Com a aprovação, pela maioria parlamentar, do projecto de lei relativo à aplicação da educação sexual em meio escolar, estamos perante um caso gritante de ditadura da maioria e de utilização do Estado para propagar uma doutrina particular.
Ditadura da maioria porque uma maioria parlamentar, seja ela de que dimensão for, se arroga o direito de impor o que deverá ser leccionado em matéria de sexualidade aos filhos de todos os portugueses, mesmo daqueles que consideram profundamente errada e prejudicial a visão sobre a sexualidade que está subjacente aos conteúdos que constam do referido diploma legal.
Não está em causa a visão propriamente dita, mas tão--somente o facto de se tratar de uma visão particular, ou seja, de existir na sociedade um conjunto significativo de cidadãos que a refuta totalmente. Ninguém tem o direito de impor a todos os pais qual é forma como deve a escola ensinar aos seus filhos a "melhoria dos relacionamentos afectivo-sexuais dos jovens" ou o que é a "noção de família". Quais relacionamentos? Melhoria segundo que critério? Quem escolhe esse critério? E que "noção de família" vai ser propagada? E que dizer sobre os valores que vão ser veiculados com a criação do "dia anual da educação sexual nas escolas"?
Ora, perante a óbvia divergência num tema que toca o mais íntimo das pessoas, será que pode um conjunto de iluminados, mesmo tratando-se de deputados da República, impor a obrigatoriedade da sua visão particular? Ou seja, impor aos pais que os seus filhos sejam educados para a sexualidade na escola segundo critérios e valores que eles não partilham não será sinal de uma postura ditatorial?
Perante este quadro, importa questionar: as escolas existem para auxiliar os pais na educação dos filhos, como a Constituição da República Portuguesa prevê, ou para um conjunto de personalidades, mais ou menos iluminadas, as utilizar como veículo da sua visão particular do mundo?
Da leitura do projecto de lei surge o absurdo de tudo isto: "A presente lei aplica-se a todos os estabelecimentos da rede pública, bem como aos estabelecimentos da rede privada e cooperativa com contrato de associação (1), de todo o território nacional". Ou seja, aqueles que tiverem capacidade financeira para escolher a escola dos filhos, esses estão fora da alçada iluminada do legislador. Donde se conclui que os critérios e as matérias em causa já não são fundamentais ao pleno desenvolvimento e preparação para a vida activa. Afinal, a maioria parlamentar está apenas a zelar pela plebe que frequenta as escolas suportadas pelos nossos impostos, no fundo, aquelas que ela considera, como o consideraram outras maiorias parlamentares antes desta, serem as suas escolas. É dessas que se trata e nessas, sua coutada particular, arroga-se o direito de pôr e dispor como lhe aprouver, tratando os cidadãos como seus servos.
Normalmente, porque depende do voto, segue "as modas" do politicamente correcto, mas não é por isso que deixa de ser uma ditadura. A liberdade perde-se pouco a pouco. Por isso, não há regime democrático sem a protecção daqueles que não pensam de acordo com a maioria, dos que são politicamente incorrectos, dos que defendem ideias que a maioria considera imbecis, tontas ou mesmo irrealistas; daqueles de quem não gostamos, mas que toleramos, porque aceitam obedecer às mesmas leis. Insuflar de valores e critérios obrigatórios o currículo obrigatório, mesmo com pretensas boas intenções, só pode agradar aos inimigos da liberdade.
A coberto de ideias generosas, como a diminuição da gravidez na adolescência ou da incidência do vírus VIH/SIDA, obrigar os pais a aceitar que os seus filhos recebam informação e formação de acordo com critérios que não desejam e de uma forma contrária aos seus princípios, não só é cruel como contribui para desresponsabilizar os pais. E falar do "reconhecimento em tudo isto do papel indispensável da família, dos pais, dos encarregados de educação e dos professores", num sistema de ensino em que as escolas têm uma reduzidíssima autonomia na construção do seu currículo e os pais uma ínfima palavra nos destinos da escola, é simplesmente hipócrita.
Francisco Vieira e Sousa
Secretário-Geral do Fórum para a Liberdade de Educação
1) Escolas privadas frequentadas gratuitamente por um número de alunos determinado pelo Ministério de Educação, contra pagamento de um montante por aluno fixado anualmente.
Fonte: Público, via
Povo
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