domingo, 24 de maio de 2009

Falhanço da adopção


Falar de adopção é falar de afectos e de amor e compreender que o Mundo, na relação complexa entre as pessoas, não gira só à volta da família de sangue.
É falar de uma outra família, que na sua dimensão ética e moral é tão digna como a família biológica.
Só assim faz sentido o vínculo que, à semelhança da filiação natural mas independentemente dos laços de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas. Mas a exigência dos afectos e do amor pela criança não faz só parte da bagagem daqueles que iniciam esta nobre viagem rumo ao processo de adopção. Em qualquer tipo de família devem estar sempre presentes, porque é isso que alimenta e solidifica o crescimento saudável de uma criança.
O processo de adopção, sendo complexo para a criança e para quem adopta, pode aparecer por diferentes razões. Mas tenho para mim que as grandes dificuldades, que impedem o célere e natural desenvolvimento deste belo processo, continuam a estar na lei, numa política retrógrada e conservadora e na falta de preparação e de sensibilidade da justiça, que muitas vezes, em vez de, com responsabilidade, ajudar e facilitar, só complica.
A justiça não gosta da partilha de saberes com outras valências do conhecimento que são fundamentais.
Também o processo de selecção dos candidatos é moroso e complicado.
Necessita de aperfeiçoamentos, sendo estas causas negativas responsáveis pelos insucessos da adopção e pela rejeição das crianças.
Os números são eloquentes no falhanço da adopção: só 11% dos jovens acolhidos podem ser adoptados, sendo elevado o número de crianças e jovens (perto de dez mil no final de 2008) que vivem em lares ou famílias de acolhimento. Não esquecendo que cerca de 40% estavam acolhidos há mais de quatro anos.
Outro dado preocupante é o relativo ao número de crianças em pré-adopção que regressam às instituições e os tempos médios de permanência no sistema, quer seja em lares, quer seja nas famílias de acolhimento. Variam entre os dois e os cinco anos, o que, só por si, serve para ‘matar’ a adopção e atenuar a vontade das pessoas que querem adoptar.
E aqui os factores de risco de insucesso aumentam, o que só prejudica a criança.
O falhanço da adopção significa o fracasso do Estado Democrático e de uma cultura de responsabilidade colectiva.
Os caminhos a percorrer mantêm-se cheios de espinhos e de dificuldades, mas quem pode ficar indelevelmente ‘picado’ e marcado para a vida é a criança.
Por isso é que a adopção em tempo útil é, também, a solução ideal para tirar do abismo a criança e para salvar o seu desenvolvimento harmonioso.
Rui Rangel, Juiz Desembargador


Sem comentários: