sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O embrião: muito mais do que um punhado de células

Continua o debate sobre a utilização de material retirado de embriões humanos para investigação: os defensores do seu uso mantêm que, nestas primeiras etapas, as células não podem ser consideradas uma pessoa humana; por outro lado, um livro recente de dois filósofos defende o contrário - John Flynn comenta-o, num serviço para a Zenit.
Assinado por John Flynn Data: 4 Outubro 2008


Robert P. George, membro do Conselho de Bioética do presidente dos Estados Unidos, e Christopher Tollefsen, evitando os argumentos de fundo religioso e baseando-se numa série de princípios científicos e filosóficos a favor do estatuto humano do embrião, sustentam, no livro Embryo: A Defense of Human Life (Embrião: uma defesa da via humana) (1), que o estatuto de ser humano tem o seu início no momento da concepção.
O livro começa por relatar a história de um rapaz chamado Noah que, quando embrião, foi resgatado, juntamente com outros embriões congelados, do desastre que abalou Nova Orleães em 2005, tendo sido, posteriormente, implantado num útero, acabando por nascer em Janeiro de 2007. Salvou-se a vida de Noah - uma vida humana -, afirmam George e Tollefsen.
Um embrião humano, prosseguem, é um membro vivo da espécie humana, inclusive nos seus primeiros momentos de desenvolvimento. Não é nenhum outro tipo de organismo animal, nem um conjunto de células que mais tarde sofrerá uma transformação radical. A menos que aconteça um acidente trágico, o ser na fase embrionária evoluirá até à etapa fetal e continuará a desenvolver-se.

A questão em debate centra-se em determinar desde que momento é possível identificar um sistema biológico único, que começou o processo tendente a tornar-se um ser humano maduro. Este momento decisivo, defendem os autores, tem lugar na concepção. Alguns médicos especialistas pensam que isso acontece um pouco depois, com a formação dos cromossomas do esperma e do óvulo juntos. Em todo caso, afirmam George e Tollefsen, existe um amplo acordo entre os embriologistas de que um novo indivíduo humano começa a existir assim que se forma a estrutura cromossómica.

Os autores sustentam que há três pontos-chave a ter em conta, quando se considera o estatuto humano do embrião:
- É distinto de qualquer outra célula da mãe ou do pai;
- Na sua componente genética, é humano;
- É um organismo completo, ainda que imaturo, e que, a não ser que a doença ou a violência o impeça, se desenvolverá até à sua etapa madura: de ser humano.
Por conseguinte, destruir embriões humanos, mesmo na sua fase inicial, para obter «células--mãe» para investigação, é admitir a legitimidade moral da possibilidade de se matar certa classe de seres humanos em benefício de outros.


Não se trata apenas de ciência

Opor-se à destruição da vida humana, nas suas etapas iniciais, não tem a ver com princípios religiosos, nem com a crença que a vida está revestida de uma alma, acrescenta o livro.
A razão filosófica é suficiente para nos guiar no esclarecimento do que é lícito fazer com os embriões humanos. Neste sentido, defender os direitos do embrião é similar à defesa da pessoa humana contra qualquer forma de discriminação injusta, sustentam George e Tollefsen. Admitem que há filosofias morais diferentes, sendo de repudiar liminarmente a teoria do consequencialismo, que defende a admissibilidade do sacrifício de seres humanos em prol de um bem maior.

George e Tollefsen consideram que a posição justa é a da lei natural, segundo a qual é moralmente mau ferir ou destruir um direito humano básico. Assim, de acordo com aquela lei, se um cientista procura a cura para alguma enfermidade, mas o método utilizado destrói deliberadamente uma vida humana, a sua acção não é lícita.
O direito humano básico, segundo defendem todos os teóricos da lei natural, é que uma pessoa inocente não deve ser morta ou mutilada de modo intencional. A capacidade do ser humano de raciocinar e de escolher livremente confere-lhe uma dignidade superior à dos outros seres vivos. Logo, um ataque à vida humana é um ataque à dignidade humana, independentemente da idade ou etapa de desenvolvimento da vítima, concluem os autores.


É pessoa?

Um dos capítulos do livro aborda a objecção a que um embrião possa ser humano, pelo que não é uma pessoa e não tem a mesma dignidade e direitos. George e Tollefsen replicam que tal ponto de vista cai no erro de admitir que há seres humanos inferiores a outros, com base nas suas características acidentais.
De facto, continuam, negar o estatuto de pessoa baseando-se na capacidade mental ou em outros parâmetros de funcionalidade acarreta múltiplas questões de enorme delicadeza. Por exemplo, ser-nos-á permitido matar bebés recém-nascidos, porque não são capazes de realizar funções humanas básicas?
Por isso, segundo os autores, devemos dar-nos conta de que uma diferença quantitativa de capacidades não é o critério certo para determinar direitos, porque é só uma diferença de grau. A verdadeira diferença, e radical, está entre os seres humanos e os outros animais. Assim, o embrião é um ser humano adulto em potência no mesmo sentido em que o são os bebés, as crianças e os adolescentes.
Os embriões já são, insistem, seres humanos, e não apenas potencialmente humanos. Além disso, o direito do ser humano à vida não varia segundo a sua etapa de desenvolvimento porque é o direito fundacional para a pessoa. "É o direito do qual se predicam todos os outros direitos e determina se um ser tem capacidade moral", continuam George e Tollefsen.


Não é só material biológico

Outro argumento falacioso é o que defende que os embriões não merecem um estatuto moral pleno por que uma grande percentagem não consegue implantar-se no ventre materno ou morre de aborto espontâneo. Os autores afirmam que é uma falácia naturalista considerar que o que acontece na natureza deve ser moralmente aceitável se causado por acção humana.A falsidade deste raciocínio também é evidente, dizem George e Tollefsen, quando se considera que, historicamente, a mortalidade infantil tem sido muito alta. Em tal situação, o facto de muitos bebés morrerem não torna ético que se lhes tire a vida em benefício de outros.
Outra linha de raciocínio, utilizada para defender a investigação com células embrionárias, é que há muitos milhares de embriões congelados, os quais, excluídos após tratamentos de fecundação artificial, nunca terão oportunidade de ser implantados e de crescer até à maturidade. Neste sentido, segundo este argumento, um cientista poderia, assim, usar estas células em benefício da investigação.

George e Tollefsen respondem que é manifestamente injusto pedir que uma pessoa - neste caso um embrião - sacrifique a sua vida desta forma. "Os seres humanos têm um direito moral a que não se lhes dê a morte de forma intencional em benefício de outros", declaram.
Perante o processo de criação e congelação de embriões, os autores defendem que é um erro condenar centenas de milhares de vidas humanas a uma espécie de "limbo congelado". Temos que prestar atenção ao seu destino, recomendam George e Tollefsen, não utilizando os embriões como se fossem um tipo de material biológico mas reconhecendo a sua humanidade.
Estes e outros argumentos convincentes do livro tornam-no uma leitura valiosa, num momento em que a ciência corre o perigo de ultrapassar o nosso raciocínio ético.

John Flynn

Sem comentários: