quarta-feira, 20 de junho de 2007

O Titanic, de novo.




Estamos no mesmo barco. É um navio aparentemente perfeito. Alguns dizem até que “nem Deus o poderá afundar”. O navio foi construido por grandes engenheiros e para enfentar grandes tempestades. No seu interior coexistem o luxo, a abundância e o divertimento com a mediania e simplicidade daqueles que querem apenas chegar ao seu destino. Chegará lá?
O nosso paquete tem vindo a perder o Norte e cada vez mais se afasta da sua rota. O seu comando estará em boas mãos? Com o mar não se brinca mas por enquanto poucos estarão receosos. Até aqui nada nos faltou, a viagem é uma festa. Nada há a temer.
Existem múltiplas salas e sectores com diferentes diversões. Temos, por exemplo, o sector da prostituição e da pornografia. Aí se gastam rios de dinheiro todas as noites e se exploram as jovens dos países pobres para enfraquecer a vitalidade dos novos e velhos ricos. Organizam-se salões de erotismo, sex-shops improvisadas no convés, espectáculos cheios de glamour em que são escravizadas sexualmente mulheres - e alguns homens – economicamente necessitadas ou toxicodependentes. Existem também outras salas em que orgias mais discretas tomam lugar: homens de meia idade cansados e enfadados de relacionamentos convencionais satisfazem os seus impulsos com outros homens mais jovens, alguns adolescentes, mas todos bem pagos, com os seus caprichos satisfeitos, por algum tempo, seja dinheiro, seja cocaína. Por falar em droga, esta passou a ser bem aceite, em especial na parte mais alta do navio, onde é freneticamente transaccionada, fazendo girar dinheiro por todo o paquete, da proa até à popa. Alguns que ficaram visivelmente “agarrados”, sem dinheiro para mais, foram já atirados borda fora, mas para com os outros, que ainda conseguem sustentar o vício, os viajantes, bem como os tripulantes, demonstram a maior compreensão e humanidade.
Nos grandes salões onde se cruzam as pessoas medianas e normais com as elites que povoam o navio, fala-se de tudo um pouco. A generalidade acha que a prostituição, a homosexualidade, a pornografia, a droga, são fenómenos do dia a dia, inevi´táveis, normais, naturais, que na prática só dizem respeito à vida de cada um. Eventualmente até o capitão e alguns oficiais terão as suas fraquezas, para quê dramatizar algo que acontece desde que o mundo é mundo? E quanto aos passageiros comuns, basicamente não querem ser incomodados com problemas que não lhes dizem respeito.
Na sala das máquinas vive-se agora um outro drama. Há mulheres que iriam ser mães, mas enviaram-nas para aqui, para serem “tratadas”. São bastantes, muitas delas estão apreensivas, mas é realmente inútil preocuparem-se. É absolutamente normal tomarem alguns comprimidos, sofrerem uma pequena intervenção... e resolverem um grande problema. O tratamento consiste em aspirar o empecilho, o enjeitado, um género de quisto, uma pedra no sapato. Aliás há uma probabilidade de 10% de ser deficiente mental, ou deficiente motor, ou surdo, ou baixo, ou até canhoto, portanto a gravidez tem que ser rapidamente tratada, com todos os meios técnicos e científicos disponíveis no navio, para bem do próprio empecilho. Mesmo que se tenha que adiar outro tipo de intervenção importante, há coisas que não podem realmente esperar.
O navio continua a atravessar o mar oceano, contudo a tripulação e mesmo alguns passageiros já começaram a avistar blocos de gelo à deriva e algumas formações rochosas ameaçadoras. Conseguirá chegar ao seu destino?

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