quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O elogio do inútil

Sei os riscos que corro ao propor um tema como este: o elogio da inutilidade. Por um lado, estamos claramente perante um termo ambíguo. A inutilidade parece à primeira vista um valor negativo ou um contra-valor.
Quando é que a inutilidade é boa e libertadora?
Por outro lado, a nossa cultura, que idolatra a produção e o consumo, assumiu o útil como um dos critérios máximos para avaliar as nossas vidas.
Se é útil, é bom. Quando nos sabemos úteis, sentimo-nos compensados.
A vida tornou-se uma espécie de grande maratona da utilidade. Contudo, o termómetro que assinala a nossa vitalidade interior não pode dispensar a pergunta pelo lugar que saudavelmente damos ao inútil.
Porque é que o inútil é importante?
Porque o inútil subtrai-nos à ditadura das finalidades que acabam por ser desviantes em relação a um viver autêntico.
Condicionados por esta fi nalidade, e aquela, e aquela acabamos simplesmente por não viver, por
perder o sentido da gratuidade, a disponibilidade para o espanto e para a fruição. Recorrendo a uma expressão do teólogo Dietrich Bonhoeffer, a inutilidade é que nos dá o acesso à “polifonia da vida”, na sua variedade, nos seus contrastes, e na sua realidade escondida e densa. E a polifonia da vida outra coisa não é que a sua inteireza, tantas vezes sacrifi cada à prevalência contínua do que nos é vendido por útil.
Neste sentido, Jesus de Nazaré é verdadeiramente o Mestre do inútil!
(...)
“Não vos preocupeis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer, nem quanto ao vosso corpo como que haveis de vestir, pois a vida é mais que o alimento, e o corpo é mais que o vestuário. Reparai nos corvos… Reparai nos lírios,
como crescem. Não trabalham nem fi am… Pois eu digo-vos: nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles” (Lc 12, 22).
Num tempo de aperto, em que o útil nos constringe ao máximo empenho, é importante não esquecer o lugar que, precisamente nestes dias difíceis, temos de conceder ao inútil.
Tolentino Mendonça
Poeta e teólogo

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