terça-feira, 4 de março de 2008

"Diálogo Com A Morte", de Marie De Hennezel



“Os que vão morrer ensinam-nos a viver - é esta a mensagem de Marie De Hennezel, ou antes, a razão que a levou a escrever este livro, fruto da sua experiência de 7 anos como psicóloga junto de doentes terminais.”
De Hennezel, M., 1997, La Mort Intime (Diálogo Com A Morte), Editorial Notícias, Lisboa - 173 pág.

É um olhar sobre a morte, que pretende reflectir a vida. Tendo como cenário a Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital Universitário de Paris, a autora relata-nos os momentos “finais” de alguns dos pacientes terminais com quem privou.

Pautado de memórias, é um livro que foca essencialmente a transmissão de mensagens de esperança e de força de viver. E é aqui que confesso que sempre me senti envergonhada por alguns dos lamentos que as pessoas escolhem usar para justificar o mal nas suas vidas. É um bom livro para elas, pois, por uma vez, seria como se olhassem ao seu redor e vissem que aqueles que mais razões têm para chorar são os que lhes acolheriam as lágrimas.

Mas… mais do que palavras minhas, deixo-vos algumas passagens do livro:
Maria

“Quando vim vê-la, foi do filho de doze anos que ela quis falar. Chorou imenso. Deixar atrás dela aquela criança, que não vai ver crescer, que não poderá nem proteger nem consolar quando a vida o ferir, é esse o seu verdadeiro sofrimento. O seu coração encontra-se desmedidamente inconsolável. Eu própria tenho um filho da mesma idade e a dor desta mulher deixou-me transtornada. Há alturas em que tenho a impressão de já não poder ajudar ninguém, de por minha vez me afundar. Chorámos juntas, pois eu não sabia fazer outra coisa. Curiosamente, às vezes é isso que ajuda. Foi assim que ela me falou do Pedro. Pediu-me que o ajudasse, que falasse com ele.

- Quando cá vem é tão corajoso! Tão terno. Diz-me: Mãezinha, mais um pouco de coragem! Tenta ocultar a sua tristeza, vejo-o bem. Gostaria de lhe falar, de lhe dizer que vou partir, mas que cá estarei sempre para o proteger. Mas não consigo dizer-lho, não consigo!

Prometi a Maria transmitir ao filho o que me acabava de dizer, podia confiar em mim. Senti que lhe fazia algum bem. Era tudo o que eu podia.

Maria morreu esta noite.”

Daniéle
“Esse <>, dito por uma jovem á beira da morte, ecoa longamente em mim, faz parte das pérolas de sabedoria que recolho de tempos a tempos e que me dão a sensação de enriquecer.”

Jean

“Pouco antes de morrer, Jean mandou chamar o “amigo”. Pediu-lhe para lhe pegar nas mãos e dançar com ele. Queria continuar a ser o bailarino que era, até ao fim. Tinha-se soerguido na cama e, com toda a força da alma, fazia dançar os braços, ajudado pelo “amigo”, que chorava todas as lágrimas que tinha no corpo, de tal modo aquilo era comovente. <>, repetia-lhe o “amigo”, enquanto os seus braços unidos se embalavam de um lado para o outro. Depois, Jean sorriu, um sorriso magnífico, sublime, antes de se abater sobre a almofada. Acabara de expirar, dançando.”

É um livro para se ler devagar e nos deixarmos invadir dos mais nobres sentimentos. É um livro para se entender que ainda existe amor e compaixão num mundo como este, que carece de uma mão que o puxe e o veja erguer-se do chão.
Aconselho. E acrescento uma frase: Quando a morte vier, que encontre em mim algo para matar.

Texto daqui.


Marie de Hennezel nasceu em 1946, é casada e mãe de três filhos. Estudou Psicologia Clínica e Psicanálise Jungiana, tendo iniciado a vida profissional no acompanhamento a mulheres emocionalmente perturbadas, designadamente casos de psicose avançada.

Trabalha, desde 1987, na primeira Unidade de Cuidados Paliativos para doentes terminais (cancro e sida), em Paris. Pratica a haptonomia, a ciência de curar pela afectividade, defendendo a necessidade do contacto físico com os doentes.

Fundou, em 1990, a Associação Bernard Dutant – Sida, em memória de um amigo que faleceu com essa doença.
Além de Morrer de Olhos Abertos, que contou com a colaboração de Nadège Amar, merecem ainda referência Diálogo com a Morte, A Arte de Morrer e Nós não nos Despedimos, obras onde se relata a importante experiência de quem assistiu, profissionalmente, a largas centenas de mortes e onde tentou «equilibrar o tratamento médico com uma dimensão humana de comunicação com o doente».

Na certeza de que «mesmo quando existe a recusa da morte há pelo menos um momento em que conseguimos uma espécie de paz no abandono de nós mesmos».

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