sábado, 23 de janeiro de 2010

Coreia do Sul combate o aborto

Enquanto mostrava na tela de seu computador imagens de fetos, Dra. Choi Anna descrevia o que acontecia a eles durante o processo de aborto.
Durante anos, disse Choi, ela lavava as mãos, arrependida, depois de cada aborto que realizava.
Sua colega, Dra.Shim Sang-duk, disse que, até o momento em que a prática foi interrompida, no último mês de setembro, a Clínica Ion para Mulheres em Seul realizava 30 abortos por mês, ou seja, o dobro do número de partos ocorridos ali.
Quase todos eram ilegais.
"Vendemos nossa alma por dinheiro", disse Choi.
"O aborto era uma maneira fácil de ganhar dinheiro".
Num país onde o aborto é, ao mesmo tempo, amplamente disseminado e, com algumas exceções, contra a lei, Choi e Shim esperam contribuir para o primeiro debate sério na Coreia do Sul envolvendo a ética do aborto.
Em novembro, elas e dezenas de outros obstetras realizaram uma coletiva de imprensa para pedir "perdão" por terem participado de abortos ilegais.
O grupo formado por elas, o Gynob, pede que outros médicos declarem se participaram ou não de abortos ilegais.
Em dezembro, eles formaram outra organização, a Pro-Life Doctors, que tenta desencorajar mulheres a fazer abortos e gerencia uma linha telefônica especial para reportar clínicas que realizam abortos ilegalmente.
Agora, eles planejam começar a denunciar esses profissionais à polícia.
A campanha da Gynob, com bases morais, é pouco comum na Coreia do Sul, onde o aborto traz uma carga emocional e religiosa bem menor que em muitos países do Ocidente.
No entanto, o tema está ganhando atenção aqui, em parte porque coincide com uma reavaliação pública do aborto por parte do governo, que está buscando maneiras de reverter o declínio da taxa de natalidade no país.
Até agora, o aborto nunca tinha sido uma questão realmente importante aqui, disse Hahm In-hee, professora de sociologia da família da Ewha Womans University, em Seul.
"A sociedade considera o aborto uma questão familiar e existe um grande tabu envolvendo a discussão de assuntos familiares em público", afirmou.
Por sua vez, o Gynob está focando em salientar a hipocrisia de ter uma lei que quase nunca é cumprida.
O objetivo do grupo não é resolver a questão liberalizando a lei, mas acabar definitivamente com o aborto.
(...)
Com base em dados de seguros de saúde e estudos patrocinados pelo governo, pesquisadores concluíram que essas excepções eram aplicadas apenas em 4% dos estimados 340 mil abortos realizados em 2005.
Entretanto, naquele ano somente um caso de aborto ilegal - que, em teoria, é passível de punição de até um ano de detenção para a mulher e dois para o médico - foi a julgamento, segundo dados submetidos por procuradores ao parlamento em outubro.
Durante décadas, o governo da Coreia do Sul negligenciava a questão, pois enxergava no alto índice de natalidade um impedimento para o crescimento econômico.
Nas décadas de 1970 e 1980, as famílias com mais de dois filhos eram denunciadas como antipatriotas.
Até o começo dos anos de 1990, os homens eram dispensados do serviço militar obrigatório se tivessem realizado vasectomia.
Agora, o governo concluiu que essa política teve êxito demais.
O índice de fertilidade da Coreia do Sul, que ficava em 4,5 filhos por mulher na década de 1970, caiu para 1,19 filho até 2008, um dos índices mais baixos do mundo.
O temor do governo é de que a recente crise financeira possa ter baixado ainda mais essa taxa de natalidade, e de que a população do país, que envelhece rapidamente, possa minar a viabilidade econômica do país.
Em novembro, o presidente Lee Myung-bak pediu medidas "ousadas" para aumentar a taxa de natalidade do país.
"Mesmo se não tivermos a intenção de responsabilizar ninguém por todos esses abortos ilegais do passado, devemos reprimi-los de agora em diante", disse o ministro da saúde, bem-estar e questões familiares, Jeon Jae-hee.
Todavia, Jeon acrescentou que qualquer medida deveria ser acompanhada de um aumento do pagamento aos médicos.
Acredita-se que o limite imposto pelo governo sobre pagamentos por serviços médicos motivou esses profissionais a realizar serviços escondidos, e potencialmente muito mais lucrativos, como o aborto ilegal.
Com menos mulheres tendo filhos e o governo limitando os pagamentos aos médicos, muitas clínicas de obstetrícia enfrentam dificuldades.
Alguns profissionais migraram para áreas mais lucrativas, como cuidados dermatológicos e tratamentos contra a obesidade.
Para os que permaneceram na obstetrícia, o aborto - que geralmente custa cerca de US$ 340 e é pago à vista, pois o seguro não cobre - se tornou uma "fonte de receitas que, para eles, é difícil abandonar", disse Dra.
Kang Byong-hee, obstetra de Paju, ao norte de Seul.
Além da política governamental e do modelo econômico da assistência médica, fatores sociais contribuíram para os atuais índices de aborto.
Uma preferência por meninos e uma rejeição a deficientes levaram à prática disseminada de aborto de fetos do sexo feminino ou com problemas fisiológicos, disse Choi Sung-jae, professora de bem-estar social da Universidade Nacional de Seul.
O estigma contra mães solteiras, a crescente participação da mulher no mercado de trabalho e o alto custo da educação também contribuem para essa tendência.
Choi, da Clínica Ion para Mulheres, afirmou: "Vemos uma tendência a ter um filho perfeito e abortar os demais.
Tivermos mulheres exigindo um aborto simplesmente porque tomaram remédio contra gripe ou beberam demais no início da gravidez".
(...)
Enquanto isso, o governo começou a disseminar uma nova mensagem em anúncios de serviço público e cartazes nos metrôs: Ter mais filhos é ser patriota.
"Com o aborto, você aborta também o futuro", diz um dos cartazes.
O orçamento governamental mais recente pede bônus ainda maiores para famílias com mais de dois filhos, assim como maior assistência financeira a mães solteiras necessitadas e cupons para casais que buscam ajuda em clínicas de fertilidade.
Todas essas vozes estão alimentando uma discussão pública mais ampla sobre o aborto, à medida que o parlamento delibera sobre reconsiderar a Lei da Saúde da Mãe e do Filho.
"Essa é a hora de começar o debate", disse Lee, no último mês de novembro.
Fonte: Notícias Yahoo
Tradução: Gabriela d'Avila
Ver site da Gynob aqui

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