terça-feira, 9 de novembro de 2010

A mudança de sexo e o bisturi ideológico

Foram aprovados recentemente na generalidade os projectos do Governo e do Bloco de Esquerda que criam o procedimento de mudança de sexo e nome próprio no registo civil, em lugar de se propor uma acção em tribunal. Os argumentos evocados pelo legislador para apresentar esta proposta foram os custos inerentes de tempo e dinheiro, bem como o desgaste psicológico envolvido.

Em primeiro lugar, é lamentável que se tenha legislado sobre esta matéria sem que tenha havido um debate na sociedade. As razões relacionadas com custos, desgaste psicológico, e as humilhações a que estas pessoas, por vezes, se encontram sujeitas, não colhem. Na verdade, o que é humilhante para estas pessoas (e para os restantes cidadãos) é terem uma justiça lenta e uns serviços de saúde mental que estão muito aquém do necessário e do desejado. Para comprová-lo basta referir que o nosso orçamento para a saúde mental é proporcionalmente um dos mais baixos da união europeia.

Por outro lado, o facilitismo no campo legislativo, numa matéria tão sensível e complexa como esta, pode ser perigoso porque, neste processo, o tempo é fundamental para se clarificar o diagnóstico, pois se existem casos de evolução crónica, também têm sido referidos outros de remissão espontânea.

Atendendo ao facto de não existirem efectivas mudanças que favoreçam a assistência psiquiátrica destas pessoas, este projecto-lei serve apenas os interesses de uma ideologia: a ideologia do género. Esta ideologia defende que o sexo não é determinado pela biologia, mas pelo papel sexual que cada um tem na sociedade. A célebre frase de Simone Beauvoir expressa essa ideia: «uma mulher não nasce mulher, torna-se mulher». A ideologia do género menospreza o sexo biológico, defendendo que a identidade sexual é construída pelo próprio sujeito. Ou seja, deixa de existir qualquer identidade humana estável, sobrepondo-se assim a vontade subjectiva sobre a realidade objectiva. Mas não é precisamente desse conflito que nascem muitas doenças psiquiátricas?

Se considerarmos que identidade sexual varia de acordo com os interesses e o gosto de cada um, deixa de fazer sentido falar em “normal” e “patológico”, o que, para quem procura objectividade na psiquiatria, enquanto ramo da ciência médica, é um argumento pouco convincente. Mas foi nesta precariedade argumentativa que foi criada esta legislação. Neste caso não pareceu existir uma legitima preocupação de melhorar objectivamente a ajuda clínica destas pessoas, nem tão-pouco acrescentar quaisquer novos direitos – sabendo de antemão que a actual Constituição não consagra discriminações em função do sexo ou da orientação sexual–, mas de incorporar na legislação uma ideologia.

A ideologia do género que tem sustentado estas mudanças legislativas não irá servir as pessoas que estão em sofrimento com a sua identidade sexual; pelo contrário, irá prejudicá-las. Actualmente, nos EUA, já se discute a possibilidade de retirar a perturbação da identidade sexual da nova classificação de doenças mentais (DSM V), com efeitos seguramente desastrosos pois, se não for mais considerada doença, os tratamentos médicos e psiquiátricos deixarão de ser pagos. Num certo sentido, é o caminho apontado pela proposta de legislação, simplificando artificialmente o que é complexo, encaminhando estas pessoas, com um relatório clínico, dos hospitais para as conservatórias do registo civil, dizendo-lhes que assim é mais rápido, barato, e que o seu sofrimento é aliviado por decreto-lei; ou seja, a mudança de sexo é tratada através de um “bisturi ideológico”.

Pedro Afonso
Médico Psiquiatra

5 comentários:

Anónimo disse...

Convém lembrar que a homossexualidade não é mais considera doença, pelo menos para psiquiatras sérios, sem mesquinharias ideológico-religiosas.

Anónimo disse...

errata: considerada

Anónimo disse...

Não é mais considerada uma doença? Para Psiquiatras sérios? Mencione um!
Relembro dois (sérios) que já foram notícia neste blog:

Espanhol:
http://algarvepelavida.blogspot.com/2008/11/homossexualidade-uma-patologia-que-tem.html

Holandês:
http://algarvepelavida.blogspot.com/2010/01/ainda-ha-esperanca.html

O triste espectáculo dado por uma minoria durante a visita do Papa Bento XVI a Espanha mostra que, se não estão doentes, pelo menos necessitam de ajuda.
Espectáculo triste e gratuito para quê? Têm alguma coisa a reivindicar ao governo espanhol que lhes aprovou o "casamento"? Ou a "tolerância" é tal que pretendem mudar a forma de pensar do Papa e da Igreja em geral? Se não são doentes pelo menos tomam atitudes de pessoas fortemente perturbadas mentalmente.

Maria Carolina Silva

Anónimo disse...

Como você informou, foi o "triste espetáculo dado por uma minoria". Pode ter um ou outro "desequilibrado". Boa parte dos homossexuais querem viver em paz, sem constrangimentos, violência etc... e não está interessada em proselitismo sexual, ou seja, a maioria da humanidade continuará sendo hetero...

Anónimo disse...

Julgo que o texto não aborda a homossexualidade mas sim a transsexualidade. Não se devem confudir as coisas.