quarta-feira, 8 de maio de 2013

O homem pós-moderno desencantado



Se há algo que define o homem pós-moderno é sua situação de desencanto. Ele é aquele que já não acredita na modernidade e a considera em um canto frio, ao qual teme olhar, como a maior das mentiras.

Sua decepção alcançou tudo o que ele achava valioso ou importante, todos os âmbitos nos quais acreditava contar com apoios firmes, com passos sólidos pelos quais cruzar as montanhas mais inclinadas: economia, política, arte, moral, religião. Agora sabemos que as concepções fundamentais da modernidade estavam equivocadas. Mas o homem pós-moderno carece de convicções suficientemente confiáveis para poder alicerçar sua vida sobre elas.

A pós-modernidade é fundamentalmente a rejeição da modernidade

A história da humanidade é, em essência, a história da constituição e desenvolvimento do que as diversas gerações consideraram vigente. O leito do rio pelo qual transcorre o devir do homem sobre a terra está formado pela decantação daquelas concepções da vida e do mundo que cada tempo considerou verdadeiras.

Alguns poderiam alegar que as ideias são matéria sutil demais e heterogênea para produzir um efeito tão notável, pois na verdade se trata de noções vagas que se guardam e comemoram na intimidade do nosso ser e que carecem da força necessária para arrastar e tocar a realidade.

Talvez pensemos que somente os batalhões, tropas, tanques e bombas, ou talvez algumas descobertas científicas é que podem se tornar os eixos do universo humano. Esta é uma ideia que pode ser perigosa.

Entender uma época implica o nunca simples trabalho de compreender o que as pessoas que nela viveram consideravam como verdadeiro, real. Cabe então perguntar-se: em que acreditam os pós-modernos? Só há uma ideia clara: que a modernidade foi uma falácia.

Ainda não encontramos nenhum traço positivo para acrescentar ao panorama, porque, se o homem pós-moderno descobre que algo em que acreditava afeta fortemente a sua ação, logo perceberá que se trata de um resíduo da modernidade.
 

 
Em que o homem pós-moderno acredita? Basicamente, em nada

Chamamos de pós-moderno o homem que carece de certezas, que vive no ceticismo e que vê os últimos empenhos da agonia moderna com um cinismo muitas vezes insuportável.

Porque o drama do homem pós-moderno é que ele não tem certezas sobre o bem, sobre o que vale a pena na vida, sobre Deus e também sobre todo o resto. Sua vida é um enorme buraco sobre o qual ele caminha colocando as tábuas das ideias modernas, como os pedreiros nas valetas das cidades.

Mas é possível viver assim? Como pudemos chegar a uma situação semelhante? Ou, como diz o louco-lúcido de Nietzsche, “como pudemos beber o mar? Quem nos emprestou a esponja para apagar o horizonte?”.

Como as pedras de Stonehenge, continuamos em pé, monumento em um tempo que já não é o nosso, almas fora de lugar, fantasmas de si mesmos que continuam olhando a bolsa, esperando que o Estado resolva os problemas, levando os filhos para que outros os eduquem.

Negociamos com instituições que são barcos fantasmas, que continuam fazendo seu trabalho só porque não há uma nova energia, uma esperança que as substitua. Continuamos vivendo porque... é preciso viver. Mas não sabemos para que vivemos, qual é o objetivo do nosso cansaço.

Somos navios ancorados a um porto que está ardendo, mas quem se aventurará em um mar desconhecido, ignorando onde está situado o outro porto ao qual devemos chegar? Em nossa queda pelo precipício, agarramos o último ramo que nos restava, os últimos resíduos modernos, que são frágeis e quebradiços, mas quem se soltará, enquanto não vir sob seus pés terra firme e chão seguro?

A negação de uma grande ideia sempre deixa um grande buraco, mas também traz uma nova esperança. Talvez não tenhamos referências para começar o caminho, mas é verdade que sabemos muitas coisas. Sabemos explicar nossas ações sob o único prisma do interesse, pedra angular da economia moderna.

Descobrimos que as democracias representativas, suposto cume, ponto final do progresso histórico dos sistemas políticos, são estados de partidos nos quais as elites podem competir pelo poder em uma guerra que não é sanguinária, mas fria.

Vemos, com temor e tremor, que as declarações de direitos humanos, tão sérias e rigorosas, adquirem o tom interpretativo que sustenta a ideologia dominante, quando não estão simplesmente ao seu serviço.

Percebemos que os intelectuais modernos se parecem àqueles viajantes que chegaram às aldeias e perguntavam: “O que há para comer?”, pergunta à qual respondiam: “O que você trouxer!”; e, desta maneira, acabam descobrindo, em suas pesquisas, com sua suposta Razão sem preconceitos, justamente o que pensavam antes de começar.

Humanistas, filósofos, teólogos da ciência hostórico-crítica, inclusive cientistas, não fazem outra coisa a não ser brincar de encontrar em uma gaveta o que esconderam no dia anterior.

Mas estes desencantos, com toda a sua dor, nos permitiram entender que não temos essa Razão de indivíduos solitários, e sim outra, talvez menor, mais humilde, certamente finita, histórica, que requer a comunidade, que se educa em uma tradição, que precisa entender a si mesma e os seus pressupostos para ter um olhar equilibrado sobre a realidade.

Alasdair MacIntyre. Tras la virtud. Barcelona, Crítica, 2001.

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