressuposto de permanente abundância para o futuro. A compra de uma casa para uma família viver é algo de positivo e benéfico para a sociedade e para a economia. Mas a compra generalizada de segundas e terceiras habitações, e a duplicação ou triplicação de residências por efeito de divórcios e de desagregação famíliar, é um peso para a sociedade e um custo elevado para a economia. O mesmo se diga da compra de bens duradouros ligados ou não à habitação, o crescimento excessivo do parque automóvel por exemplo. Quando esses excessos de consumo se verificam em crescente dissonância com os rendimentos auferidos, e o seu potencial de crescimento, a espiral de endividamento destinada ao “superconsumo” tende a transformar-se num círculo vicioso de dificuldades financeiras, incumprimentos, prejuízos, apertos de crédito, e mais incumprimentos.
Naturalmente não estamos a falar especificamente de Portugal. Estamos a falar de Portugal, mas também de Espanha, mas também da Irlanda, mas também da Europa em geral. A doença afectou os mercados mais “quentes” mas está presente na Europa toda. E, claro, nos Estados Unidos. Alguns chamaram-lhe, inicialmente, crise do subprime, no Verão passado. Mas a esses sintomas juntaram-se outros, bem mais graves, e do “subprime” passámos ao suspense e ao “surprise”, com o fluxo constante de más notícias provenientes dos bancos internacionais.. Um dia foi o Northern Rock em Inglaterra, com uma corrida aos depósitos. Outro dia, foi um “rombo” colossal nas contas da Société Générale, com o “affaire” Jérôme Kerviel, o nome do especulador na ponta desse enorme iceberg de prejuízos. Há um mês atrás, foi o alemão IKBank, cujo principal accionista é o banco estatal KfW e que teve de ser apoiado de emergência pelo governo federal para evitar a falência.
Reino Unido, França, Alemanha…Grandes naus, grandes tormentas. Nos Estados Unidos, os sinais não podiam ser mais alarmantes. Não foi certamente de ânimo leve que, em Janeiro, o FED baixou de urgência a sua taxa directora em 0,75% e uns dias depois em mais meio por cento, uma decisão sem precedentes desde o 11 de Setembro. Não é por acaso que em meio ano, a taxa de juro nos EUA baixou quase para metade. E não é por acaso que o espectro da recessão está no pensamento da generalidade dos economistas e empresários europeus e americanos (e não só) nos dias que correm. Não é por acaso, é sim porque a recessão está, de facto, a verificar-se, e para mais acompanhada de inflação. O que significa, fatalmente, mais desemprego, quebra de salários, mais prejuízos, menos lucros, mais falências. A economia está doente nos EUA e na Europa. A doença afectou até agora o imobiliário e o sistema bancário, mas corre o risco de alastrar a todos os sectores, tanto mais que a actividade financeira interage com todo o sistema, e o imobiliário, esse, bate literalmente à porta de cada um. E corre também o risco de afectar as economias até agora pujantes da Ásia e da América Latina, e travar o seu crescimento.

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