quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Adopção e apadrinhamento



Redefinir projectos de vida interrompidos em crianças e jovens quando a família se torna de algum modo incapaz de os conduzir. É um desafio para os profissionais que intervêm em situações de risco.


Quando uma criança ou jovem é retirado à família biológica, urge redefinir o seu projecto de vida. Este é o maior desafio de quem lida com menores em condições de risco. E são muitas as entidades envolvidas nestes processos: magistrados do Ministério Público que definem as medidas tutelares cíveis a serem aplicadas, desde a reintegração na família biológica após intervenção técnica, à determinação da adopção; técnicos da Segurança Social; instituições de acolhimento e outros profissionais como terapeutas e psicólogos.


Intervir com crianças e jovens em risco, que desafios, práticas e alternativas?


Foi sob este lema que a Crescer Ser - Associação Portuguesa para o Direito dos Menores e da Família, reuniu um conjunto de profissionais das áreas social, judicial e da saúde no IV Encontro Técnico, realizado nos dias 15 e 16 de Outubro na Universidade Católica Portuguesa, no Porto. Apadrinhamento civil


Num processo de protecção da criança ou jovem, a meta de todos os intervenientes é sempre a de promover o bem-estar da criança quando a sua família biológica se manifesta incapaz de o fazer. Mas a atribuição a terceiros das responsabilidades parentais não tem sido suficiente para evitar a institucionalização e promover a desinstitucionalização das crianças e jovens. Recentemente, uma nova figura jurídica, o apadrinhamento civil, veio dar uma lufada de ar fresco às alternativas que o aparelho judicial já oferecia: restituição aos pais, confiança a terceira pessoa, tutela, adopção restrita e adopção plena.

Trata-se do apadrinhamento civil.

Coube a Rui do Carmo, procurador da República e membro do Observatório Permanente da Adopção, da Universidade de Coimbra expor os contornos do apadrinhamento civil, ainda em prazo regulamentação.

"Houve uma preocupação de evitar o excesso de exigências para além do razoável", explicou a uma assistência de profissionais de acção social, educação, psicólogos e magistrados. A escolha da nomenclatura foi propositada para simplificar a sua compreensão entre os interessados.

"Toda a gente sabe o que são os padrinhos e quais as suas funções relativas às crianças", esclarece o procurador. Desde logo, podem a ser apadrinhadas crianças a beneficiar de qualquer medida de promoção e protecção, em situação de acolhimento em instituição ou que se encontre em situação de perigo confirmada em processo de uma comissão de protecção. Por outro lado, podem apadrinhar todos os adultos maiores de 25 anos que demonstrem idoneidade e autonomia de vida.

O vínculo entre padrinhos e afilhados é constituído por decisão judicial ou por homologação judicial quando celebrado o compromisso nas Comissões de Protecção ou na Segurança Social. Depois de constituído o vínculo seguem-se 18 meses de apoio aos padrinhos e afilhados. [Consultar artigo: Apadrinhamento civil: dinamizar novas famílias]


Decidir pela adopção independentemente da medida a tomar, "há que ter em conta a memória das crianças", recorda Alda Fontes, procuradora-adjunta da República e magistrada no Tribunal de Família e Menores do Porto. Falando à assistência sobre a adopção restrita, uma figura que se distingue da adopção plena, a mais usual, por apresentar algumas restrições que esta última não contém. Ou seja: o adoptado não perde os apelidos de origem, não é herdeiro dos adoptantes e não altera a sua nacionalidade. De resto, o vínculo constituído é semelhante ao da filiação.

No entanto, realça a magistrada, "a adopção deve fazer-se quando efectivamente os pais biológicos não possam zelar pela segurança e sustento da criança da tal forma que fiquem comprometidos os vínculos parentais e filiais sem que haja o cumprimento satisfatório dos deveres parentais para com ela".

Citando um relatório de 2008 da Segurança Social, Alda Fontes chamou a atenção para o facto de apenas terem sido decretadas 377 adopções plenas e nenhuma restrita.

Os dados apontam para a existência de 13 910 crianças acolhidas, estando 9956 em instituições e as restantes em famílias de acolhimento.

Questionados sobre que tipo de crianças querem adoptar, 80% dos casais candidatos diz pretender uma criança até aos três anos de idade, 98% opta por uma de raça caucasiana e 99,9% por uma que não tenha problemas de saúde.

No entanto, realça Alda Fontes, estes números, que traduzem a vontade de ter um filho, não vão ao encontro das características da maioria das crianças institucionalizadas.

Como explica a magistrada: "Mesmo que se faça a intervenção na situação de risco familiar denunciada [o mais cedo possível], a criança poderá ter entre dois e três anos até que esteja no sistema para adopção."

Então questiona a magistrada: "Porque não tem sido pensada a solução da adopção restrita?" Sobretudo em crianças com mais de 9 anos e menos de 14 com irmãos, aconselha Alda Fontes, esclarecendo que uma adopção restrita pode passar a plena quando se verificarem os seus requisitos.

E levanta uma outra questão: "Será que os candidatos que não cumprem os requisitos da adopção plena não poderiam integrar a lista para a restrita?"

Sobre a actuação dos vários intervenientes nestes processos, como magistrada, Alda Fontes sente que são necessárias mais reuniões e trabalho em equipa. "Normalmente estou sozinha na minha secretária, parece que existem cada vez mais modos de intervir, mas na prática não sei se estamos a proteger bem [estas crianças e jovens] porque há formas de trabalho que devemos questionar." Por isso, no decorrer do seu dia-a-dia no tribunal Alda Fontes faz questão de ser rodear de todo o tipo de intervenientes: "Agradeço que os técnicos de acção social não tenham medo de me telefonar, porque as instituições é que são os nossos olhos no terreno."


Intervir nas famílias

"Nem todas as famílias são capazes de assegurar a função vital de sobrevivência da espécie humana, o que se reflecte no desenvolvimento dos seus filhos", afirma Eva Delgado-Martins. A apresentação desta psicóloga fez-se em torno da problematização da intervenção com as famílias. O técnico responsável pela intervenção deve ter uma informalidade na linguagem e no comportamento adoptado perante a família e tendo em conta os objectivos, aconselha a psicóloga. Uma vez que "o objectivo é estabelecer uma relação de confiança entre o interventor e a família no sentido de a manter no cenário da intervenção ajudando à mudança". Então o sucesso implica que "as estratégias de intervenção devem ser negociadas com as famílias e não definidas à margem destes", refere a psicóloga. Criticando alguns modos de intervenção, que originam a que durante uma semana cada família seja visitada por diferentes intervenientes sem que se estabeleça uma relação de confiança, diz Eva Delgado-Martins: "Não é passível que às segundas-feiras entre em casa da família a assistente social, às terças o psicólogo, às quartas o terapeuta e por aí em diante." Como tal, a psicóloga defende a existência de "um coordenador com diferentes papéis e funções, que vão para além do papel tradicional, e que se articule com os restantes profissionais partilhando informação relevante".

Tanto do lado das famílias como da protecção de crianças e jovens, a partilha de informação entre técnicos e instituições parece ser a pedra basilar sobre a qual deveria assentar toda a problemática da intervenção. "A discussão entre profissionais sobre os casos com que se debatem devia ser obrigatória", desabafa Eva Delgado-Martins, rematando com uma certeza: "Sozinhas, as pessoas não resolvem nada!"

Fonte:Educare

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