domingo, 2 de janeiro de 2011

Anéis de Nárnia



C.S.Lewis e J.R.R.Tolkien viveram ambos no início do Século XX, ambos participaram na 1ª Grande Guerra Mundial, assistaram aos horrores das trincheiras, da guerra e da morte (Lewis, inclusive, assistiu à morte do seu melhor amigo), assistiram depois ao sofrimento causado pela 2ª Grande Guerra, os bombardeamentos, as familias separadas. Que contributo poderiam estes dois professores universitários de Oxford dar ao mundo e às gerações vindouras para que tais crueldades, fruto da maldade humana, não se voltassem a repetir ?
Ambos criaram, então, dois mundos fantásticos, a terra média e Narnia que enriqueceram com elementos próprios do cristianismo, da idade média, das mitologias gregas e nórdicas e, claro, do mundo das fadas. Aslan (o equivalente ao Gandalf do Senhor dos Anéis) explica a razão de ser destes livros: “Foi por essa razão que vos trouxe até Nárnia, para que, conhecendo-me aqui por algum tempo, me pudessem conhecer melhor lá”. Por isso, para Lewis e Tolkien, os 3 livros da saga do Senhor dos Anéis e os 7 livros dos Contos de Nárnia têm um bilhete de regresso à realidade, não se esgotam apenas na sua leitura.
Muitos livros, estudos e até teses de doutoramento se fizeram sobre estas obras, os seus autores e a sua interligação entre si. Aqui gostaria apenas de focar dois aspectos que ambas têm em comum: O desafio à fragilidade humana e a actuação de acordo com as responsabilidades de cada um.
Em todas estas obras, os seus heróis, à excepção de Gandalf e Aslan, são pessoas com defeitos, falhas e fraquezas. No Senhor dos Anéis, Boromir após ter jurado fidelidade à Irmandade do Anel, num acto de loucura, tenta roubá-lo a Frodo; Theodian deixa-se enfeitiçar pelo seu conselheiro, transformando-se num débil e apático velho e o próprio Frodo, no final, soçobra à sedução do anel, traindo a confiança de todos os que deram a vida por ele. Por sua vez, nos contos de Nárnia, Edmund traí os irmãos e os seus amigos em troca da promessa de um reinado (já dizia a serpente no jardim do paraíso “Sereis como Deuses” e sempre a hipetrofia do eu como ponto de partida para o mal) e de uma caixinha de gostosas delicias turcas e, por causa disso, só o sacríficio de Aslan é que possibilita o seu resgate das mãos da Feiticeira do Gelo (o sacrifício dos inocentes tem o efeito contrário ao da morte, diz Aslan, com inequívoco paralelismo à paixão de Cristo).
Estas personagens, ao longo da narrativa, sofrem tentações e seduções, a atracção do regresso (no caso de Edmund), ou da entrada (no caso de Frodo) aos aparentes e imediatos prazeres proporcionados pelo mal. E aqui constata-se também uma característica própria dos contos de cavaleiros da idade média onde estes são testados, não só fisicamente, mas sobretudo moralmente, com ofertas de domínios e riquezas em troca da sua deserção. No 3º conto “A viagem do caminheiro da Alvorada”, à semelhança do que já acontecera no 2º, Edmund, através de alucinações e pesadelos, é novamente seduzido pela memória da Feiticeira do Gelo que reclama o regresso dos seus foros perdidos. No filme, inclusive, a luta final é feita não contra pessoas ou monstros, mas contra o fumo verde, subtil e penetrante da sedução do mal.
Por outro lado, estes livros fazem a apologia da assunção das responsabilidades de cada um, de acordo com o seu estado e as suas circunstâncias. Não fugir do destino, mas enfrentá-lo é o conselho que o pequeno Ripitchic dá a Estauce quando este decide desertar, no meio do início de uma batalha ou como diz Gandalf “Não nos cabe a nós escolher a época em que nascemos e sim fazer o que pudermos para a remendar”.

2 comentários:

Zé Maria Duque disse...

Peço desculpa mas não se pode comparar Aslan a Gandalf.

Tolkien não queria criar uma alegoria, daí nenhuma das suas personagens poder ser comparada a Cristo. Mesmo Gandalf tem medo de usar o anel, porque tem medo de não resistir à tentação. Aliás, em Os Contos Inacabados de Númenor e da Terra Média, Tolkien conta como Gandalf não queria ser enviado à terra média por temer Sauron.´

Já Aslan representa claramente Cristo. Aliás, Lewis queria que assim fosse.

Existe de facto uma raiz comum nestes dois mundos: uma atracção pelos mitos como reflexos da verdade e o desejo de construir um mito cristão.

Tolkien constrói um mundo cristão, mas sem a Revelação. Lewis conta a história da revelação através de uma alegoria.

MRC disse...

Caro ZMD

Agradeço-lhe o comentário, aliás, muito oportuno e também considero que, em bom rigor, Gandalf assume uma natureza diferente da de Aslan.
No entanto, em ambas as obras quer Aslan, quer Gandalf assumem um papel de sábios e guias das outras personagens supostamente mais fracas. São ambos a luz que vai animando os caminhos.
Também é verdade que, nos contos de Nárnia Aslan simboliza claramente Cristo, enquanto que no Senhor dos Anéis Cristo tanto pode estar simbolizado na pessoa de Gandalf (sobretudo, na versão "O Branco") "ressuscitado" após a sua luta nas profundezas dos abismos como na pessoa de Frodo e na sua agonizante peregrinação até às fendas de Mordor.
Abraço !