segunda-feira, 31 de março de 2008

Fomes, Epidemias e Guerras






A história da humanidade foi sempre marcada por estes três cavaleiros do Apocalipse. Ao qual se deveria juntar um outro, talvez determinante: os erros dos homens. Os erros ou, segundo a moral cristã, os seus pecados: ganância, avareza, egoísmo, imoralidade. Sem esses erros humanos, os tempos difíceis, as provações, transformar-se-iam em criação, inovação, renascimento. Sem ganância, sem egoísmo, as dificuldades converter-se-iam em invenção, criatividade. Com solidariedade, coesão social, espírito de partilha, espírito de equipa, todos os obstáculos são superáveis. Foi isto que permitiu a saga dos Descobrimentos na qual os portugueses deram novos mundos ao mundo. Foi isso que permitiu aos irlandeses vítimas da grande fome de meados do século XIX procurar nova vida e ajudar a criar um país que viria a ser a superpotência do Século XX, os Estados Unidos. Foi essa solidariedade e força anímica que permitiu à Europa do pós-guerra auto-reconstruir-se no espaço de uma geração, com o empurrão inicial do Plano Marshall. Mas, pelo contrário, numa sociedade fundada no individualismo, na corrupção, na falta de ética, entregue aos falsos ídolos e às falsas religiões, a guerra e as mais diversas pragas e flagelos são apenas uma questão de tempo.

Vivemos hoje tempos de vacas magras. Mas já há muito que esquecemos, aqui na Europa, o que é a guerra, o que é a fome, o que são doenças epidémicas. Há tanto tempo que esses flagelos não nos atingem directamente que acreditamos, com naturalidade, que eles nunca mais regressarão. Há muito nos convencemos que as nossas vidas estão predestinadas a nunca mais serem confrontadas com a fome ou a guerra, ou as epidemias. São, para nós, episódios distantes dos livros de História, tal como o circo de Roma ou as invasões bárbaras.

No nosso dia a dia apressado, ouvimos, no rádio do carro, que os preços do trigo, do milho, do arroz, subiram brutalmente. Ouvimos também que o preço do pão poderia vir a sofrer aumentos de 50%. Alarmismo, sensacionalismo… e além disso, estamos mais preocupados com o preço do gasóleo, a prestação da casa, ou o custo das próximas férias. Lucky you! Nalgumas partes do globo, uma subida de 50% no preço do arroz significa, para muitos, o limiar da fome e da miséria. Mas para nós, é apenas mais um factor a adicionar à taxa de inflação, esse indicador impessoal que os políticos têm por missão controlar. Lemos, com algum distanciamento, que há recessão do lado de lá do Atlântico mas, uma vez mais, é algo que a distância e o tempo irão resolver sem nos afectar drasticamente. Em princípio, os nossos empregos, as nossas reformas, o nosso nível de vida, não irão mudar radicalmente. Sempre houve altos e baixos na economia, daqui a 2 ou 3 anos tudo estará passado. Percebemos, por fim, vagamente, que se instalou uma crise financeira e que os bancos não estão de boa saúde. Perdemos dinheiro em acções e também com os imóveis, mas tudo isso é mais ou menos reversível, e as nossas poupanças não estão irremediavelmente ameaçadas. Bancos em falência? Não exageremos!…

Cometemos muitos erros, é certo. Nas últimas décadas destruímos a natureza e o meio ambiente e, não contentes com isso, passámos a destruir a própria vida humana, não através de guerras, como no passado, mas civilizadamente pelo cómodo, prático e sistemático ataque à natalidade e pela generalização das práticas abortivas. Demos prioridade absoluta à acumulação de bens materiais, imóveis e mais imóveis, bens de natureza sumptuária, bens de luxo, bens não essenciais. Decidimos também consumir bens essenciais em quantidades tão exorbitantes que desequilibraram o mundo em que vivemos e o próprio clima. Poluição, desperdício, esbanjamento... Libertámo-nos de todas as amarras morais e espirituais e demos livre curso aos nossos instintos e impulsos individuais. A juventude quase não tem referências morais no Ocidente, está simplesmente à mercê da droga, do sexo e da violência. 40 anos volvidos sobre o Maio de 68, quando passou a ser “proibido proibir”, estamos confrontados com níveis de delinquência e criminalidade sem precedentes, com cidades envelhecidas, com sociedades em pleno declínio demográfico. Mas também com paisagens desfiguradas, solos estéreis, rios sem vida, um mundo rural semi-abandonado.

As incertezas económicas aumentam a cada dia. Há momentos em que a nossa realidade parece um quadro do norueguês Edvard Munch, com toda a sua carga depressiva, “Angst”, por exemplo. Ou que somos personagens de cinema em “no country for old men”, a viver por dentro o pesadelo do tráfico de droga na fronteira dos EUA com o México.

Será que ainda estamos a salvo? Será que ainda vamos a tempo?

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