A personalidade jurídica do nascituro
A palavra vida, etimologicamente provem do grego “bios” e até os nossos dias atuais não se tem uma definição exata e completa deste vocábulo.
Em uma análise biológica, vida é o Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo , o crescimento , a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras; existência.
Sinteticamente, podemos inferir que a vida seja um complexo de características comum aos seres vivos, como: composição química; organização celular; capacidade de reprodução; além de uma infinidade de características que ficam a cargo da Biologia.
Marco inicial da vida humana
O Código Civil aduz implicitamente sobre o início da vida do ser humano, no seu artigo 2º, “in fine”, ao dizer que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
Se a lei põe o nascituro a salvo, ou seja, o protege desde a concepção é notório que neste momento haja a vida, pois antes da concepção só existem o óvulo e os espermatozóides separados. A lei não tutele direito de espermatozóide e de óvulo. Podemos, então, concluir seguindo esta linha de raciocínio, que o início da vida pode se encontrar no momento da fecundação ou concepção.
Esta análise feita sobre o art. 2º do Código Civil, não apaziguam os muitos embates que giram em torno do que realmente caracterizaria o início da vida humana, e até mesmo o fim da mesma. A legislação, infelizmente não é clara, mormente, na adoção dos princípios que caracterizem o início e o fim da vida, ao tratá-los de forma totalmente diversa, deixando muitas vezes, a cargo de alguns órgãos federais, versar sobre o assunto por meio de resoluções e/ou portarias.
Segundo a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.480 de 08 de agosto de 1997, que vem a suprir o art. 3º da Lei nº 9.434 de 04 de fevereiro de 1997, a chamada lei de transplante, a qual estipula o momento exato da morte do homem, para que se possa fazer a retirada dos órgãos destinados a transplante. A respectiva lei aduz o seguinte em seu preâmbulo: “CONSIDERANDO que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte, conforme critérios já bem estabelecidos pela comunidade científica mundial”.
Notamos explicitamente, que a legislação pátria, estipula ser o momento da morte, aquele em que o cérebro para de funcionar.
No tocante ao início da vida humana, a legislação, no entanto, é omissa. Podemos fazer uma analogia com o que estipula o final da vida, conforme a resolução do CFM supra citada. Se o término da vida humana é marcado pela ausência de trabalho do cérebro, poderemos supor que o marco do início, poderia se o momento em que se observa os primeiros trabalhos celebrais do nascituro. Qual seria, então, o momento em que ocorra a primeira atividade cerebral no ser humana?
Analogicamente, devemos dizer que a vida se inicia com o pré-embrião, este que se forma no 14ª dia após a fertilização, seja “in vivo” ou “in vitro”, de acordo com o que reza a letra b, item 4.2, Anexo da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) nº 33 de 17 de fevereiro de 2006, que aprova o Regulamento técnico para o funcionamento dos bancos de células e tecidos germinativos.
PERSONALIDADE JURÍDICA
Diz Paulo Dourado de Gusmão que a personalidade, como sendo a “[...] aptidão genérica a ter direito e deveres. Definindo: personalidade, para o direito, é a qualidade que tem a pessoa de ser sujeito de direito e de obrigações.” Continua ainda Gusmão a conceituar a personalidade jurídica “[...] como a aptidão que tem a pessoa, em função de seu estado pessoal, de adquirir direito e assumir obrigações.”
Denota Maria Helena Diniz que a “ personalidade é o conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direito constitucionais de vida, liberdade e igualdade.”
Relacionado diretamente com a personalidade jurídica esta a capacidade jurídica e a capacidade de fato. A primeira é a medida da própria personalidade jurídica, e, a última como sendo a capacidade de exercício de determinada obrigação, a qual guarda uma característica pessoal relativa à pessoa propriamente dita, ou a sua função laboral.
PERSONALIDADE JURÍDICA DO NASCITURO
Antes de partir para a problemática da personalidade do nascituro, é de basilar importância, tecermos alguns comentários e conceituar o que venha a ser pessoa, personalidade, nascituro, etc. Para um maior embasamento no tópico central.
NASCITURO
A palavra nascituro é proveniente do latim “nasciturus”, a qual designa O Aurélio como o que há de nascer; o ser humano já concebido, cujo nascimento se espera como fato futuro e certo”
Para algums, o nascituro é “nome dado ao ser humano já concebido, que se encontra em estado fetal, dentro do ventre materno.”
Podemos concluir o conceito de nascituro, como sendo o ser humano que se encontra temporalmente entre a concepção e o nascimento.
Creio ser incorreto dizer que o nascituro seja o ser que esta em desenvolvimento, visto que o desenvolvimento do ser humano é algo contínuo, o qual talvez só se conclua no momento em que o seu corpo, já sem vida, seja totalmente transformada em outras matérias.
Diz o Dr Denival da Silva Brandão, ressabido ginecologista, citado pelo Procurador-Geral da República, na ADIM nº 3510, que "O embrião é o ser humano na fase inicial de sua vida . É ser humano em virtude de sua constituição genética própria e de ser gerado por um casal humano através de gametas humanos- espermatozóides e óvulo. Compreende a fase de desenvolvimento que vai desde a concepção , com a formação do zigoto na união dos gametas, até completar a oitava semana de vida. Desde o primeiro momento de sua existência esse novo ser já tem determinado as suas características pessoais fundamentais como sexo, grupo sangüíneo, cor da pele e dos olhos, etc. É o agente do seu próprio desenvolvimento, coordenado de acordo com o seu próprio código genético [...] Aceitar, portanto, que depois da fecundação existe um novo ser humano, independente, não é uma hipótese metafísica, mas uma evidência experimental. Nunca se poderá falar em embrião como uma pessoa em potencial que está em processo de personalização e que nas primeiras semanas poderia ser abortada. Porque? Poderíamos perguntar-nos: em que momento, em que dia, em que semana começa a ter a qualidade de um ser humano? Hoje não é; amanhã já é. Isto, obviamente, é cientificamente absurdo."
Quem poderá dizer que o embrião ou até mesmo o pré-embrião não seja um ser humano? E se, por acaso alguém tiver a capacidade de afirma tal absurdo, então, o que seria este ser, um animal talvez, em “stricto sensu”? Pois em sentido amplo, nos o somos. É certamente uma questão melindrosa de se aferir, posto que aquele ser vivo que se encontra no ventre materno tem todas as características genéticas e de um ser humano adulto.
Pessoa e nascituro
O termo pessoa, é figura de uma grande evolução histórica e cultural, que ao longo do tempo foi se transformando.
Para nós, o que interessará neste momento é a concepção de pessoa, segundo o olhar jurídico.
Na razão de Maria Helena Diniz, “pessoa é o ente físico ou coletivo suscetível de direito e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito.”
Já para o Ministro do STF César Peluso, que “Pessoa é o ente que pode ser sujeito de relações jurídicas.”
Reza o art. 6º, Parte III, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela XXI sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas e Promulgado no Brasil pelo Decreto nº 592 de 06/07/1992, que “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.”
Concatenando, então, pessoa juridicamente falando, é o ser, seja coletivo ou físico, que é susceptível de relações jurídicas, sendo também, sinônimo de sujeito de direito e que é protegida por lei.
Partindo-se destas premissas, conclui-se que para ser pessoa, há no mínimo três critérios:
Análise do nascituro como pessoa:
Logicamente não há dúvida quanto ao nascituro ser pessoa humana, conforme análise feita anteriormente.
a) Art. 552, Código Civil (CC), “A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal”. O nascituro pode ser donatário.
b) Art. 1.609, Parágrafo Único, CC, “O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.” O nascituro pode receber por testamento.
c) Art. 1.779, CC, “ Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.” O nascituro pode ser curatelado. Não se faz necessário tecer mais exemplos, para não se torna fatigante o tema, tendo em vista que do exposto, não há como se ter dúvida quanto à capacidade que tem o nascituro de ser sujeito susceptível de relações jurídicas.
3. Não se faz mister caminhar muito para enxergar o quão sujeito de direitos é o nascituro; na simples observação do item anterior já se percebe o instituto. Aduz, neste ponto, Betencourt (2007, p. 391) “ O direito protege a vida [humana] desde a sua formação embrionária, resultante da junção dos elementos genéticos [...] a sua eliminação tipifica o crime de aborto.”
O aborto é um crime praticado contra o nascituro e, este, foi colocado na Parte Especial do Código Penal, especificamente no Título I, o qual trata dos crimes contra a pessoa. Não tem como se ter dúvida ao afirmar que o nascituro é pessoa.
Início da personalidade jurídica do ser humano
O início da personalidade jurídica, diverge em razão dos princípios morais e religiosos de cada país.
Para o direito civil francês e holandês (art. 3º) é imprescindível que o nascituro seja viável e não apenas que nasça com vida, para que adquira personalidade natural. Já no direito civil espanhol somente exige que o nascituro tenha forma humana e que viva pelo menos 24 horas após o nascimento. Seguindo esta mesma idéia, o código português exige, também, que o recém nascido tenha forma.
Alega, ainda,Maria Helena Diniz, que no Código Civil “[...] argentino (art. 7º) e o húngaro (seção 9) a concepção já dá origem à personalidade”.
Partindo-se de uma interpretação literário do art. 2º, primeira parte, do Código Civil pátrio, percebemos que o dispositivo traz apenas o pré-requisito, de que o nascituro nasça vivo, e não traz nada a cerca da viabilidade ou tempo exigido de vida do recém nascido. Contudo, observa-se, “in fine”, deste artigo, que a lei o põe a salvo desde a concepção.
CONCLUSÃO
Diz o Código Civil pátrio de 2002, em seu art. 1º, “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.” E em seu art. 2º, primeira parte, que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida [...].” Notamos que ao analisarmos o artigo 1º e o 2º, conjuntamente com o que foi escrito anteriormente, chegaremos a seguinte conclusão: que toda pessoa tem personalidade jurídica na ordem civil, ou seja, toda pessoa tem personalidade.
A Lei 8.069 de 13/07/1990, a qual instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, prescreve que:
1- Art. 1º - “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.”
2- Art. 2º - “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.”
Para que tenhamos um melhor entendimento jurídico, do que vem a ser criança, importante se faz observar o que pronuncia o art. 1º da Convenção sobre os direitos da criança, promulgado através do Decreto 99.710 de 21/09/1990, que “Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”.
Da análise lógica extraída da Lei 8.069/1990 e do Decreto 99.710/1990, supra citados, chega-se a seguinte conclusão:
1º - Criança é ser humano com menos de 18 anos (Decreto 99.710/1990)
2º - Criança é a pessoa até 12 anos de idade ( Lei 8.069/1990)
3º - Logicamente todo ser humano e, redundantemente, toda criança são pessoas.
4º - Toda pessoa tem personalidade (já visto) e, sendo a criança pessoa, logicamente tem personalidade.
5º - As duas Normas (Decreto 99.710/1990 e Lei 8.069/1990) afirmam que criança é a pessoa ou ser humano com menos de 12 ou 18 anos, contudo não trata de estabelecer a idade mínima. Logicamente estes institutos tutelam o ser humano ainda em gestação e, conseguintemente e tacitamente, diz ser o nascituro uma criança.
Como é notória a constatação jurídica de que o nascituro é uma criança e que criança tem personalidade, não há como se negar que aquele tenha personalidade jurídica.
Fazendo um silogismo entre o art. 1º e o 2º do CC, concluímos que a personalidade jurídica, está intrinsecamente ligada à própria pessoa, ou seja, toda pessoa tem personalidade e todo ser que tem personalidade é pessoa.
Para o Código Civil Português (art. 203 a 211), coisa é tudo o que não tem personalidade, então, se alguém afirmar que o nascituro não tem personalidade estará afirmando que este é uma coisa, ou seja, um ser sem vida ou um animal irracional.
Importante apenas destacar que a personalidade jurídica do nascituro está relacionada com a capacidade de direito, conforme já analisado.
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