O acórdão integral pode ser lido
aqui. II) Segundo
esse comunicado a gravidez indesejada é qualificada como uma
"lesão" e que, perante essa "lesão" mais vale que a grávida ganhe uma solução (o aborto) que lhe vai permitir uma
"preservação da potencialidade de vida"III) O ponto 11.4.3. (2º e 3º parágrafos) do
próprio acórdão chega ao ponto de dizer que o respeito que o Estado deve ter relativamente à vida pré-natal deve-se também traduzir no evitar que se verifiquem gravidezes indesejáveis.
Como é que diabo se pode afirmar que a vida pré-natal é melhor protegida se se evitar gravidezes indesejadas !!!!!!!!??????????
N.B:- Este argumento é, aliás, repetido várias vezes ao longo do acórdão e no início do ponto 11.4.16 chega-se mesmo ao extremo de afirmar que só a adesão da grávida é que garante a tutela da vida intra-uterina.
IV) Depois entramos num campo da pura esquizofrenia jurídica:
No penúltimo parágrafo do ponto 11.4.2. defende-se que "a potencialidade de aquisição de um determinado estatuto não confere a titularidade dos direitos associados a esse estatuto" para justificar que o embrião não tem direito à vida.
Mas, depois, mais à frente, acaba por reconhecer que o nascituro tem direito à tutela jurídica em virtude da "potencialidade de, pelo nascimento aceder a uma existência autonomamente vivente".
Para depois concluir que, como a Constituição, não especifica qual o modo de protecção da vida (artigo 24º da Constituição) logo, entre o extremismo de matar um ser humano em gestação e o extremismo de incriminar uma mulher que o matou, deve prevalecer o primeiro.
A justificação que o TC dá para esta aparente contradição de argumentos reside no facto de, no seu entender, a tutela do nascituro, apesar de ser um critério necessário, não é um critério suficiente, para a sua efectivação (Cfr. 11.4.6. 1º parágrafo).
Ou seja, ser nascituro equivale necessariamente à atribuição de uma tutela jurídica que, porém, não é suficiente para a sua efectivação.
Perceberam ?
V) Nova pérola no final do antepenúltimo parágrafo do ponto 11.4.9.:
- a melhor forma de proteger o embrião é deixar que seja a sua mãe a decidir.
Ou seja o direito do embrião passa a ser um direito relativo e não absoluto.
Só é protegido se aquela determinada mãe relativamente àquele determinado embrião achar que ele deve ser protegido.
Quando a mãe decide que não quer manter a vida do nascituro, então, estaremos realisticamente (pasme-se, nas palavras do próprio TC), perante simples "casos perdidos" (Cfr. Parte final do último parágrafo do ponto 11.4.10).
VI) No final do ponto 11.4.15, um rasgo de lucidez ao afirmar-se a necessidade de planeamento familiar "se considerarmos que, em certas faixas populacionais, a interrupção voluntária da gravidez continua a ser usada como método contraceptivo (segundo dados da Direcção-Geral de Saúde, das 17.511 interrupções voluntárias da gravidez registadas em 2008, em 2.659 casos as mulheres declararam já tê-lo feito por mais de quatro vezes)".
VII) No ponto 11.4.17, o acórdão do TC diz que não vê qualquer inconveniente por a lei da ivg não definir explicitamente a sua finalidade dissuassora (solução adoptada na RFA).
Diz o TC, no final do 3º parágrafo deste ponto 11.4.17, que se o dissesse explicitamente isso seria negativo porque poderia levar a uma "retracção defensiva da grávida".
Ou seja, podia-se correr o risco da grávida ficar inibida e acabasse por não abortar.
E, isso, para o relator do acórdão, parece que é mau.
VIII) No ponto 11.4.18, afirmando que 5% de desistências de IVG é razoável e aceitável pois, afirma "será sempre reduzida a eficácia preventiva de qualquer das formas de reacção jurídica à interrupção voluntária da gravidez, no quadro da específica disciplina legal desse acto".
Ou seja, não há nada a fazer, só há é que nos conformarmos com a realidade de que as mulheres sempre fizeram, fazem e continuarão a fazer abortos e nós nada podemos fazer contra isso.
Para este acórdão do TC, a função preventiva da lei penal não conta nada, os apoios e melhoramento da adopção são esquecidos, o apoio à grávida-estudante é esquecido, etc.etc.
A realidade é esta. Temos que nos conformar.
E por que não dizer o mesmo da corrupção ou da fuga ao fisco ?
Não são ambas uma realidade que a lei penal não consegue evitar de forma eficaz. Não se deveria então permitir a ocorrência de fenómenos de corrupção ou fuga ao fisco ?
IX) No ponto 11.8.5 outra pérola:
Não é inconstitucional que o pai do nascituro não se possa opor ao aborto porque a "realidade biológica da gestação humana" diz que, pela "natureza das coisas" (Cfr. Penúltimo parágrafo do ponto 11.8.5) é a mulher (e não o pai) que traz o nascituro no seu ventre.
A sério ? E a mulher concebeu o nascituro com o dedo ? Sozinha ?
Ficámos, então, a saber que o TC tem uma visão monogâmica da gravidez. A mulher é a única progenitora do filho.
O pai é um mero depósito de esperma que, depois de dar o seu mísero contributo, não serve para mais nada.
Os meus parabéns aos votos de vencidos, acompanhados das respectivas declarações de voto de Carlos Pamplona de Oliveira, José Soeiro e, em particular, das declarações de voto vencidas de Benjamim Rodrigues, Maria Lúcia Amaral e do próprio presidente do TC, Rui Manuel Moura Ramos de grande categoria e que em outro post, mais tarde, reproduziremos.