Ao longo de séculos empresas e instituições viveram de um património de lealdade que era produzido pelos valores, pelo esforço e pelo modo de fazer de famílias, igrejas e comunidades; e era alimentado pelas grandes narrativas, da arte e da literatura. Nas últimas décadas deixámos de produzir intencionalmente estes valores e modos de fazer; mas a necessidade de lealdade continua a existir e aumenta.
Há alguns decénios, então, pensou-se ser possível substituir a lealdade por incentivos, pagando e controlando trabalhadores e dirigentes; esperava-se com isso torná-los «leais» quando «não há ninguém em casa» (Génesis 39,11) a ver e a controlar. Pena é que – estamos a verificá-lo – esta substituição só funciona para as coisas simples; mas é nociva quando se trata de gerir situações importantes e críticas. Uma fragilidade radical do nosso sistema económico-social deriva de uma grave carência da virtude da lealdade; seria já um grande passo se tomássemos coletivamente consciência desse facto.
(...)A lealdade (...) tem sempre um custo e traduz-se frequentemente em "não fazer
"; o que é também motivo para que seja difícil de ver.
Sendo a lealdade virtude silenciosa e invisível na sua parte mais profunda e verdadeira, não pode então contar com os típicos prémios e aplausos que sustentam e reforçam muitas virtudes "públicas". A recompensa pelos custos enfrentados para ser e permanecer leal é totalmente intrínseca; por isso, quem não tiver vida interior de onde brota a única recompensa não poderá tornar-se ou continuar a ser leal. Para que o mundo e as instituições de amanhã sejam mais leais, é necessário suscitar uma nova corrente de vida interior e de espiritualidade. Sem lealdade ninguém pode manter-se fiel: a pactos e promessas primários da vida, antes de mais; mas tampouco a contratos, logo a seguir.
Por fim, como a lealdade, por sua natureza, é dificilmente observável, então no mundo em geral e nas pessoas que nos querem bem existe muito mais lealdade de quanta somos capazes de ver. Se pudéssemos olhar mais em profundidade, os nossos amigos, esposas, maridos haveríamos de descobrir como por detrás do seu amor fiel e dos seus olhos bons se escondem, invisíveis e silenciosos, muitos atos de lealdade que deram fundamento sólido a estes relacionamentos fortes.
Esta lealdade-fidelidade decisiva oferecemo-la reciprocamente nos últimos instantes da vida, como a herança mais preciosa que deixamos; outras formas, talvez ainda mais belas e certamente mais dolorosas, não podem ou não conseguem ser contadas e morrem connosco; mas todas dão muito fruto e tornam mais belo e digno o mundo em que vivemos.
Luigino Bruni
In Avvenire, 29.6.2014
Trad.: P. António Bacelar, José Alberto BF
Publicado em 08.10.2014 em SNP Cultura
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