terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Crónica de um aborto

O ar levemente frio da sala de exame me deu uma sensação de calafrio. Meus olhos estavam ainda fixos na imagem desse bebê perfeitamente formado. Eu estava assistindo à medida que uma nova imagem entrava na tela do vídeo. A cânula — um instrumento em forma de canudo ligado à extremidade do tubo de sucção — havia sido inserida no útero e estava se aproximando do lado do bebê. Parecia um invasor na tela, fora de lugar. Errado. Parecia simplesmente errado.
Meu coração estava batendo aceleradamente. O tempo estava andando devagar. Eu não queria olhar, mas não queria parar de olhar também. Eu não conseguia assistir. Fiquei horrorizada, mas fascinada ao mesmo tempo, como alguém acanhado que diminui a velocidade enquanto passa de carro por algum horrível acidente de carro — não querendo ver um corpo mutilado, mas apesar de tudo olhando.
Meus olhos voaram para a face da paciente; lágrimas escorriam dos cantos dos olhos dela. Eu podia ver que ela estava sofrendo. A enfermeira tocou levemente a face da mulher com um lenço.
“Apenas respire”, a enfermeira gentilmente a instruiu. “Respire”.
“Já está quase no fim”, sussurrei. Eu queria ficar focada nela, mas meus olhos rapidamente voltaram para a imagem na tela.
No começo, o bebê não estava consciente da cânula, que gentilmente examinou o lado dele, e por um rápido segundo senti alívio. “É claro”, pensei. O feto não sente dor. Eu tinha assegurado a inúmeras mulheres disso conforme a Federação de Planejamento Familiar havia me ensinado. “A massa fetal nada sente quando é removida. Por isso, controle-se, Abby. Essa é uma operação simples e rápida”. Minha cabeça estava trabalhando muito para controlar minhas reações, mas eu não estava conseguindo abalar uma inquietação interior que estava rapidamente se transformando em terror enquanto eu assistia à tela.
O próximo movimento foi o súbito puxão de um pezinho enquanto o bebê começou a dar chutes, como se estivesse tentando se afastar do invasor examinador. À medida que a cânula pressionava o lado dele, o bebê começou a lutar para virar e escapar. Parecia claro para mim que ele estava conseguindo sentir a cânula, e ele não estava gostando do que estava sentindo. E então a voz do médico cortou o ar, me espantando.
“Mais luz aqui, Scotty”, ele disse despreocupadamente para a enfermeira. Ele estava dizendo a ela que ligasse a sucção — numa operação de aborto a sucção não é ligada até o médico sentir que tem a cânula exatamente no lugar certo.
Tive um impulso súbito de gritar “Parem!” para abalar a mulher e dizer: “Olhe para o que está acontecendo com o seu bebê! Acorde! Rápido! Impeça-os!”
Mas ao mesmo tempo em que pensei nessas palavras, olhei para a minha mão segurando a sonda. Eu era um “deles” realizando esse ato. Meus olhos rapidamente voltaram para a tela de novo. A cânula já estava sendo girada pelo médico, e agora eu conseguia ver o corpinho sendo violentamente torcido pela cânula. Nesse momento brevíssimo parecia como se o bebê estivesse sendo torcido como um pano de prato, torcido e espremido. E então começou a desaparecer dentro da cânula diante dos meus olhos. A última coisa que vi foi a espinha dorsal, pequenina e perfeitamente formada, sendo sugada pelo tubo, e então se foi. E o útero estava vazio. Totalmente vazio.
Fiquei petrificada, sem poder acreditar. Sem perceber, larguei a sonda, que deslizou pela barriga da paciente e foi parar numa das pernas dela. Eu estava conseguindo sentir meu coração batendo muito — batendo tão forte que meu pescoço palpitava. Tentei respirar fundo, mas parecia que eu não estava conseguindo respirar. Meus olhos ainda estavam parados na tela, ainda que estivesse escura agora porque eu tinha perdido a imagem. Mas eu estava longe de tudo o que estava acontecendo ao meu redor. Eu me sentia chocada e abalada demais para me mover. Eu estava consciente do médico e da enfermeira tendo um bate-papo causal enquanto trabalhavam, mas tudo parecia distante, como vago barulho no fundo, difícil de ouvir com todo o som da pulsação do meu próprio sangue em meus ouvidos.
A imagem do corpinho, mutilado e sugado, estava rodando de novo na minha mente, e com ela a imagem do primeiro ultrassom de Grace — como ela tinha aproximadamente o mesmo tamanho. E eu podia ouvir em minha memória um dos muitos argumentos que eu tive com meu marido, Doug, acerca do aborto.
“Quando você estava grávida de Grace, não era um feto; era um bebê”, Doug havia dito. E agora isso me atingiu como um raio. “Ele estava certo! O que estava no útero dessa mulher a apenas um momento atrás estava vivo. Não era apenas massa, apenas células. Era um bebê humano. E estava lutando por sua vida! Uma batalha que ele perdeu numa fração de segundos. O que eu disse para as pessoas durante anos, o que tenho crido, ensinado e defendido, é mentira”.
De repente senti os olhos do médico e da enfermeira em mim. Fiquei abalada e sem saber o que pensar. Notei a sonda caída na perna da mulher e tateei para colocá-la de volta no lugar. Mas minhas mãos estavam tremendo agora.
“Abby, está tudo bem com você?” o médico perguntou. Os olhos da enfermeira sondaram a minha face com preocupação.
“Sim, estou bem”. Eu ainda não tinha conseguido colocar a sonda na posição correta, e agora eu estava preocupada porque o médico não estava conseguindo ver o interior do útero. Minha mão direita segurava a sonda, e minha mão esquerda descansava timidamente na barriga quente da mulher. Dei uma espiada rápida na face dela — mais lágrimas e uma expressão facial de sofrimento. Movi a sonda até recapturar a imagem do útero dela agora vazio. Meus olhos voltaram a olhar minhas mãos. Olhei para elas como se nem fossem minhas.
Quantos estragos essas mãos fizeram durante os oito anos passados? Quantas vidas foram tiradas por causa delas? Não só por causa das minhas mãos, mas também por causa das minhas palavras. E se eu tivesse conhecido a verdade, e se eu tivesse contado a todas aquelas mulheres?
E se?
Eu havia acreditado numa mentira! Eu havia cegamente promovido o “programa da empresa” por muito tempo. Por quê? Por que eu não tinha feito pesquisas para descobrir a verdade por mim mesma? Por que eu fechei os ouvidos para os argumentos que eu havia ouvido? Oh, Deus, o que eu havia feito?
Minha mão ainda estava na barriga da paciente, e eu estava tendo a sensação de que eu tinha acabado de arrancar dela algo com essa mão. Eu a tinha roubado. E minha mão tinha começado a doer — eu estava sentindo uma real dor física. E bem ali, quando eu estava em pé ao lado da mesa, com a mão na barriga da mulher em choro, este pensamento veio do fundo de dentro de mim:
“Nunca mais! Nunca mais”.
Entrei num estado automático, agindo como um robô. Enquanto a enfermeira limpava a mulher, eu afastava a máquina de ultrassom. Então, gentilmente despertei a paciente, que estava mancando e grogue. Eu a ajudei a se sentar, convenci-a a usar uma cadeira de rodas, e levei-a à sala de recuperação. Envolvi-a num cobertor leve. Como tantas pacientes que eu tinha visto antes, ela continuou a chorar, em óbvio sofrimento emocional e físico. Fiz tudo o que pude para deixá-la com mais conforto.
Dez minutos, talvez 15 no máximo, haviam passado desde que Cheryl tinha pedido para eu ajudá-la na sala de exames. E nesses poucos minutos, tudo mudou. Drasticamente. A imagem daquele bebezinho se torcendo e lutando ficou rodando de novo na minha mente. E a paciente. Senti-me tão culpada. Eu havia tirado algo precioso dela, e ela nem mesmo sabia disso.


Iº capitulo do livro de Abby Johnson, da editora Ignatius Press (traduzido via Notícias Pró-Família)

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