O cristianismo, visto pelos israelitas
Embora a Igreja católica fale hoje do judaísmo como "os nossos irmãos mais velhos", não parece que a outra parte acompanhe tal proximidade. Enquanto 54% dos israelitas laicos consideran que o cristianismo está mais próximo do judaísmo que o islamismo, somente 17% dos religiosos o vêem assim e 48% dizem que o islamismo está de facto mais próximo.
Especialmente significativo é que a maioria dos israelitas considera que a atitude da Igreja católica para com o judaísmo não é positiva. Entre os laicos, somente 43% pensam que seja positiva, enquanto 65% dos religiosos consideram ser negativa.
Em quase todos os temas, os judeus laicos têm uma atitude mais tolerante para com o cristianismo que os religiosos
Para 60% dos religiosos é incómodo, inclusivamente, ver uma pessoa a exibir a cruz. Talvez por isso haja incidentes como o que ocorreu em Dezembro de 2007 a um grupo de bispos austríacos, chefiados pelo cardeal Christoph Schönborn, que pretendiam rezar diante do Muro das Lamentações. O rabino encarregado do lugar exigiu-lhes que retirassem ou ocultassem as suas cruzes do peito, e por se negarem a fazê-lo, tiveram de rezar muito mais afastados desse Muro. Todavia, na histórica fotografia de João Paulo II a rezar diante do Muro no ano 2000, o Papa ostenta a sua cruz. O rabino explicou que "a cruz é um sinal que afecta os sentimentos judeus". Seria mais exacto dizer de "alguns judeus", pois, segundo o inquérito, para 91% dos judeus laicos é indiferente.
Em quase todos os temas, os judeus laicos têm uma atitude mais tolerante para com o cristianismo que os religiosos. Em relação à possibilidade de haver um ensino sobre o cristianismo nas escolas, 68% dos laicos são favoráveis, e 52% pensam que deveria incluir o estudo do Novo Testamento. Pelo contrário, 73% dos religiosos e 90% dos ultra-ortodoxos retirariam qualquer referência ao cristianismo no plano de estudos.Ambos os sectores estão mais próximos quando se lhes pregunta se o Estado deveria impedir que as instituições cristãs comprassem terrenos em Jerusalém: 64% dos laicos e 95% dos religiosos querem que haja esse impedimento.
Deveriam os cristãos gozar de liberdade religiosa em Israel, um Estado judeu? 71% dos laicos respondem afirmativamente, enquanto 68% dos religiosos opõem-se. 48% dos religiosos dizem que a actividade das Igrejas cristãs em Israel deveria ser limitada, enquanto outros 48% dos laicos defendem que deveriam receber o mesmo financiamento que as instituições religiosas judaicas recebem.
A liberdade religiosa é posta à prova de modo especial no caso de conversões ao cristianismo. Um muçulmano que num país árabe abrace a fé cristã, corre um perigo por vezes mortal. No caso de um judeu que se converta ao cristianismo em Israel, o risco é uma espécie de morte social por marginalização. "Houve processos de convertidos que perderam a nacionalidade israelita, entre os quais frades franciscanos, e alguns não conseguiram recuperá-la", assegura o P. Artemio Vítores. Por isso, há cristãos que não declaram sê-lo.
Bento XVI, um amigo
O clima de boas relações entre judeus e cristãos que se formou durante o pontificado de João Paulo II, poderia consolidar-se com Bento XVI, que sempre se mostrou como um amigo do povo judeu. Basta recordar que visitou a sinagoga de Colónia na sua primeira viagem ao estrangeiro; depois esteve em Auschwitz, onde condenou o anti-semitismo; convidou o rabino chefe de Haifa para o Sínodo dos Bispos sobre a Bíblia...
Mas se os motivos de conflito, como o caso Williamson, provocam reacções desmesuradas, os gestos positivos do Vaticano não encontraram muitas vezes uma correspondência adequada da parte israelita. É o que referia no ano passado a directora adjunta do Jerusalem Post, Caroline B. Glick, num artigo de opinião (cfr. Aceprensa, 5-06-2008, na versão impressa). A jornalista israelita destacava os esforços de Bento XVI para enfrentar o integrismo islâmico e apresentava-o como um amigo de Israel a quem as autoridades hebraicas não prestam a atenção necessária.
A jornalista lamentava esta desatenção ao Vaticano por parte do governo de Olmert, cuja política externa apenas se preocupou em "dar provas de reverência perante o Departamento de Estado norte-americano".Glick escrevia que, em vez de apoiar o Papa nas suas acções contra o integrismo islâmico, alguns líderes judeus norte-americanos têm-se dedicado a atacar a Igreja por algumas decisões teológicas. Concretamente, mencionava a polémica pela reabilitação do missal de S. Pio V que, na oração dos fiéis da Sexta-Feira Santa inclui uma oração "pelos judeus, para que o nosso Deus e Senhor ilumine os seus corações, de modo a reconhecerem Jesus Cristo salvador de todos os homens". Para alguns líderes judeus, este pedido é uma confirmação de que a Igreja não renuncia à conversão dos judeus, embora para a Igreja o reconhecimento de Jesus Cristo não seja uma traição ao judaísmo, mas o culminar das promessas ao povo de Israel.
A jornalista defendia que os cristãos "não estão a exigir que participemos em disputas teológicas, nem a procurar converter-nos à força". O judaísmo e o cristianismo "partilham valores comuns, e é na base destes valores que é possível empreender acções conjuntas e cada um poderá julgar as acções do outro".
De um ponto de vista mais teológico, o rabino chefe do colonato israelita de Efrat, Sholomo Riskin, escrevia no mesmo diário que, assim como a doutrina cristã sobre o judaísmo mudou, o mesmo deverá acontecer com a atitude dos judeus para com o cristianismo. Riskin, fundador de uma importante rede educativa, pensa inclusivamente que a amizade com os cristãos é de vital importância para o futuro do povo judeu, o qual considera encurralado entre os planos nucleares do Irão e as ideias anti-judaicas do mundo islâmico. "Agora, pela primeira vez desde o aparecimento do cristianismo, os principais líderes cristãos estendem-nos a mão em sinal de amizade". O rabino Riskin felicita-se pelo facto dos cristãos terem difundido pelo mundo os mandamentos que têm em comum com os judeus e considera que "nessa perspectiva, judeus e cristãos são verdadeiramente sócios".
Cem rabinos dão as boas-vindas ao Papa
Nesta mesma linha, mais de cem rabinos das diferentes denominações irão assinar uma mensagem que será publicada no diário israelita Ha'Aretz para dar as boas-vindas a Bento XVI à Terra Santa e impulsionar o diálogo entre judeus e cristãos. A iniciativa foi promovida pelo rabino Jack Bemporad, director do Centro para a Compreensão Inter-religiosa, em New Jersey (Estados Unidos).
A mensagem dos rabinos tem por título "Unidos na nossa era", inspirado no título de Nostra Aetate, a declaração do Concílio Vaticano II que em 1965 alterou as relações entre judeus e católicos. Dirigindo-se directamente ao Papa, a página publicada pelo Ha'Aretz explicará: "Com este espírito, nós, rabinos e líderes judeus, damos-lhe cordialmente as boas-vindas e à sua missão de paz em Israel. A uma só voz, estamos unidos no nosso compromisso a favor do diálogo inter-religioso, da abertura de mais caminhos para aumentar o entendimento, e para reconhecer e reforçar continuamente a importante relação que existe em todo o mundo entre católicos e judeus".
Está para se ver se esta ideia será partilhada pelo novo governo de Netanyahu, que se apresenta como mais intransigente que o anterior no processo de paz e no qual os partidos religiosos têm uma forte presença.
Em declarações recentes (Zenit, 20-04-2009), o patriarca latino de Jerusalém, Mons. Fouad Twal, reconhecia que a visita de Bento XVI tinha, juntamente com a dimensão religiosa, igualmente outra social e política. "Quanto mais amigo de Israel for o Vaticano, mais poderá valer-se desta amizade para fazer avançar a paz e a justiça. Se as tensões entre a Igreja católica universal e Israel permanecerem, afectam-nos a todos, cristãos e muçulmanos. Pelo contrário, se Israel encarasse com confiança a Santa Sé, poder-se-ia, com base nesta relação de amizade, falar de verdade, de justiça e de paz. De facto, só com a linguagem da amizade se podem pronunciar palavras que, na boca de um inimigo, seriam recusadas".
Assinado por Aceprensa
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