sábado, 24 de janeiro de 2009

Uma crónica para fazer pensar...

Nos passados dias 24 e 25 de Maio realizou-se em Coimbra, promovido pela Fundação Bissaya Barreto, um encontro sobre a gravidez na adolescência, com o feliz sub-título “Quando uma criança embala o berço”. Convidado a dar uma perspectiva jurídica do problema, de útil levei-lhes apenas uma pequena parte da história da vida da Alexandra.


A Alexandra vivia (suponho que ainda viva) num lugar ignoto, ali para os lados da Pampilhosa da Serra. Corria então relativamente a ela um processo tutelar pelo tribunal de Familia e Menores de Coimbra (na altura ainda os processos de ligados a menores reconduziam-se todos a esta figura), processo tutelar iniciado sobretudo devido aos problemas escolares que enfrentava, a par, “et pour cause”, das miseráveis condições sócio-familiares que a acompanhavam na infância.


Não apenas por razões processuais mas porque se impunha o conhecimento directo da menina, foi agendada uma diligência para tomada de declarações a ela e aos pais, diligência essa a ser realizada no tribunal judicial de Pampilhosa da Serra.


Porque a viagem não é propriamente algo fácil, recordo-me que chegámos ao tribunal, eu e a funcionária que me acompanhava, com cerca de meia hora de atraso. Aguardavam-nos, como sempre, um conjunto significativo de crianças e familiares convocados para diversos actos processuais, que iam desde questões de divórcio a partilhas na sequência de divórcio, às permanentes situações de absentismo escolar e carências ao nível de apoio económico e familiar.


Sentada num dos reluzentes bancos do tribunal (o edifício havia sido inaugurado pouco tempo antes), uma menina de longos cabelos negros, que aparentava não ter mais de 13 anos, de aspecto extremamente frágil e notórios sinais de algum descuido em termos de higiene no vestuário. O que de imediato me chamou a atenção foi aquela barriguinha que a rapariga apresentava, em claro falta de sintonia com o resto do corpo.


Confesso que, se já levava algum enjoo das curvas da serra, aquela visão deixou-me ainda mais estonteado. Fingindo uma serenidade que não tinha, entrou no gabinete com o sorriso semi-coberto pelos cabelos, num claro embaraço pela situação e, está bom de ver, com uma enorme vontade de estar noutro qualquer local que não aquele. A Alexandra, que na realidade tinha completado muito recentemente os 15 anos de idade, apresentava então uma gravidez de cerca de 6 meses.


Estranhamente, nem os próprios serviços do IRS (que era então a instituição que apoiava o tribunal neste tipo de matérias), haviam dado conta daquela gravidez, apesar de o último inquérito social realizado ser datado de cerca de 3 meses antes. Provavelmente confortada pela presença feminina da funcionária judicial, ainda que sem entrar em pormenores – nem esse era o objectivo – narrou-nos com alguma facilidade como tinha tido um primeiro contacto sexual com um rapaz da sua povoação, um pouco mais velho, convencida, dizia ela, que na primeira relação sexual não poderia engravidar e a forma como no início foi capaz de disfarçar o aumento de volume do seu corpo. O que lhe custava, disse-o ela, não era tanto ter o filho – justificando-se com o facto de a sua própria mãe ter tido um filho com 16 anos de idade - mas a sua incapacidade de suportar - na expressão dela - o “gozo” dos colegas da escola.


Não faço a mínima ideia o que é feito hoje da Alexandra e do seu filhote. Porém, sempre que as estatísticas nos recordam que a nível europeu Portugal é o segundo país com a maior taxa de gravidez na adolescência, vem-me à memória a Alexandra e a sua barriga proeminente fazendo abrir os botões da blusa apertada.


Por Paulo Eduardo Correia, Magistrado Judicial. (Daqui.)

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