Demografia: a mãe das crises
Se o escritor de ficção científica Philip K. Dick vivesse, já não precisaria da sua imaginação distópica para distorcer o futuro. Poderia ser um escritor naturalista. Esse futuro que nas histórias de Dick parecia delirante está agora bem plantado à nossa frente, no tempo útil das nossas vidas. Consultando as estatísticas ficamos inteirados da boa nova: a longo prazo, não estaremos mortos. Estaremos extintos.
Muita gente tem alertado para o declínio demográfico que ameaça o mundo ocidental como o conhecemos. Esse declínio converteu-se no primeiro problema para o nosso modo de vida dos últimos 60 anos. Até temos algumas ideias de como devemos enfrentá-lo, mas hesitamos, em parte porque estamos sobretudo focados noutras pragas (as alterações climáticas, a especulação bolsista), noutra parte porque ainda vivemos na doce ilusão de arranjar maneira de salvar a nossa pensão de reforma. No entanto, comparado com o meteorito que será os países europeus ficando aceleradamente sem população, tais preocupações parecem menores ou acessórios. Se não houver gente, faremos o quê?
Em 2003 a idade média na Europa era de 37,7 anos. Em 2050, segundo um estudo da Brookings Institution, um think-tank norte-americano, essa média rondará os 52,3 anos, bem acima dos 35,4 previstos para os Estados Unidos. Praticamente todos os países europeus sofrerão baixas acentuadas nas suas taxas de população. Por exemplo, a Itália cairá 22 por cento e a Estónia 52 por cento. E Portugal também. Para começar, o INE revelou há dias que em 2009 tivemos mais óbitos do que nascimentos.
Daqui a 40 anos viveremos na sociedade mais envelhecida que provavelmente existiu na história do mundo. Os novos serão minoritários, os velhos maioritários. Politicamente será um facto dramático. E sabem o que acontece às sociedades dominadas por anciãos? Mais tarde ou mais cedo definham.
Ao mesmo tempo, eis o que também tem acontecido: as taxas de fertilidade no mundo muçulmano têm continuado o seu ritmo imparável. Desde 1970 que têm sido responsáveis por grandes subidas da população mundial. Há hoje muito mais muçulmanos na Europa vivendo como muçulmanos, isto é, conservando os seus hábitos religiosos e rejeitando o secularismo ocidental. Essas tendências da natalidade não-ocidental suscitam também conspirações de poder em torno de uma suposta arabização da Europa. O certo é que os países europeus também não escaparão ao choque cultural dentro de portas. Na verdade, já o conhecem.
Imaginam uma Europa sem Portugal, sem a Suécia, a Europa de 2200 ou 2300? Falarão aqueles que viverem nessa altura daquilo que nós fomos, tal como nós falamos da civilização maia ou dos romanos?
Um dos grandes paradoxos da Europa é que nenhum outro recanto do mundo ofereceu tanta afluência e bem-estar às suas populações para que cuidassem da sua própria subsistência e renovação. A Europa é que deveria ser, e em certo sentido até se imaginou dessa forma, o verdadeiro "fim da história".
Mas a anomia europeia explica bem por que é que a afluência económica e o bem-estar social não chegam para manter uma cultura. As coisas e as estatísticas demográficas são o que são.
O historiador inglês Arnold Toynbee escreveu há muito tempo: "As civilizações morrem por suicídio, não por assassinato". E é mesmo certo na história das grandes civilizações que a seguir à decadência vem a extinção. A crise demografia é a mãe das nossas crises. Jurista
Público, 2010/06/17
Pedro Lomba
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