domingo, 30 de novembro de 2008

Biberons e SEVICI


De uma recente visita a Sevilha registei 2 pontos muito positivos:


- O excelente trabalho da associação próvida andaluza que, entre outras, fez divulgar junto de várias farmácias da cidade pequenos cartazes a solicitar a comprar de biberons para bébés filhos de mães com dificuldades económicas.


- A excelente iniciativa do ayuntamiento de Sevilha, denominada SEVICI. Com este serviço junto das estações de comboios e autocarros a edilidade colocou à disposição de quem quiser bicicletas que permitem fugir ao uso dos automóveis. Poupa-se dinheiro e o ambiente agradece.
A iniciativa municipal tem sido um sucesso e é ver pela cidade dezenas de bicicletas em uso, inclusive com crianças de colo na traseira.

Aborto em Espanha: 25 anos depois


Vinte e três anos depois da aprovação da lei do aborto em Espanha, o número de abortos tem aumentado virtiginosamente, convertendo-se, actualmente, na principal causa de morte e na principal violência contra a mulher.

O Instituto de Política Familiar (I.P.F.), perante o anúncio do Governo espanhol sobre a aprovação de uma nova lei do aborto, elaborou o documento «O Aborto em Espanha: 23 anos depois (1985-2008)» que aborda, de uma forma séria e rigorosa, qual tem sido a evolução desta problemática, a sua situação actual, as suas características e a sua comparação com os países da União Europeia.

sábado, 29 de novembro de 2008

Banco Alimentar - Nova campanha começa neste sábado para ajudar mais de 245 mil carenciados


O Banco Alimentar Contra a Fome (BA) inicia hoje mais uma campanha de recolha de alimentos destinada a ajudar cerca de 245 mil pessoas carenciadas, sobretudo idosos e famílias de classe média que a crise transformou em «novos pobres»


Ver mais aqui.

Concepção positivista, ameaça aos direitos humanos

Os direitos humanos estão ameaçados por uma nova corrente ideológica que se instalou e ganha espaço na ONU
Ver mais aqui.

Estudo identifica os cinco segmentos mais vulneráveis da população sénior portuguesa

Os mais idosos, os mais pobres, os que vivem sozinhos, as mulheres e os que residem nas cidades são os segmentos da população sénior portuguesa mais vulneráveis, segundo um estudo a que a Lusa teve acesso.

O estudo, financiado pela Fundação Aga Khan e realizado pelo Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano e pela Boston Consulting Group, tem como objectivo central promover o conhecimento das tendências e necessidades da população portuguesa com 55 ou mais anos de idade.


À semelhança do registo demográfico a nível mundial, também a população portuguesa tem evidenciado um assinalável envelhecimento. No decurso das últimas quatro décadas, a proporção de população idosa cresceu de oito por cento, em 1960, para 16,4 por cento, em 2000.


Este fenómeno do envelhecimento da população portuguesa é uma tendência que se irá manter durante as próximas décadas, estimando-se que em 2050 represente já quase 1/3 do efectivo da população nacional.


De acordo com o trabalho - que inclui um inquérito a 1324 pessoas com 55 ou mais anos -, a população sénior mais idosa (com 85 ou mais anos) constitui um segmento particularmente vulnerável, uma vez que se encontra associado a piores condições habitacionais, condições económicas e com dinâmicas familiares mais frágeis, quando comparado com os demais grupos etários.


Por outro lado, o estudo revela também que são os mais idosos que necessitam de mais ajudas e apoios, que com um estado de saúde mais frágil, uma ocupação menos dinâmica dos tempos livres, sendo também os que mais recorrem à utilização dos equipamentos sociais e de saúde.


"Com o avançar da idade, os estados de saúde vão ficando mais fragilizados e os indivíduos vão perdendo a sua autonomia, ficando cada vez mais dependentes e vulneráveis, incapazes de fazer face a um conjunto de situações do seu quotidiano", explica o estudo.


O outro segmento vulnerável é o dos mais pobres, com uma receita média mensal igual ou inferior a 300 euros, vivendo abaixo do limiar da pobreza, deparando-se com necessidades associadas aos seus baixos rendimentos.


Este é o grupo que vive em piores condições habitacionais, o que regista relações familiares menos estruturadas, mais vulnerável à dependência de apoios e ajudas e com pior saúde, embora seja o que usa mais os equipamentos de saúde.


É neste grupo que se registam os piores cenários de ocupação dos tempos livres e é ainda o mais dependente da utilização dos equipamentos sociais.


O terceiro grupo é o dos que vivem sozinhos por se encontrarem mais isolados. Apresentam piores condições habitacionais, económicas, relações familiares mais frágeis, maior dependência de apoios, piores estados de saúde e maior dependência dos equipamentos colectivos de saúde e de natureza social.


Com base no género, o estudo revela profundas disparidades entre a população sénior em Portugal, em particular ao nível económico, estando as mulheres mais fragilizadas.


O último grupo identificado pelo estudo como mais frágil é o dos que residem em contexto urbano: vivem em piores condições económicas e são os que apresentam dinâmicas familiares mais frágeis com menos contactos com os seus descendentes directos.


Notícia daqui.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Diferença entre eutanásia e limitação do esforço terapêutico

Para ler aqui.

Crianças, Famílias e Riscos

Aqui

Os valores, o materialismo ou Alice no país das maravilhas


Há uns anos atrás, presenciei uma discussão entre o saudoso Prof. Manuel José Lopes da Silva e o Dr. Sebastião Lima Rego.
O 1º um convicto católico e humanista e o 2º um esquerdista entusiasmado, laico e muito republicano.
A dada altura quando o Prof. Lopes da Silva falou em valores, o Dr. Lima Rego reagiu de forma algo violenta, respondendo "sr. prof. os valores não se comem".


Fiquei a pensar nessa frase e percebi verdadeiramente a diferença entre os materialistas de índole marxista e os humanistas de índole cristã.


Existe e existirá sempre uma tensão entre o materialismo do dia a dia, as preocupações com os afazeres diários; o pagamento das despesas fixas mensais, da prestação da casa, do carro, das mensalidades dos filhos; as tentações do dinheiro fácil, da especulação imobiliária ou financeira, das fraudes, etc.etc. e a ética dos valores.


Também ontem alguém me comentava que uma determinada pessoa que se dizia muito ética e honesta e sempre pronta para criticar os outros, agora que ocupava um lugar de liderança, teria arranjado à filha um belo "tacho".


Lembrei-me da "Queda de um Anjo", do Camilo Castelo Branco e perguntei-me a mim próprio se fosse comigo, como é que eu actuaria e reagiria.


Tudo isto para rematar com o seguinte:
Chesterton, no seu livro Ortodoxia, recentemente reeditado pela Aletheia , dizia que era muito importante fomentar nas crianças o gosto pelo imaginário; a importância de lhes falar de "Alice no país das maravilhas", dos "duendes", etc.


A ética é algo que não se vê, os valores não se podem comer, nem nos pagam as despesas da crise ou do viver do dia a dia.


Por isso, há que acreditar em algo que não se vê e isso só é possível se a nossa capacidade de imaginação, de sonho, de delírio (porque não ?) for maior do que a nossa submissão ao realismo materialista do dia a dia.
P.S.- Entre os vários filmes que abordam a questão da imaginação como forma de ética, aqui deixo o trailer de um deles, "Uma ponte para Terabithia"

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

OE2009: PS agrava penalização fiscal da maioria dos pais casados ou viúvos

Finalmente, a APFN, através da comunicação social, tomou conhecimento da inconcebível proposta do Grupo Parlamentar do PS para, de acordo com o que afirmou, "acabar com a discriminação fiscal dos pais casados ou viúvos relativamente aos pais com outros estados civis, indo ao encontro do reclamado por várias associações de família, entre as quais a APFN e recomendado pelo Provedor de Justiça".


Esta proposta consiste em, simplesmente, substituir a dedução ao rendimento da pensão de alimentos paga pela dedução à colecta de 20% desse valor! Ora, esta solução faz com que a esmagadora maioria dos contribuintes que pagam pensão de alimentos, cujo IRS é inferior a 20% do seu rendimento bruto, fiquem a pagar ainda menos IRS.


Apenas os contribuintes que pagam pensão de alimentos e cujo IRS é superior a 20% do seu rendimento bruto têm um ligeiro agravamento do IRS. Em qualquer das situações, os casais divorciados ou separados com filhos (qualquer que seja o seu número) continuam a ser fortemente beneficiados relativamente aos casais casados ou viúvos.


A APFN manifesta a sua enorme surpresa por uma "solução" destas ser anunciada para acabar ou mesmo diminuir a discriminação entre pais casados ou viúvos relativamente aos pais noutro estado civil! Isto consiste, em "politiquês", numa clamorosa "inverdade", que, em português corrente, significa uma gigantesca aldrabice!


O que é que o Grupo Parlamentar do PS pretende com uma proposta destas?


Uma coisa é certa: não é com comportamentos destes que se dignifica ou contribui para dignificar a Política em geral e o Parlamento em particular!


A APFN apela aos Deputados para que reprovem esta proposta completamente descabida e sem qualquer sentido, que não vai minimamente ao encontro do apregoado.


A APFN aguarda o final da discussão do OE 2009 e sua aprovação para adoptar as medidas julgadas adequadas no sentido de se acabar de vez com esta inconcebível discriminação fiscal em função do estado civil, e que só poderá ser atingida com os pais casados ou viúvos poderem deduzir exactamente o mesmo valor que se estivessem no estado civil de separado ou divorciado.


A manter-se esta situação, é naturalíssimo que bastantes mais pais casados se separem "no papel", numa legítima medida de "planeamento fiscal", a fim de, pagando muito menos IRS, resistirem com menor dificuldade à crescente crise económica (e não só) em que o País vai mergulhando.


Terão, ainda, direito ao benefício de 20% no abono de família devido aos pais "monoparentais" que o Governo instituiu neste ano.


Para esse fim, terão apenas que ter o cuidado de darem moradas fiscais diferentes um do outro, da mesma maneira que várias empresas têm a sua sede social nos locais que lhes permitam pagar menos imposto.


A APFN aproveita por lamentar que alguma comunicação social tenha divulgado esta medida sem qualquer espírito crítico, tornando-se, assim, mero instrumento da propaganda política dos autores desta proposta. Apela a que, de futuro, seja sempre adoptada o que é prática corrente na comunicação social e foi seguido por outros órgãos, que pediram a opinião de outras entidades.


Fonte: Comunicado - APFN

Adopção, aborto e petição

É importante e indispensável dar todo o apoio à promoção da adopção.
A promoção da adopção é uma forma de resolver um problema de filhos sem pais e de pais sem filhos, mas pode ser também uma forma de evitar a prática de abortos (Veja-se, a este propósito, Juno).
While at first she intends to have an abortion, she changes her mind and decides to make a plan for the child's adoption.

Falhas nos preservativos VI


A questão é ainda mais premente se levarmos em consideração que o Brasil é dos países do mundo onde mais se faz campanha e distribuição de preservativos.

Ainda assim, o resultado é este !

Educação e liberdade


Apesar de habitualmente não concordar com os posts provenientes destas bandas, devo dizer, porém, que não posso deixar de concordar com este post sobre educação e liberdade.


Sou um grande defensor da liberdade na educação dos filhos.


A aprendizagem mais eficaz é a que é feita em liberdade, aceitando o risco da experiência e da decisão autónoma dos filhos.


Uma achega, porém: A liberdade na educação dos filhos deve ser antecedida pela transmissão de princípios gerais de comportamento por parte dos educadores e deve ser prosseguida pelo reconhecimento da importância da responsabilidade pelos actos praticados.


Em resumo: Educação antes, liberdade durante e responsabilidade, depois !
P.S.- Para quem não sabe, a imagem diz respeito às tentações de Jesus Cristo. Quem quiser e puder, meia palavra basta...

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

De facto, a Família é importante!


Presidente da República destaca importância da Família.


Para ver aqui.

Violência doméstica e aborto

1) Esta notícia que nos dá conta de 43 mulheres vítimas de violência doméstica, em Portugal, só em 2008 é bem elucidativa da boçalidade e da falta de cultura cívica elementar que ainda há por aí.

2) Embora nos meios rurais e de baixa cultura e classe baixa seja uma fenómeno mais frequente, a violência doméstica existe em todas as classes sociais, incluíndo nas mais altas.

3) Está subjacente um comportamento cultural e civilizacional grave, demonstrativo da falta de personalidade e educação básica por parte de muitos homens.
Uma ideia de machismo cretino, próprio de sociedades subdesenvolvidas.

4) No outro dia, soube de um juíz que, a seguir às refeições, tomava a iniciativa de lavar os pratos e, ao deitar, preparava o farnel dos filhos. Para muitos, isto é sinal de "homem-banana", "homem que não se saber impôr", etc.etc.

5) Há toda uma campanha por fazer junto da opinião pública e junto das escolas no sentido de promover uma nova mentalidade relativamente ao papel da mulher, salvaguardando as suas especificidades próprias.

6) Quem muitas vezes promove violência doméstica é também quem, muitas vezes, força a mulher à prática do aborto.

Infelizmente, violência doméstica e aborto andam, muitas vezes, de mão dada.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Contribua na recolha de alimentos


Antes do massacre, a tentativa de salvação

Antes do massacre de nascituros que terá lugar com a nova administração de Obama, Bush tenta ainda salvar o que pode

Aqui, via fiat lux

Possível punição de deputados do PT por serem contra a IVG


Os deputados petistas Henrique Afonso (AC) e Luiz Bassuma (BA) apresentaram semana passada suas defesas à Comissão de Ética do partido no processo a que respondem por serem contra a legalização da interrupção da gravidez indesejada. Segundo a Secretaria de Mulheres da legenda, eles descumprem abertamente uma resolução partidária de 2007 que aprova o direito ao aborto. Se forem condenados, Bassuma e Henrique Afonso podem ser advertidos, suspensos ou até expulsos do PT.


Controlo parental e os Magalhães

Via ACMedia, aqui

Crise da família, início da crise social - Segundo o filósofo e político Rocco Buttiglione

O começo da crise da família é o princípio de uma crise social mais extensa, afirmou o filósofo e político italiano Rocco Buttiglione nas páginas do último número de revista Humanitas (http://www.humanitas.cl/).

Seu texto corresponde à conferência que pronunciou no claustro da Universidade Católica, em Santiago, para a inauguração do «Centro UC para a Família».


«Os jovens sempre criticaram a autoridade e chocaram com seus pais. Mas aconteceu raras vezes na história que os padres fugiram do seu dever e renunciaram por covardia à sua missão. Mitscherlich e Van der Does de Villebois foram os primeiros em chamar a atenção sobre o risco de uma sociedade sem pai, na qual os jovens homens não interiorizam os valores fundamentais da virilidade, não aprendem a beleza de cuidar de uma mulher e dos filhos gerados com ela», diz o acadêmico, que é membro do Conselho de Consultores e Colaboradores da Revista Humanitas.


Em seu texto, o autor começa por explicar que o amor é um ato de vontade, que contém a decisão de resistir diante das provas da vida e do amor. «Poderíamos dizer que o amor é um enamoramento aprovado e sancionado pela razão. O amor não é (só) um estado emocional, mas é a decisão de pôr sua própria vida ao serviço do cumprimento da vocação da pessoa amada na verdade e no bem», assinala.


Na relação do homem com a mulher, explica, o amor faz que a pessoa já não possa definir a si mesma, mas só através da pessoa amada: «somos uma pessoa na outra e uma para a outra». Desta maneira, afirma que, ainda que o amor contenha muitas penas e problemas, nada torna a vida mais plena como amar e ser amado.


«O amor gera uma nova vida. Ainda que esta eventualidade em geral esteja presente só vagamente na consciência dos esposos, o fato de que dos atos sexuais nasçam crianças não é só extraordinariamente importante para a sociedade, mas contribui de maneira decisiva para dar forma ao amor do homem e da mulher», explica.


Daí, adverte, a diferença entre o enamoramento e o amor. Enquanto o primeiro é somente um estado emocional, o segundo responde a um ato de vontade. «O amor conjugal assume conscientemente o desejo sexual e suas conseqüências na geração dos filhos, e oferece seu apoio para que se cumpra o destino, próprio e do outro, de converter-se em pai e mãe, de serem pais», diz.


É por isso que, assinala Buttiglione, um «simples» estado emocional como o enamoramento não é suficiente para gerar um filho, como é, ao contrário, um amor conjugal estável e fiel, já que neste último prometemos nosso amor, atenção e felicidade, «na saúde e na doença».


«É claro que quando nos prometemos mutuamente amor e felicidade para toda a vida, fazemos algo extremamente árduo. Quem pode pensar que tem em si a força moral suficiente para estar seguro de que manterá este compromisso diante das imprevisíveis vicissitudes que a vida nos apresenta?», adverte o acadêmico, e responde que «é por isso que os crentes confiam a Deus a esperança de uma promessa cujo cumprimento pode assegurar-se só com a sua ajuda».


Com relação aos filhos, o político italiano explica que a criação e educação de uma criança «é uma tarefa árdua», pelo que sempre será melhor a presença do homem consciente também de sua responsabilidade.


«Nos primeiros meses de vida, a criança reconhece sua mãe: acostumou-se por nove meses ao batimento de seu coração. Ao contrário, o recém-nascido não reconhecerá seu pai: é através da mediação da mãe que o pai é reconhecido como tal pela criança», manifesta. A mãe, geralmente, é a encarregada de dar «segurança» à criança, enquanto o pai será quem, habitualmente, lhe ensinará o sentido do «dever».


«Portanto, o papel masculino e o feminino se diferenciam por razões naturais e funcionais», assinala. Ainda que a distinção não seja rígida e vá mudando com o tempo e o espaço, a diferença é necessária para «sustentar o processo da educação. Além disso, a diferenciação tem uma base natural na estrutura biológica do homem e da mulher», manifesta.


Buttiglione se pergunta acerca de se é possível uma civilização que rejeite o dom da feminilidade, que fuja da tarefa de preparar as mulheres para serem mães. «Quando ocorre, a sociedade se consome e morre», responde. E agrega: «Em geral, isso marcou mais o destino e decadência de grupos dirigentes reduzidos como na crise final do Império Romano. Mas em nossa época, o fenômeno adquire uma dimensão de massas e ameaça a própria sobrevivência de nossa cultura», adverte.


Na cultura feminista, exemplifica, a concepção, que é a essência da feminilidade, é vista como negativa; assim também o papel do pai, que também foi questionado mediante a «demonização» da autoridade.


A crise da família afeta, em conseqüência, toda a sociedade, devido a que «o ideal de fraternidade humana, de todos os homens, seria inconcebível se não existisse a própria experiência da família». Buttiglione expõe em seu texto que a família é o princípio de unidade dos seres humanos, onde a unidade não nasce da opressão, mas da entrega mútua de reconhecimento, liberdade e amor.
Daqui.

domingo, 23 de novembro de 2008

A eutanásia e a minha experiência


Quando o sofrimento é grande, particularmente na ausência de cuidados, o que o doente pede é ajuda


1. Não consigo imaginar que no serviço de cuidados paliativos em que trabalho pudesse ocorrer, intencionalmente, a morte provocado pelos médicos. E o que é um facto é que, ao longo destes 16 anos em que trabalho numa equipa que já ajudou bastante mais de um milhar de pessoas na fase última das suas vidas, nunca senti de forma clara que alguém desejasse também a provocação da sua morte. Recordo-me apenas de uma mulher, gravemente mutilada por um cancro incurável na área genital, que pediu o termo da vida de uma forma persistente e que não soubemos ajudar. Fora isto, não tenho memória de ninguém pedir persistentemente o seu fim provocado. Pelo contrário.


Um outro caso pungente de um homem jovem que pediu a eutanásia antes de se iniciarem os tratamentos paliativos exemplifica o facto de o alívio do sofrimento poder anular radicalmente essa vontade. Foi um caso admirável, pois os dois meses de vida ainda possíveis, embora penosos mas suportáveis, foram expressamente valorizados, três ou quatro dias antes do falecimento, pelo próprio.


Quando o sofrimento é grande, particularmente na ausência de cuidados, o que o doente pede é ajuda, porque existe a consciência muito viva de que a medicina pode ter um efeito benéfico sobre as causas desse sofrimento, aliviando-o. O mais comum, direi mesmo, o que se verifica invariavelmente no nosso serviço é os doentes manifestarem as suas queixas para que o médico lhes receite um remédio que as combata. Depois, verifica-se, também invariavelmente, que os doentes têm a consciência da necessidade de terem cuidados próprios e de estes serem prestados por quem saiba e possa, que não é de maneira obrigatória a família, tolerando quase sempre bem não permanecerem no domicílio, se assim tiver que ser. Quando a dor alivia e o doente sente segurança e carinho, o que é comum é verificarmos que continua a dar valor à sua vida. Mesmo com uma doença grave, os doentes preferiram, na nossa experiência, a vida limitada a interrompê-la bruscamente. Este é o retrato mais fiel que tiro do meu trabalho. Claro que, se a consciência do doente se altera, foge-nos o entendimento dos seus desejos, seguros que estamos, no entanto, de que ninguém, por sua iniciativa, pode tirar a vida a outrem.


A ideia de no serviço estarmos perante a morte natural, própria das doenças incuráveis avançadas, é a que existe e isso ajuda a equipa a conviver com uma realidade deste tipo. Penso que se a eutanásia fizesse parte da actividade da equipa de cuidados paliativos (e só me refiro, claro está, à verdadeira eutanásia, a voluntária) os profissionais dificilmente suportariam trabalhar tal como o fazem, empenhados, sem mostrarem um desgaste paralisante.


2. Também considero que se no meu serviço de cuidados paliativos pudesse acontecer a morte provocada intencionalmente, a confiança dos doentes e das suas famílias nos nossos cuidados estaria seriamente abalada.


A consciência de que a vida humana não está directamente nas mãos dos homens é um dado civilizacional muito consistente. Pertence à matriz mais profunda do nosso pensamento e é o que transparece na quase totalidade das pessoas. Quem chega vem confiante que vai viver melhor, apesar da doença incurável. Cuidados e afecto são no entanto condições indispensáveis.


3. Referendar uma legislação sobre a eutanásia parece-me uma iniciativa sem sentido. Teoricamente, uma pessoa pode construir um cenário em que o final da sua vida inclua sofrimento desmesurado, que a morte provocada diminuiria. Mas, reafirmo, nas pessoas gravemente doentes, o sentimento que vemos quase invariavelmente é o da vida como um valor em si e um bem cujo termo não está ao alcance normal dos homens.


Também eu evoluí na compreensão deste problema. Antes de trabalhar em cuidados paliativos, considerava que a eutanásia poderia talvez ser um direito das pessoas, exigido pelo exercício da sua autonomia, sem se obrigar o médico. Hoje, 16 anos depois, marcado por esta experiência, tenho sérias dúvidas que a eutanásia possa vir a ser alguma vez considerada um direito. Penso mesmo que, a existir a sua possibilidade legal, constituiria antes um aviltamento para a medicina. Onde talvez todos estejamos de acordo é que não tem sentido nenhum serem recusados os cuidados paliativos de qualidade aos doentes deles necessitados, isto sim um direito que devia ser respeitado. Director do Serviço de Medicina Paliativa do Hospital do Fundão - Centro Hospitalar Cova da Beira

António Lourenço Marques, Público - 20.11.2008

A vida e a morte

1 - Introdução

Os temas da vida e da morte neste texto referem-se a um enquadramento ético e portanto aos planos dos valores e do agir humano. A consideração do homem como um ser com uma vida semelhante à de todos os seres vivos permite uma compreensão de múltiplos aspectos da sua natureza. Todas as formas de vida têm estruturas básicas comuns. A célula constitui o suporte material da vida. Os seres vivos unicelulares partilham muitas das funções existentes nos organismos muito mais complexos nomeadamente os que ocupam os lugares superiores da escala zoológica. A organização do corpo dos mamíferos, o seu ciclo vital e os comportamentos institivos de muitas espécies superiores reúnem muitas características que se podem reconhecer no homem. O salto da espécie humana relativamente às outras espécies dos mamíferos superiores está ligado às possibilidades de racionalidade e de abstracção. Estas faculdades permitiram-lhe a criação de uma cultura simbólica, uma representação do meio ambiente e uma consciência de si. Permitiram-lhe também interpretar alguns dos seus próprios comportamentos e reconhecer os limites extremos do seu ciclo vital, isto é, o nascimento e a morte. Permitiram-lhe ainda ter consciência de não apenas ser mas de ser-se, isto é, de situar-se em si, de ter consciência do passado e de estar na condição de prever um futuro possível e orientável.

2 - A desordem da vida. A hominização.

No estado actual do conhecimento aceita-se que a primeira organização da matéria no sentido da vida começou logo que as condições de temperatura e de radiação o permitiram após a formação da Terra. Admite-se que o nosso planeta na forma actual tenha cerca de 4,6 mil milhões de anos. Os sistemas vivos formaram-se a partir de estruturas inorgânicas, aceitando-se que a formação dos primeiros biopolímeros (proteínas e ácidos nucleicos) tenha ocorrido durante um período de cerca de mil milhões de anos. O aparecimento dos primeiros microrganismos vivos teria ocorrido há aproximadamente 3,5 mil milhões de anos.



Pode definir-se um conjunto de critérios de vida, tomando o ser vivo como um sistema aberto no meio envolvente com o qual estabelece equilíbrios de fluxos activos que permitem uma certa estabilidade, permanência, actividade autónoma e possibilidade de replicação. São características dos seres vivos: a) a existência de uma actividade metabólica orientada com permuta de matéria, energia e informação com o ambiente do qual se diferenciam e do qual dependem; b) a possibilidade de alteração da sua forma ligada à existência das trocas de matéria, de adaptação às condições ambientais e de replicação; c) a capacidade de resposta a estímulos exteriores no sentido de manter o equilíbrio do seu meio interno através de mecanismos de “feedback”; d) a capacidade de actividade autónoma; e) a automultiplicação com o objectivo da criação de sistemas vivos semelhantes a si próprio, sem a qual a informação genética se perderia. A automultiplicação é sujeita a mutações sem as quais o mecanismo inicial da vida não teria sido possível e a informação genética não sofreria alterações que permitiram a diferenciação das espécies e a manutenção da vida.

Em 1944 Erwing Schrödinger, um físico austríaco considerado como um dos fundadores da mecânica quântica, tentou um esforço de ligação entre a biologia e as leis fundamentais da termodinâmica. Considerou os seres vivos como estruturas altamente organizadas constituídas segundo uma ordem física diferente do universo sem vida. As substâncias que os compõem são retiradas do ambiente e organizadas segundo uma arquitectura funcional de acordo com instruções contidas no próprio organismo vivo. A energia utilizada nesta actividade de organização da matéria também é retirada do ambiente. Este conjunto de processos constitui aquilo a que os biólogos designam por metabolismo que tem duas fases: metabolismo biossintético, anabolismo ou assimilação e o metabolismo bioenergético, catabolismo ou dissimilação.



O elemento mais comum nos seres vivos, se se excluírem o oxigénio e o hidrogénio que compõem a água, é o carbono (cerca de 50 % da biomassa seca). Este carbono provém fundamentalmente do dióxido de carbono nos seres vivos autotróficos (que sintetizam a sua matéria directamente a partir de matéria mineral); ou dos compostos orgânicos já sintetizados pelos organismos autotróficos de cuja vida dependem os seres vivos heterotróficos. Outro elemento fundamental na organização dos seres vivos é o azoto, a substância mais abundante no ar, o qual constitui um elemento fundamental das proteínas. O azoto é retirado da atmosfera por bactérias sendo fixado por estas em compostos orgânicos que irão ser utilizados por outros seres vivos.



A informação contida na constituição de algumas moléculas muito complexas próprias dos seres vivos – o DNA – ordena a organização própria da vida. Esta organização é de uma ordem diferente da que domina no mundo mineral e inorgânico (desordem). O tema da ordem a partir da desordem está conotado com a origem da vida. A composição química e a estrutura do DNA são a garantia da preservação da ordem nos organismos vivos diferenciando-a da outra ordem (desordem) dominante no ambiente. Em termos termodinâmicos puros esta “nova” ordem da vida seria altamente improvável de acordo com a segunda lei da termodinâmica. Esta postula que o universo caminha da ordem para a desordem. Portanto, a organização própria da vida constitui uma ordem de outra natureza dentro da tendência para a desordem própria da matéria.

Designa-se por hominização o processo dinâmico ainda incompletamente conhecido que, por aperfeiçoamentos sucessivos, conduziu ao aparecimento do Homem a partir dos Primatas. A hominização completa implica uma evolução biológica e uma evolução cultural. A primeira teve como resultado um conjunto de capacidades que se traduziram na posição ortostática, nas possibilidades dos movimentos das mãos, na existência de um aparelho fonador e sobretudo no desenvolvimento do sistema nervoso central. A evolução cultural permitiu-lhe a abstracção e a criação de uma linguagem simbólica. A acção conjunta da evolução biológica e da evolução cultural tornou possíveis a reflexão, o autodomínio, a intervenção no meio ambiente, uma linguagem estruturada e uma organização social. As primeiras manifestações consideradas típicas do homem foram os utensílios. Todavia, estes só podem tomar-se como manifestações indubitavelmente humanas quando neles existe um inequívoco aperfeiçoamento funcional e artístico. A manifestação humana mais característica é a arte sob qualquer das suas formas, sobretudo quando essa arte é simbólica, visto que implica a capacidade de abstracção e uma forma complexa de linguagem. A sepultura intencional dos mortos com os seus utensílios revela com a maior clareza manifestações espirituais e religiosas. Por estas razões apenas podemos considerar como pertencentes inequivocamente à espécie humana o Homo sapiens sapiens – o homem na sua forma actual - e o Homo sapiens neanderthalensis. Este último, o homem de Neanderthal, aceita-se como tendo tido o seu apogeu na última época glaciar (há cerca de 75.000 anos) tendo-se extinguido sem continuação na evolução posterior. Tinha uma constituição muito robusta, uma altura média de cerca de 160 cm, as pernas curtas, a nuca saliente e a zona frontal do crânio muito procidente. Fabricava utensílios de sílex e enterrava os mortos com arranjos florais.



O Homo sapiens sapiens apareceu talvez na Ásia Menor ou no nordeste da África há cerca de 40.000 anos e difundiu-se por todo o mundo, com apuramento das suas capacidades físicas e intelectuais até atingir as formas actuais. Pode afirmar-se que a evolução do Homem resultou de mecanismos de interacção entre a esfera biológica e a esfera cultural, permitindo “a espécie terrestre de maior sucesso”. Um sucesso que desde a industrialização avançada ameaça todas as outras espécies vivas e os recursos do seu próprio meio envolvente. De qualquer modo, com os conhecimentos actualmente disponíveis, admite-se que apenas a partir da emergência da espécie Homo sapiens (nas suas duas subespécies Homo sapiens sapiens e Homo sapiens neanderthalensis) se encontraram manifestações da vida de alguém com preocupações de ordem superior exclusivas do Homem. Se se admitir, como a maior parte dos especialistas, que só o Homo sapiens pode ser considerado biologicamente como Homem, teremos que aceitar que o Homem é muito recente sobre a Terra (cerca de 100.000 anos). O Homem conseguiu, portanto, evoluir muito rapidamente, criando uma cultura que o defendeu da acção desagregadora contínua do meio ambiente e o fez evoluir no sentido da criação de civilizações. O Homem de Neanderthal desapareceu por modificações súbitas ocorridas no ambiente ou por não ter conseguido uma cultura suficientemente evoluída para poder resistir.

3 - A vida humana nascente

Todas considerações sobre o início da vida humana, qualquer que seja a via da abordagem, teológica, antropológica, filosófica ou jurídica, não podem eximir-se a uma reflexão biológica. Existem muitas razões para um debate generalizado sobre o início da vida. O tema da vida humana nascente adquiriu um novo relevo após os debates sobre a utilização das células primordiais na investigação básica ou com objectivos terapêuticos. As questões ligadas à legalização do aborto, transversalmente presentes nas sociedades contemporâneas, estando embora mais relacionadas com estádios posteriores do desenvolvimento embrionário, referem-se ainda às etapas iniciais da vida humana e às condições do seu acolhimento.

Há uma questão prévia que vale a pena explicitar: é necessário que a interpretação dos dados recolhidos pelas ciências experimentais se mantenha fiel a uma lógica científica e as conclusões não a ultrapassem no sentido de se atribuir um significado de valor aos elementos demonstráveis da observação; é necessário, ainda, que os intervenientes das ciências humanas tenham uma clara compreensão dos dados da ciência e os respeitem no sentido de fundamentar solidamente as suas afirmações. Perante a existência de domínios incertos do conhecimento não podem fazer-se afirmações que modifiquem a clareza do diálogo e contribuam para o desqualificar.

O primeiro facto biologicamente identificável na formação de um ser humano é a fusão de duas células altamente especializadas provenientes de cada um dos progenitores contendo metade dos cromossomas de um indivíduo adulto. Estas células são designadas por gâmetas: o óvulo e o espermatozóide. Fenómenos semelhantes estão na origem de todos os mamíferos e de outros seres vivos pertencentes a muitas outras espécies. Quando aquelas duas células se aproximam, envolvidas por um ambiente característico de cada espécie, após uma fase de reconhecimento segue-se a penetração do material genético do espermatozóide no óvulo e a formação imediata de uma barreira na membrana que o envolve que impede a penetração de novos espermatozóides. Neste momento inicia-se uma nova cadeia de actividades sucessivas a partir dos materiais provenientes dos dois gâmetas que vão actuar como se fossem dois sistemas complementares, com actividades coordenadas e interdependentes. O que teve lugar foi a constituição de uma nova entidade que tem designação biológica de zigoto ou embrião unicelular. O zigoto é, na realidade, uma célula semelhante a qualquer outra célula de um ser vivo adulto contendo um número duplo de cromossomas relativamente a cada um dos gâmetas. O zigoto designa-se, por isso mesmo, como uma célula diplóide. O que vai seguir-se é um período de reduplicação sucessiva do número de células com genoma idêntico ao da célula inicial; estas irão distribuir-se radialmente e diferenciar-se no novo organismo pluricelular.



Nas 15 a 20 horas posteriores à fusão dos gâmetas o zigoto humano vai comportar-se como uma célula orientada pela informação genética de que está dotada no sentido de uma evolução bem definida e precisa. Nos genes dos seus cromossomas está inscrito um plano-programa que distingue cada zigoto de todas as outras células (incluindo as células dos seus progenitores). Neles está incluída a informação constitutiva de um ser com uma identidade única que irá desenvolver-se se as condições ambientais forem adequadas – isto é, se se satisfizerem os pressupostos do metabolismo respiratório, das condições de nutrição e de temperatura de que o ser vivo em absoluto necessita para que se exerçam as suas funções vitais. Se assim acontecer o novo ser irá constituir-se num corpo com as características somáticas de uma determinada figura humana no qual todas as células terão um padrão cromossómico igual ao da célula original.



Vai prosseguir o aumento exponencial do número de células – designadas por blastómeros - através de uma sequência de divisões com ciclos de 12 a 15 horas, constituindo um processo complexo que se realiza sob o controlo do genoma. O desenvolvimento vai condicionar um contacto recíproco entre as células através da existência de pontes citoplasmáticas e de microvilosidades. Tal contacto é estreitíssimo no estádio de 8-32 células - designado por mórula - no qual, devido à formação de conexões intercelulares complexas, se tornam possíveis as comunicações entre as células cuja interrupção provoca alterações graves no desenvolvimento do embrião. Nos mamíferos superiores até ao estado de oito células cada uma delas é funcionalmente equivalente e pode originar um ser adulto se for separada do conjunto original sob condições próprias e colocada num ambiente adequado; por isso mesmo se designa por totipotente. É o que ocorre na origem dos gémeos verdadeiros ou univitelinos que derivam de um mesmo zigoto e contêm, portanto, o mesmo genoma.



Rapidamente irá seguir-se a organização e a diferenciação através das quais as células indiferenciadas se transformarão, por divisões coordenadas e sucessivas, nas estruturas primordiais dos órgãos e dos sistemas constitutivos de um corpo humano. Por volta da 5ª semana da gestação, quando as dimensões de um embrião humano são ainda inferiores a um centímetro, já estão presentes as primeiras estruturas cerebrais, os esboços bem definidos do coração, do aparelho respiratório, do aparelho digestivo e da área geníto-urinária onde já se iniciou o processo de formação do aparelho reprodutor; até à 6ª semana são identificáveis as extremidades dos membros e está avançada a formação do sistema nervoso central; até à 7ª semana a forma do corpo está completa e é inconfundível; até à 8ª semana o corpo está totalmente definido, com os seus órgãos e sistemas já constituídos. Os movimentos espontâneos (saltos, flexões, movimentos do tórax, da cabeça, das mãos e dos dedos) podem ser avaliados entre a 7ª e a 15ª semanas.

Os estádios iniciais da vida dos mamíferos superiores e da vida humana tem fascinado todos os investigadores nestes domínios, tanto mais que existem actualmente muitas dezenas de milhares de embriões humanos que se encontram conservados artificialmente no frio, excedentários das intervenções de procriação assistida. O seu destino será necessariamente a destruição, visto que para eles não será possível encontrar acolhimento no seu natural meio de desenvolvimento – um útero materno preparado para a maternidade. Nestes termos, muitos propõem que estes embriões sejam atribuídos à investigação. Foi então introduzido o termo de pré-embrião para indicar o período do desenvolvimento humano que vai desde o zigoto até ao décimo quinto dia de evolução. Foram feitas tentativas de integração deste termo no vocabulário diário e foi mesmo aceite por alguns organismos internacionais. A nova entidade - o pré-embrião – pretenderia designar um ser ainda não humano para justificar a manipulação dos embriões excedentários da fertilização “in vitro” e abrir caminho para a licitude da sua utilização para fins investigacionais e da sua destruição intencional. Não existe, no entanto, nenhum critério objectivo que permita diferenciar um embrião humano no período anterior e posterior aos quinze dias após a formação do zigoto. Ele tem todas as condições intrínsecas para se desenvolver se lhe forem facultadas as condições ambientais que lhe são próprias. A este tema se refere o Papa na encíclica Evangelium Vitae quando escreve: “alguns tratam de justificar o aborto sustentando que o fruto da concepção, pelo menos durante um certo número de dias, não se pode considerar ainda uma pessoa humana” (E V, 60).

Este é, na verdade, um ponto de extrema importância, porque está em jogo o sentido integral da vida humana, a sua protecção, a sua dignidade e os seus direitos. A reflexão sobre todos os dados até hoje demonstrados pelas ciências experimentais não pode deixar de conduzir à conclusão de que a fusão dos dois gâmetas inicia o ciclo vital de um novo ser humano. O seu corpo terá um desenvolvimento autónomo, contínuo e progressivo a partir das fases mais primordiais seguindo um programa que está inscrito nos seus genes. A realização desse programa está sujeita às condições que são características de cada ser vivo - dependência estrita das condições do ambiente em que vive, da adequada nutrição, da sujeição aos factores de doença e da exposição às agressões. E está sujeito à morte, muito comum nas fases iniciais em todos os seres vivos. O embrião humano, logo desde a fusão dos gâmetas, não é um ser humano potencial. É um ser humano real que iniciou a sua própria existência.

4 – O sentido da vida, a pessoa humana e a sua dignidade

A dignidade humana refere-se a um atributo universalmente comum a todos os homens que os coloca num grau superior a todos os seres existentes na Terra. Os homens, porque o são, nascem livres e iguais em dignidade e direitos devendo agir uns para com os outros num espírito de fraternidade e de mútuo apoio.

Segundo a visão bíblica, o Homem tem uma dignidade própria que lhe foi atribuída por Deus que o criou e foi o primeiro a amá-lo: “Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa” (Gn 1, 31). O Homem, sendo uma criação de Deus, foi por Ele explicitamente tomada como uma realidade boa em si mesma. A sua dignidade maior, porém, não lhe advém de ter sido criado por Deus, visto que todos os outros seres têm essa característica. Aquilo que em exclusivo pertence a todos Homens e lhes confere uma característica única é o facto de serem, cada um, imagem do próprio Deus e por isso terem uma dignidade superior a todos os seres criados. O Concílio Vaticano II nos seus múltiplos documentos, confirmou a visão bíblica e fundamentou a dignidade do Homem: a) na sua origem, pela sua natureza semelhante a Deus; b) na redenção, através da salvação por intermédio de Seu Filho; e c) no seu destino que é o encontro com Deus no Juízo Final.

Para Kant o Homem é um “fim em si próprio” visto que é sede da racionalidade que domina a actividade livre, de modo diferente de todos os outros seres irracionais que agem passivamente. A perspectiva moral é inata a todo o homem impondo-se como um dever, condição que o eleva acima de todos os outros seres na Terra. “No lugar daquilo a que se pode atribuir um preço, pode colocar-se qualquer outra coisa que lhe seja equivalente; o Homem, porém, pela sua dignidade não tem preço. É um valor em si mesmo pela sua racionalidade, voluntariedade e autonomia, não admitindo nada que se lhe possa comparar ou que o possa substituir”. Ele é o único sujeito de actos bons e rectos, sendo a moralidade a condição fundamental da sua dignidade. O imperativo categórico não depende de nada que lhe seja exterior, mas unicamente da sua vontade livre que se manifesta na obediência à lei moral que é independente do conhecimento de Deus. A razão prática é a combinação do intelecto e da vontade que constituem as faculdades decisivas para a vida moral. Portanto, a dignidade do Homem, seguindo este conceito, fundamenta-se no facto de o homem ser um fim em si mesmo. A característica que lhe faculta a expressão da liberdade moral designa-se por dignidade (Crítica da Razão Prática).

A dignidade humana é uma ideia difícil de definir, visto que se refere a um conceito evolutivo e abrangente que resulta da tomada de consciência da pertença de todos os homens e mulheres ao género humano. Deste facto resulta a comparticipação na mesma natureza ontológica, com uma origem e um destino comuns. Este sentimento generalizadamente aceite constitui uma conquista da civilização. Nas últimas décadas foi-se alargando a grupos humanos diferenciados e a países com histórias, tradições, culturas e costumes muitos heterogéneos, conferindo a todos os seres humanos um estatuto reconhecido pela maior parte dos países. Os direitos ligados a esse estatuto tendem a ser reconhecidos como universais e inalienáveis. Grande parte dos países aceitaram o princípio da dignidade humana inscrito nas suas leis fundamentais e nas suas práticas quotidianas embora em quase todos existam também graves omissões àquele princípio, nomeadamente no que se refere à presença de comunidades e de famílias marginalizadas em maior ou menor grau, sobretudo entre os emigrantes e os refugiados. Há muitas mulheres, homens, crianças e velhos que são discriminados no acesso aos direitos de cidadania e aos cuidados básicos de saúde e de educação. No entanto, sublinhe-se, na cultura ocidental e na maior parte dos países onde existe acesso fácil à informação livre tem havido lugar a uma aceitação progressiva destes conceitos no que se refere à atenção para com os mais vulneráveis: as crianças, os idosos, os doentes e os deficientes.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, refere-se aos direitos fundamentais que estão associados ao conceito de dignidade humana: a) o direito à vida; b) o direito à não discriminação (sexo, raça, religião, nacionalidade, idade, estado de saúde ou de doença); c) a proibição de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; d) respeito pela vida privada e familiar; e) o direito aos cuidados de saúde.



A abordagem actual da dignidade humana está também ligada a outros contextos antropológicos, sociais e ambientais. A sobrevivência da espécie humana, nomeadamente das gerações futuras, está associada às características da natureza que a envolve e à conservação dos recursos naturais. Em nome do desenvolvimento industrial e tecnológico têm sido cometidas agressões contra a vida animal, vegetal e contra o ambiente que na actualidade e no futuro impõem ao homem regras que têm um conteúdo ético evidente. O ambiente físico e biológico é o prolongamento natural do corpo humano para além dos limites físicos da pele e a sua harmonia impõe limites ao modo humano de viver. A ausência de regras generalizadamente aceites põe em risco a sobrevivência da espécie humana e a de muitas outras que utilizam os mesmos ecossistemas.

5 – O ocaso da vida

Cada ser com vida tem um termo do seu ciclo biológico. A partir de um certo momento existe um desequilíbrio entre os factores anabólicos e catabólicos que permitem manter o meio interno dentro das condições e dos limites que permitem a vida. Mesmo que todos os factores externos característicos de cada espécie sejam os mais favoráveis para as funções vitais, a tendência para a desagregação está inscrita no programa vital (no genoma) de cada ser vivo e é inexorável. A manutenção das espécies depende da capacidade de multiplicação, da capacidade de adaptação e da renovação de cada um dos seus membros. A desagregação dos organismos depende da existência de enzimas autolíticos e de agentes exteriores. Os seus constituintes materiais, transformados após a morte, irão integrar a cadeia da vida ou serão devolvidos ao meio envolvente inorgânico. O fim de cada ser vivo é uma condição sem a qual a vida não seria possível, quer sob o ponto de vista ontogenético quer sob o ponto de vista filogenético. A natureza da vida, qualquer que seja o ponto de vista sob o qual se considere, pressupõe um ciclo individual que termina com a morte.

O homem é o único ser vivo que pensa na sua própria morte. Apenas ele tem consciência dos seus limites existenciais e do termo do seu ciclo biológico como ser único e irrepetível. Mas a morte em si própria é um insondável mistério, porque de facto ninguém sabe o que é morrer nem o que consiste a sua própria morte. Exteriormente diz-se: a morte é o termo da vida demonstrável. Estamos familiarizados com a morte dos outros, dos amigos, dos nossos pais; assistimos à morte de outros seres vivos e percebemos que se fecha em cada morte um ciclo individual que se repete indefinidamente. Mas essa participação na morte dos outros, por mais íntimos que nos sejam aqueles para quem a vida acaba, é apenas um aspecto absolutamente exterior à morte, uma imagem, uma ideia, um conhecimento ou um afecto. É um acto da vida.



Na realidade a morte é verdadeiramente um mistério que não se conhece. Porque ninguém a experimentou e porque no exacto momento em que ela ocorre já não é possível conhecer. O sujeito (o suporte do conhecimento e o agente da relação) deixa de existir. As experiências de “quase morte” são evidentemente experiências de vida e como tal não podem deixar de ser tomadas. Estar morto é não estar. Os cadáveres não são vida. Não são ninguém. São apenas os restos do suporte biológico que necessariamente estão destinados á desagregação. Assim, a morte é impensável como tal. Está para além dos limites da existência; é a radical alteridade da realidade experimentável.



Nas sociedades tradicionais a morte de alguém é um fenómeno participado pelos que com ele convivem, os seus contemporâneos. Existem numerosas obras de arte que aludem à morte de alguém como um momento crucial da sua vida nas quais estão em regra representados os que com ele conviveram e são as testemunhas da exemplaridade da sua vida. Não se trata de mortes anónimas e abstractas, existindo nelas referências directas à exuberância da vida do seu titular. Mas as sociedades actuais ocultam a morte. Na cultura ocidental domina uma tradição na qual se propõe silenciar e ocultar a morte.

O período terminal da vida humana pode ser extremamente curto ou prolongar-se por muito tempo como ocorre em certas doenças (neoplasias malignas disseminadas, insuficiência cardíaca crónica terminal, doenças degenerativas do sistema nervoso central, na síndroma de imunodeficiência adquirida). Os cuidados de saúde actuais tendem a prolongar o período das doenças terminais. Os doentes nestas situações constituem um desafio ao exercício adequado da arte de ser enfermeiro e de ser médico, quer o doente se encontre no seu domicílio rodeado do afecto do seu círculo familiar, quer esteja num ambiente asséptico de uma unidade de tratamento intensivo envolvido por equipamentos que permitem em cada momento corrigir os desvios do seu meio interno. O cuidar dos doentes no período terminal das suas vidas exige da parte dos enfermeiros uma ponderação individual das circunstâncias que, envolvendo necessariamente os cuidados de saúde adequados à pessoa doente, terá que considerar de modo especial as manifestações dos seus valores culturais e espirituais e o seu envolvimento afectivo, familiar e social.



Alguns elementos dominantes nas culturas das sociedades contemporâneas (sobretudo nos meios urbanos) e as características das instituições hospitalares criaram condições para que os doentes atingidos por uma doença gravemente evolutiva ou incurável e os doentes moribundos possam ver limitadas as suas expectativas relativamente ao apoio pessoal que poderiam esperar das sociedades em que se inserem. Nalgumas circunstâncias existem mesmo ameaças aos direitos que lhes são atribuídos pela dignidade essencial dos seres humanos e pelo enquadramento legal dominante nas sociedades contemporâneas. Na verdade, é imperioso que estas questões constituam motivos de reflexão crítica por parte de todos os sectores da sociedade.



Um primeiro conjunto de ameaças resulta da atenuação dos laços familiares e comunitários tradicionais e do facto de os doentes terem receio de perder a autonomia pelas consequências da sua doença quando se tornam um pesado ónus para os que lhes estão próximos. Estas circunstâncias constituem o núcleo dos temores dominantes em muitos portadores de doenças progressivas e fatais. A este medo da dependência sem apoios quando deles mais necessidade teriam, junta-se a degradação progressiva das suas imagens, a desvalorização, a discriminação social, o sofrimento físico e a solidão.



Um segundo conjunto de ameaças resulta da deficiente organização dos cuidados de saúde relativamente às doenças do fim da vida. Os sistemas de cuidados de saúde estão mais adaptados aos cuidados da medicina curativa e de reabilitação do que aos cuidados de medicina paliativa que se destinam aos doentes portadores de doenças crónicas, progressivas, invalidantes e fatais. Os objectivos da terapêutica estão apontados predominantemente para os sofrimentos físicos e minimizam o enquadramento psicológico, social, cultural e espiritual. Este facto traduz-se na incipiente preparação no pessoal de saúde nos domínios da medicina paliativa e na ausência de instituições dedicadas àquelas actividades em muitas comunidades.



Um terceiro conjunto de ameaças resulta do receio da dor, do sofrimento intenso, desnecessário e prolongado, e da própria proximidade da morte. Nalguns doentes dominam os receios de um inadequado processo de morrer, pela sobrevalorização dos meios de intervenção por parte da sociedade e da medicina, sendo utilizados métodos desproporcionados à sua situação de doença e à sua provável evolução. Noutros doentes (e sobretudo nalguns familiares) predominam os receios da não utilização de todos os meios que se poderiam mobilizar nas circunstâncias pela insuficiência dos recursos atribuídos, pela sobreocupação das equipas de intervenção ou dos equipamentos e eventualmente por incúria ou por negligência.



A utilização de métodos de diagnóstico e de terapêutica que são inúteis por não contribuírem de um modo significativo para o esclarecimento das situações e que não tenham um efeito benéfico demonstrado, suportado por razoável documentação, não tem lugar no tratamento das situações terminais. Não deve iniciar-se, assim, uma intervenção cujos efeitos não estejam demonstrados. O médico e o enfermeiro devem transmitir com correcção e tranquilidade ao doente e eventualmente aos seus familiares, as decisões que se referem aos métodos inúteis de intervenção a partir dos dados objectivos e seguros de que dispõem. Os enfermeiros e os médicos devem contribuir activamente nas sociedades onde exercem as suas actividades para fomentar a existência de cuidados de saúde adequados aos doentes no período terminal das suas vidas. Tal objectivo exige planeamento, programação e educação específica em todos os domínios dos cuidados de saúde.

Bibliografia
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12 - Council of Europe Steering Commitee on Bioethics. Draft Convention for the protection of human rights and dignity of the human being with regard to the application of biology and medicine: Bioethics Convention. Appendix I, art 17. Strasbourg, 4 May 1995.
13 - Renaud M. A Dignidade do Ser Humano como Fundamentação dos Direitos do Homem. Brotéria, 148/1999, pp. 135-54.
14 - Lenoir N e Mathieu B. Les normes internationales de la bioéthique. PUF. Paris, 1998.

Por Alexandre Laureano Santos, Médico

A fase terminal da vida humana.

Caros amigos:
1 – Introdução

Constitui para mim sempre uma grande honra participar neste colóquio dedicado aos temas dos doentes no ocaso da sua vida e ao universo que os rodeia, nomeadamente no que se refere ao apoio pessoal e ao das suas famílias que em todas as comunidades lhes é devido. Não sou eu, certamente, a pessoa mais indicada para tratar destes temas. Sou, na verdade, um médico que, por dever de ofício, trabalhou na fase mais activa da sua vida durante várias dezenas de anos numa unidade de tratamento intensivo de um grande hospital, com as tarefas de tratar doentes que se encontram afastados do seu meio comum, em locais onde tantas vezes a morte ocorre isolada e afastada do seu natural envolvimento – a família, os amigos e a comunidade. Noutras áreas conexas com os temas básicos da vida humana nos domínios da antropologia, da sociologia, da psicologia, da filosofia, da economia, da organização das cidades como a urbanização e a arquitectura, encontraríamos seguramente pessoas que pensaram nestes temas ligados ao ocaso da viva humana, os quais certamente nos trariam novos pontos de reflexão sobre o tema. Peço que me relevem, portanto, os viés próprios da orientação da minha atitude como profissional, a qual foi sempre a da abordagem dos doentes portadores de doenças orgânicas agudas e graves no meio hospitalar. Desculpar-me-ão também que apenas possa aflorar ou levantar o véu de algumas das questões que se relacionam com o termo da vida humana. Será um pretexto para continuar o colóquio como deve ser, isto é, sob a forma coloquial.

2 – A situação dos doentes no período terminal da vida

O exercício actual da medicina foi tributário de um conjunto de tecnologias que foram desenvolvidas nas últimas décadas.



A reanimação cardíaca e respiratória com as possibilidades de reposição pronta e correcta dos fluídos orgânicos e da reconstituição do meio interno, o domínio ainda que precário e instável das infecções pelo conhecimento da biologia dos microrganismos e a utilização de fármacos eficazes, os avanços decisivos nas áreas da imunologia em conjugação com as possibilidades de controlo da dor facultaram intervenções reparadoras na intimidade do corpo humano. O domínio da fisiologia dos órgãos, a utilização de próteses e a generalização dos transplantes permitiram expectativas de vida a um número de pessoas vítimas de doenças que outrora não tinham possibilidades de sobreviver aos episódios de agudização. O conhecimento das alterações bioquímicas que constituem os mecanismos primários de muitos defeitos fisiopatológicos e o desenvolvimento da biologia molecular tornou possível curar ou atalhar a evolução até então inexorável de doenças que têm acompanhado o homem ao longo da sua história. Este conjunto de factores, provenientes praticamente de todos os áreas científicas e tecnológicas, associado à organização social das sociedades contemporâneas de economia evoluída facultaram reunir nos hospitais modernos as condições para uma grande variedade de actuações que não existiam até há poucas décadas.

No nosso país, a generalização dos cuidados de saúde juntamente com a melhoria das condições económicas dos portugueses permitiram que a esperança de vida na altura do nascimento subisse de menos de 30 anos no início do Séc. XX para os actuais cerca de 80 anos. Há cem anos a causa maior de morte no nosso país era motivada pelas infecções respiratórias (sobretudo a tuberculose) e existia, como todos conhecem, uma mortalidade infantil devastadora.



Actualmente a mais frequente causa de morte é constituída pelas doenças vasculares do sistema nervoso central seguida pelas doenças vasculares do coração. Esta distribuição das causas da mortalidade verifica-se nos meios urbanos como nos meios rurais e tem-se mantido apenas com ligeiras oscilações nos últimos anos. No rol das doenças que mais matam os portugueses segue-se o conjunto heterogéneo das doenças neoplásicas, as doenças traumáticas resultantes dos acidentes com veículos motorizados e as doenças crónicas do fígado. A maior parte destas doenças é susceptível de prevenção visto que existem factores de risco ligados a hábitos e a comportamentos que são modificáveis. Algumas manifestam-se por um acidente agudo e têm uma evolução breve para a morte. A maior parte delas, porém, manifesta-se por um episódio inaugural que, podendo não ser mortal, exigirá frequentemente internamento hospitalar e dele resultará uma maior ou menor incapacidade. A tecnologia médica permite manter a vida mesmo quando existem graves perturbações orgânicas, sendo possível corrigir as disfunções dos sistemas claudicantes por um período bastante para permitir a eventual recuperação do órgão doente ou para a sua substituição por uma prótese ou por um órgão transplantado. Ao episódio inicial seguir-se-á uma fase de tratamento, de reabilitação e de prevenção de outros episódios semelhantes aos quais os doentes podem ficar susceptíveis. Muitas vezes, outras doenças intercorrentes irão agravar as incapacidades crónicas existentes e contribuir para o sofrimento e para a dependência.



Tendo sobrevivido a situações muito graves, muitos doentes apenas conseguem manter um grau restrito de autonomia. Permanecem com deficiências crónicas em um ou em vários sistemas funcionais, ficam mais vulneráveis a outras doenças e permanecem sujeitos à administração continuada de fármacos com acções acessórias que impõem vigilância apertada em consultas de especialidades médicas. Mantêm-se como doentes crónicos, dependentes de uma tecnologia escassa, complexa e cara, à qual a organização das sociedades modernas prometeu, um tanto levianamente, um acesso cada vez mais fácil e pronto. Admite-se que em Portugal cerca de 60 % dos óbitos totais ocorram durante um internamento hospitalar. Nas áreas urbanas a percentagem das mortes ocorrendo nos hospitais será seguramente superior. Assim, a morte para a maior parte dos portugueses chega fora do envolvimento familiar e comunitário característico das sociedades tradicionais, onde naturalmente melhor pode exprimir a partilha dos afectos.

3 – Algumas perplexidades

Existem alguns aspectos inquietantes da organização dos cuidados de saúde no que se refere aos doentes em situação terminal. Os beneficiários do sistema de seguro de saúde americano Medicare têm uma mortalidade global de 5 a 6 % em cada ano; cerca de 50 % do dinheiro gasto com os cuidados individuais são utilizados nos últimos seis meses de vida; 40 % são utilizados nos últimos dois meses e 30 % no último mês. Admite-se que, nas sociedades actuais de economia evoluída, mais de 50 % das pessoas irão terminar as suas vidas após um período de doença crónica, incapacitante e dependente. Os estudos económicos apontam para que nenhuma sociedade poderá suportar os custos previsíveis da generalização da tecnologia actual a todos os doentes terminais segundo as regras explícita ou implicitamente aceites na cultura moderna. As autoridades mundiais da economia da saúde, antevêem que, sendo os recursos inevitavelmente limitados, um dos maiores desafios com que se debaterão os políticos será o do balanço entre os cuidados aos doentes nos últimos períodos da vida e os serviços de saúde a prestar a toda a população.



Outros autores contestam os valores avançados pelos economistas e as suas perspectivas alarmistas afirmando, com razão, que aqueles números não podem ser extrapolados para o resto da população americana e muito menos para outros continentes. Nos EUA morre anualmente menos de 1 % da população, uma mortalidade seis vezes menor do que a amostra da seguradora; os números propostos resultam de amostras seleccionadas - os doentes incluídos no sistema têm mais doenças graves e naturalmente consumirão mais recursos. Na verdade, os aumentos dos custos com os doentes na fase última da vida não têm vindo a crescer nos últimos anos nos EUA na mesma proporção que cresceram até uma década atrás. Em muitos países europeus apenas cerca de 50 % dos doentes terminam a sua vida em estabelecimentos hospitalares o que contrasta com os actuais 80 % da sociedade americana. As previsões não têm em conta uma mudança de toda a sociedade, nomeadamente no nosso país, relativamente aos portadores de doenças muito graves, os quais (eles próprios como as suas famílias), preferirão ser tratados no seu enquadramento familiar domiciliário ou em estabelecimentos de saúde orientados no tratamento específico destas doenças quando esta atitude for compatível com um nível de cuidados oportunos e adequados. Poder-se-á ainda pensar que as tendências dos números, apesar de preocupantes, são razoáveis. É natural que uma grande fatia dos recursos da sociedade seja utilizada nas pessoas com doenças mais incapacitantes, com maior sofrimento e com a vida mais gravemente ameaçada.

Sublinhe-se que estas questões, não sendo originariamente económicas, não podem ser aceites apenas nos planos das análises de custos. Pelo contrário, o que minimamente se pode exigir é que os doentes em situações graves e terminais encontrem, juntamente com os cuidados específicos da medicina curativa e da medicina paliativa, um enquadramento afectivo, familiar e social adequado à sua situação. Uma lógica predominantemente económica no planeamento e na atribuição dos recursos aos cuidados a prestar na fase última da vida poderá exercer intoleráveis pressões sobre os políticos, sobre os decisores, sobre as entidades prestadoras e sobre os profissionais que nelas intervêm. Não é admissível pensar que os problemas actuais e os que se antevêem no futuro próximo possam resolver-se apenas com os critérios actualmente predominantes na atribuição dos meios existentes e que uma atitude de passividade no planeamento dos serviços e as ofertas propostas pelo livre mercado consigam encontrar as soluções apropriadas. Todos admitem que nas próximas décadas existirá um número crescente de doentes nos quais a utilização das tecnologias disponíveis será imprescindível e alongará a vida. Por todas as razões, aumentará a utilização dos cuidados de saúde nestes domínios. Trata-se de áreas que foram longamente negligenciadas ou mesmo ignoradas por todas as entidades intervenientes, havendo deficiências notórias na atribuição dos recursos, na preparação do pessoal e nas instalações actualmente utilizadas. São escassas as estruturas sociais e as instituições dedicadas nas comunidades locais que podem dar soluções com oportunidade, dignidade e eficácia aos numerosos problemas pessoais, familiares e sociais que as pessoas com uma doença terminal podem levantar. São áreas em que todos temos que trabalhar…

4 - A pessoa com uma doença terminal

Confrontados com a morte, é com o mistério absoluto da vida humana o que deparamos. Não existe concepção do homem que possa evitar este confronto. É a consciência de um ser existente ameaçado da não existência que definitivamente o obriga a colocar a pergunta: “o que sou eu?” – Não sou, evidentemente, redutível ao mundo físico, nem sou apenas um membro entre muitos de uma espécie biológica que foi bem sucedida na evolução, visto que tenho bem consciência que sou um ser único e irrepetível. Mas o que me revela claramente essa minha condição de eu ser único é exactamente esta angústia da morte, isto é, o facto de bem reconhecer que daqui a alguns anos não estarei no mundo. Vivo sob a ameaça impensável de um dia não ser. Esta condição exige-me uma atitude de seriedade radical: só vivo uma vez; o que faço é sempre a primeira e a última vez.
A tomada de consciência do homem de si próprio, dos outros seus companheiros que com ele participam numa natureza comum constitui um indissociável apelo à transcendência. A expectativa da morte dá assim sentido à vida. Sem diminuir em nada a natureza biológica do homem, a perspectiva da morte transcende-se em busca do sentido global da sua existência breve. Sob este apelo do transcendente o homem criou as manifestações de uma cultura que se traduz em linguagens, em escritas, em documentos, que constituem espantosos monumentos que traduzem na história do homem a procura de Deus.



A morte não se explica sem a explicação da vida. Foi esta angústia, esta saudade do infinito, que conduziu Cesário Verde, o nosso poeta de Lisboa em “Horas Mortas” a perguntar:
“E se eu não morresse nunca? E eternamente procurasse e conseguisse a eterna perfeição das coisas?”


E Miguel Torga, na sua angustiante, solitária e dolorosa procura do transcendente: Porque paira tão alto o teu desdém,
Deus das velhas montanhas de granito?
Rasgo a carne a subir onde o meu grito
Te diga a solidão que me devora,
E quando aí chego a rastejar, contrito,
É mais acima que o mistério mora!

Na “Meditação sobre a Vida” que constitui a magnífica Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa de Março último, refere-se: “A plenitude da vida é a definição de Deus. Ele é o Vivo por excelência”. E mais adiante: “Toda a vida é uma participação na vida divina. Nós vivemos porque um sopro divino nos tornou vivos.”

5 – Direitos dos doentes

Todos os homens chegam ao fim do seu ciclo biológico através do percurso de um período terminal de doença que pode ser extremamente curto ou prolongar-se por muito tempo como ocorre em certas doenças (neoplasias malignas disseminadas, insuficiência cardíaca crónica terminal, doenças degenerativas do sistema nervoso central, na síndroma de imunodeficiência adquirida). Os doentes nestas situações constituem um desafio ao exercício adequado da arte de ser médico e de ser enfermeiro, quer o doente se encontre no seu domicílio rodeado do afecto do seu círculo familiar, quer esteja num ambiente asséptico de uma unidade de tratamento intensivo envolvido por instrumentos que avaliam o seu equilíbrio interno em cada momento. A abordagem dos doentes no período terminal das suas vidas exige uma ponderação individual das circunstâncias as quais, ainda que envolvendo a situação biológica da pessoa doente, terá necessariamente de considerar as manifestações dos seus valores culturais e espirituais e o seu envolvimento afectivo, familiar e social.



Alguns elementos dominantes nas culturas das sociedades contemporâneas (sobretudo nos meios urbanos) e as características das instituições hospitalares criaram condições para que os doentes atingidos por uma doença gravemente evolutiva ou incurável e os doentes moribundos possam ver limitadas as suas expectativas relativamente ao apoio pessoal que poderiam esperar das sociedades em que se inserem. Nalgumas circunstâncias existem mesmo ameaças aos direitos que lhes são atribuídos pela dignidade essencial dos seres humanos e pelo enquadramento legal dominante nas sociedades contemporâneas. Na verdade, é imperioso que estas questões constituam motivos de reflexão crítica por parte de todos os sectores da sociedade.



Um primeiro conjunto de ameaças resulta da atenuação dos laços familiares e comunitários tradicionais e do facto de os doentes terem receio de perder a autonomia pelas consequências da sua doença quando se tornam um pesado ónus para os que lhes estão próximos. Estas circunstâncias constituem actualmente o núcleo dos temores dominantes em muitos portadores de doenças progressivas e fatais. A este medo das incapacidades e da dependência sem apoios quando deles mais necessitariam, junta-se a degradação progressiva das suas imagens, a desvalorização e a discriminação social, o sofrimento físico e a solidão.



Um segundo conjunto de ameaças resulta da deficiente organização dos cuidados de saúde relativamente às doenças do fim da vida. Os sistemas de cuidados de saúde estão mais adaptados aos cuidados da medicina curativa e de reabilitação do que aos cuidados de medicina paliativa que se destina aos doentes portadores de doenças crónicas, progressivas, invalidantes e fatais. Os objectivos da terapêutica estão apontados predominantemente para os sofrimentos físicos e minimizam o enquadramento psicológico, social, cultural e espiritual. Este facto traduz-se na incipiente preparação no pessoal de saúde nos domínios da medicina paliativa e na ausência de instituições dedicadas àquelas actividades em muitas comunidades. O Plano Nacional de Saúde actualmente em curso envolve, finalmente, alguns conjuntos de medidas que visam os doentes portadores de doenças crónicas e incapacitantes e o período terminal da vida.



Um terceiro conjunto de ameaças resulta do receio da dor, do sofrimento intenso, do sofrimento desnecessário e prolongado, e da própria proximidade da morte. Nalguns doentes dominam os receios de um inadequado do processo de morrer, pela sobrevalorização dos meios de intervenção por parte da sociedade e da medicina, se forem utilizados métodos desproporcionados à sua situação de doença e à sua provável evolução. Noutros doentes (e sobretudo nalguns familiares) predominam os receios da não utilização de todos os meios que se poderiam mobilizar nas circunstâncias pela insuficiência dos recursos atribuídos, pela sobreocupação das equipas de intervenção ou dos equipamentos e eventualmente por incúria ou por negligência.

O direito dos doentes a participar nas decisões no que se refere ao diagnóstico e ao tratamento da sua doença é inquestionável. Está explícito no elenco das regras éticas e no próprio direito positivo. Resulta directamente do princípio da autonomia. Inclui o conhecimento do diagnóstico ainda que incerto da sua situação, o conhecimento dos meios de diagnóstico a utilizar e os eventuais riscos, o prognóstico, os meios de intervenção terapêutica e as suas alternativas, o desejo de não estar informado se assim claramente o exprimir, a recusa de todo e qualquer tratamento impondo um limite definitivo às decisões de tratar e não tratar. Estes direitos devem estar sempre presentes na relação dos doentes com todas as instâncias dos serviços prestadores de cuidados de saúde. Exercem-se em condições ideais quando o diagnóstico e a proposta de intervenção terapêutica se encontram claramente definidos e o doente está informado e consciente da sua situação. Nas realidade muitas vezes não é possível reunir aquelas condições do consentimento informado pela existência de limitações impostas pela própria doença, pela privação sensorial, pela existência de dor, pelas acções acessórias de fármacos ou por numerosas circunstâncias que reduzem a capacidade de julgamento do doente. Nestes casos, deve aceitar-se o consentimento presumido, devendo as decisões ser tomadas segundo protocolos terapêuticos previamente delineados e reconhecidos como seguindo o estado da arte, tendo em consideração os desejos manifestados pelo doente e a eficácia previsível da intervenção.




Os doentes em situação crítica têm uma capacidade de comunicação e uma capacidade de decisão que tendem a ser cada vez mais limitadas. Pode tornar-se decisivo conhecer a vontade do doente por outros meios que não incluam a comunicação directa. As “disposições antecipadas”, também designadas por “testamento de vida”, podem constituir um instrumento precioso visto que contêm a vontade expressa do doente sobre o modo como desejaria ser tratado numa situação limite e irreversível. Podem conter disposições nas quais sejam recusadas as medidas activas de reanimação ou o pedido para, se se verificarem aquelas circunstâncias, ser colocado em condições que permitam a manutenção das funções metabólicas fundamentais e possam facultar a presença e o apoio directo dos seus familiares. Uma alternativa às disposições antecipadas será a designação expressa de uma pessoa muito próxima do doente por ele escolhida para manifestar a sua vontade. Os meios indirectos da manifestação da vontade dos doentes constituem mecanismos que são necessariamente imperfeitos. A vontade do doente expressa antecipadamente contém em regra apenas normas muito gerais de actuação e não pode contemplar todas as possibilidades de evolução e as alternativas possíveis da terapêutica da doença. O documento pode não ser acessível quando é necessário ou ser antiquado e não se adaptar à situação.

Sendo a vontade expressa do doente determinante para o início e o seguimento das medidas terapêuticas, o médico e a equipa têm o papel decisivo no estabelecimento do diagnóstico, no prognóstico e nas propostas de intervenção. Têm igualmente um papel decisivo na manutenção de uma boa relação entre o doente, a sua família e a equipa, sobretudo no sentido de não haver distorções da informação e na criação de um clima adequado. A preparação e o treino da equipa nas situações limite é muito importante. Nem sempre os médicos aceitam bem a ideia de que para os doentes algumas vezes será melhor “fazer menos do que fazer mais”. As decisões de “não tomar algumas medidas” são, em regra, mais difíceis do que a alternativa de prosseguir com a utilização da complexa tecnologia médica que é possível utilizar nas situações limite.

6 - Algumas questões fundamentais

Os avanços tecnológicos nos domínios da biomedicina permitiram que o curso do termo da vida se modificasse. A natureza deixou de constituir o único árbitro entre o viver e o morrer. Este processo modificou-se com o desenvolvimento dos conhecimentos básicos e a evolução das tecnologias, criando um conjunto de problemas éticos que são historicamente muito recentes, não encontram respostas unânimes e têm vastas repercussões na cultura contemporânea. A vida humana tem uma dignidade intrínseca que não se altera nos seus limites temporais. Admiti-lo e verter no ordenamento jurídico tal princípio, aceitar que a vida humana se desvaloriza porque é frágil, dependente, dolorosa ou inconsciente é, antiteticamente, aceitar que a vida humana só vale quando é bela, boa e útil, tal como os slogans da sociedade de consumo não se cansam de apregoar.

A eutanásia é a morte intencional de alguém a seu pedido provocada por outra pessoa que aceitou o pedido e lhe deu o seguimento por entender que a vida seria insuportável ou não tinha dignidade. Trata-se nos casos típicos de uma morte desejada pelo próprio, vítima de uma doença gravemente limitante, progressiva e mortal que pede a morte porque a vida com o sofrimento se tornou intolerável. O pedido é acolhido e assumido por outra pessoa como única e definitiva solução para a situação presente e é consequentemente executado. Sob o ponto de vista ético é um caso característico de conflito de valores: entre a vida humana, que constitui o suporte da consciência reflexiva e de todos os outros valores, nomeadamente os que se referem à autonomia e à responsabilidade, e os valores da beneficência e da não maleficência, que constituem o suporte fundamental da actividade dos profissionais da medicina. Trata-se de uma dialéctica presente na cultura contemporânea entre o dever de viver e o direito a morrer.


Quando alguém quer a morte e exprime a sua vontade encontra-se dominado por um sofrimento intenso, quer pela dor quer pela perspectiva de evolução da doença, que lhe degradam a autonomia, a imagem que tem da sua vida e o seu significado. Quando alguém aceita o pedido expresso de uma morte desejada atribui ao princípio da autonomia o valor supremo e desvaloriza o valor intrínseco da vida humana e as possibilidades de atenuação da dor e do sofrimento de que a medicina pode dispor. A eutanásia não consiste apenas numa intervenção directa no sentido de suprimir a vida. Envolve, implícita e explicitamente, a intenção de não utilizar os meios que a poderão manter e eventualmente permitir outro tipo de decisões que facultem a continuação de uma relação positiva com a consciência reflexiva e com a comunidade envolvente.


O direito à vida constitui um direito fundamental. O respeito pela própria vida apenas pode subordinar-se em certas circunstâncias extremas ao respeito pela vida dos outros ou por outros valores que apenas o próprio titular da vida pode legitimar. Mas no caso da eutanásia não podem invocar-se outros valores anteriores à vida, visto que a dignidade da pessoa não fica ferida pelo sofrimento e pela dor. Estes devem ser combatidos e eventualmente eliminados com todos os meios que a medicina e as sociedades actuais podem dispor no sentido do apoio integral ao doente em sofrimento.


A introdução do princípio da eutanásia significa em todas as circunstâncias fazer depender a existência da vida humana das decisões e da deliberação de outrem. Esta deliberação, ainda que dirigida no sentido de superar o sofrimento intolerável e suportada pelo consentimento, significa sempre uma decisão irreversível da destruição decidida de uma vida humana. Aceitar aquele princípio significa que a manutenção e a continuação da vida possa depender de condições permissivas. Na Holanda e na Bélgica, países onde, como se sabe, a eutanásia foi legalizada, existem numerosos casos não notificados e uma percentagem significativa de mortes provocadas sem consentimento expresso.

Na avaliação das circunstâncias do suicídio assistido está presente o mesmo conflito de valores entre a vida humana e a autodeterminação. O suicida, não suportando o sofrimento, pede que lhe sejam dados os meios de morrer. Nas circunstâncias-limite muitos doentes fazem este pedido, dominados pela dor, pela insuficiência de meios de tratamento e pela falta de esperança. Deve admitir-se que o pedido corresponde a condições extremas da experiência humana e que devem ser mobilizados todos os meios possíveis para diminuir o sofrimento e a dor, seguindo a arte médica, mesmo que coloquem em risco a vida do doente. O princípio da autonomia da pessoa tem limites que todos reconhecem nas sociedades organizadas, nomeadamente no respeito pela vida própria e nos limites que são impostos pelos direitos e liberdades dos outros.


O juízo ético sobre o suicídio assistido tem os mesmos pressupostos invocados na eutanásia. A diferença nuclear é a de que o agente intervém acolhendo, interpretando e aceitando o pedido da morte e facultando os meios para que o próprio a realize.

A abstenção terapêutica, isto é, a suspensão das medidas de tratamento da qual poderá resultar a morte por não se iniciarem ou se interromperem intervenções terapêuticas por vontade manifestada inequivocamente pelo doente, é a atitude correcta que não pode deixar de ser seguida. A fundamental fonte de autoridade sobre as intervenções diagnósticas e terapêuticas reside no doente que pode manifestar a sua vontade em ser tratado segundo os critérios terapêuticos que devem estar claramente expressos, nomeadamente no que se refere aos objectivos da terapêutica, aos prováveis benefícios e aos eventuais riscos. O doente mantém o direito explícito de continuar ou de interromper a seu pedido os tratamentos e o internamento em todas as circunstâncias. Por outro lado, o doente e os que o rodeiam, ainda que livremente devam exprimir os seus desejos e os seus interesses, não podem exigir uma determinada abordagem diagnóstica ou terapêutica que não tenha o acordo explícito da equipa de intervenção.
Portanto, existindo a certeza de diagnóstico e de um mau prognóstico a curto prazo, as equipas de intervenção devem aceitar a vontade expressa do doente, abstendo-se de tratamentos que o contrariem e de medidas agressivas, ainda que tenham objectivos de diagnóstico e de terapêutica bem definidos. Devem utilizar todos os meios que permitam dominar a dor e promover o bem-estar, melhorar a própria imagem e o conforto do doente. Se o doente não expressou a sua vontade, a equipa de intervenção deve, em todos os casos, seguir os protocolos que a situação clínica impõe.


A utilização de métodos de diagnóstico e de terapêutica que são inúteis por não contribuírem de um modo significativo para o esclarecimento das situações ou da sua evolução e que não tenham um efeito benéfico demonstrado, suportado por razoável documentação, não tem lugar no tratamento das situações terminais. Não deve iniciar-se, assim, uma intervenção cujos efeitos não estejam demonstrados. O médico deve transmitir com correcção e tranquilidade ao doente e eventualmente aos seus familiares, as decisões que se referem aos métodos inúteis de intervenção a partir dos dados objectivos e seguros de que dispõe.

7 - As unidades de tratamento intensivo

Algumas das questões fundamentais de ética nas unidades hospitalares que tratam os doentes em situação terminal podem agrupar-se nos seguintes domínios: a) as dificuldades na concretização dos direitos dos doentes; b) a organização interna das equipas e as tomadas de decisão nas situações críticas; c) o estabelecimento de vias de comunicação com os doentes e com as pessoas que os rodeiam; d) o reconhecimento dos desejos e dos valores dos doentes de acordo com a sua situação e com as probabilidades de evolução da doença. Algumas destas questões estão incluídas nas normas do direito positivo. As propostas éticas, todavia, não se sobrepõem aos imperativos da lei.

A primeira questão que se pode levantar relativamente aos direitos dos doentes é a da não discriminação no que se refere ao acesso às unidades especializadas. Nestas unidades diferenciadas dos hospitais (de cardiologia, de reanimação, de traumatologia, de infecciologia, de nefrologia, de oncologia, de tratamento intensivo em muitos domínios) reúnem-se os meios humanos (médicos, enfermeiros e técnicos) e os equipamentos que permitem manter as funções vitais em muitos doentes, monitorizando as situações clínicas e corrigindo o mais precocemente possível os desvios dos parâmetros vitais monitorizados. Estas unidades melhoram a evolução das situações específicas para que foram criadas. Portanto, tendo a admissão oportuna dos doentes nestas unidades implicações prognósticas, a organização dos cuidados de saúde impõe que as estejam localizadas de tal modo que possam beneficiar o conjunto da população em condições de razoável equidade. O acesso às unidades especializadas em cada hospital deverá seguir um protocolo segundo o qual os doentes sejam admitidos segundo orientações definidas, sem discriminação no que se refira, nomeadamente, a critérios de natureza étnica e económica, de sexo e de idade.


Pode haver dificuldades acrescidas nas condições de recolha do consentimento informado dos doentes nas unidades de tratamento intensivo, nomeadamente pela urgência da intervenção a qual poderá permitir apenas o consentimento presumido. No entanto, os doentes mantêm incólume o direito à participação nas decisões que às suas pessoas e à sua doença se refiram, sobretudo nas questões fundamentais dos objectivos da intervenção terapêutica e das medidas que impliquem riscos ou sofrimentos particulares. O consentimento informado envolve toda a informação necessária para chegar a uma decisão sobre o assentimento ou sobre a recusa de uma certa intervenção. Os doentes têm direito a uma ideia correcta sobre o diagnóstico, o prognóstico, os meios de intervenção, a probabilidade da ocorrência de efeitos adversos, a existência de eventuais meios alternativos, o direito a ter presente o seu médico assistente, o direito de ouvir outras opiniões, o direito a não ser informados se assim claramente o expressarem, e, finalmente, o direito a recusar as intervenções propostas. Os doentes têm ainda o direito de conhecer a identificação e a experiência profissional das pessoas que se ocupam do tratamento da sua doença.


O estabelecimento de uma comunicação adequada e eficaz exige tempo, treino, planeamento e um ambiente adequado. É preciso que toda a equipa tenha uma linguagem simples, objectiva e verdadeira, e não haja contradições nas informações facultadas. Para tal é necessário que exista coordenação. Recomenda-se a existência de regras elementares escritas e facilmente acessíveis aos doentes e aos que os rodeiam sobre os objectivos e o funcionamento das unidades, onde constem os nomes e as imagens das pessoas que constituem a equipa de intervenção. Pode existir um primeiro documento distribuído na altura da admissão com instruções muito simples, nomeadamente sobre os horários, as condições de visita e o modo de acesso a informações sobre a situação clínica dos doentes. Pode haver outros documentos e material audiovisual que complementem a informação inicial sobre a instituição e sobre as situações clínicas mais comuns internadas na unidade; podem abordar as primeiras fases da reabilitação e da prevenção secundária. Estas medidas tornam mais fácil o contacto entre as pessoas e sobretudo demonstram o desejo de estabelecer uma relação aberta e franca entre os intervenientes.


A permanência numa unidade de tratamento intensivo pode constituir uma experiência extremamente penosa para os doentes, particularmente nas doenças arrastadas e com mau prognóstico. Deve haver acesso a apoio psicológico continuado, ao apoio da família, ao apoio da comunidade e à assistência espiritual de acordo com a expressão dos desejos manifestados. As situações mais difíceis referem-se aos doentes em estado vegetativo persistente e às doenças crónicas dependentes de apoio continuado às funções vitais, nomeadamente no que se refere à ventilação artificial e à nutrição. Os médicos e os enfermeiros devem conhecer os pontos de vista das pessoas doentes e das suas famílias. Alguns transmitem claramente os seus pontos de vista sobre a situação; outros não conseguem exprimir-se. A existência de um testamento vital contendo os desejos livremente expressos pelo doente antes do episódio que conduziu ao internamento pode contribuir para as decisões, tendo sempre em conta que as pessoas doentes podem sempre mudar de atitude relativamente à vontade expressa noutras circunstâncias da sua vida.

8 - Níveis de intervenção

Pode ser útil para todos os intervenientes designar expressamente os níveis de cuidados de intervenção terapêutica que são adequados para os doentes portadores de situações graves, progressivas e irreversíveis. Todos os membros da equipa, nomeadamente os médicos, os enfermeiros e os técnicos devem conhecer os objectivos das medidas tomadas em todas as fases da doença. As decisões devem ficar claramente especificadas no processo clínico do doente.

Os quatro níveis de intervenções terapêuticas a prestar aos doentes em situações graves e irreversíveis, os quais constituem, portanto, patamares de intervenção, podem ser descritos deste modo:


1 - Reanimação cardíaca e respiratória – cuidados sem os quais a morte é imediata;
2 - Cuidados continuados de reanimação e cuidados de tratamento intensivo (incluindo a profilaxia e o tratamento das arritmias cardíacas, a utilização de ventilação externa, de dispositivos de assistência circulatória e equipamentos de hemodiálise) – são os cuidados de manutenção da vida;
3 - Cuidados médicos gerais, o controlo da dor, o domínio da infecção, a administração de antibióticos, a cirurgia, a quimioterapia, a utilização de outros fármacos no sentido de manter a homeostase, a hidratação e a nutrição artificiais;
4 - Cuidados gerais de enfermagem e todas as medidas destinadas ao conforto dos doentes incluindo o controlo da dor, da ansiedade e do sofrimento, a hidratação e a nutrição.

Os programas de intervenção têm necessariamente que ser individualizados em função da situação e da sua provável evolução. Se o doente estiver consciente deve poder estar informado da sua situação; ele e a família devem conhecer os níveis de intervenção terapêutica e os seus objectivos.

No termo das doenças irreversíveis não deve haver lugar para a reanimação cardíaca e respiratória. O único limite será a incerteza do diagnóstico, situação que necessariamente terá de impor o início imediato e continuado de todas as medidas de reanimação. Quando é possível conhecer as situações com antecipação há vantagem em que toda a equipa conheça a existência de instruções de não reanimação as quais serão decididas em conjunto, por consenso, anotando as decisões de “não reanimar” no processo clínico.

As instruções de não reanimar numa situação de paragem cardíaca ou respiratória são justificadas nas seguintes circunstâncias:


1 - Quando é manifestamente previsível que a reanimação não é possível ou quando o doente imediatamente a seguir repetirá o processo que conduziu à paragem cardíaca;
2 - Quando a paragem for o termo de uma doença de evolução necessariamente fatal bem documentada;
3 - Quando a qualidade de vida previsível após a reanimação for tal que não é seguramente aceite pelo doente.

A existência de alterações na consciência impõe limites à participação dos doentes nas decisões que se referem ao tratamento da sua doença.


Quando há cessação definitiva de todas as funções do tronco cerebral avaliadas segundo os critérios generalizadamente aceites, o doente morreu e não há lugar para se prosseguirem intervenções terapêuticas, a não ser no sentido da eventual conservação de órgãos.

Nas situações de estado vegetativo persistente existem destruições graves e irreversíveis do neocortex cerebral persistindo outras funções do sistema nervoso central. Os doentes recuperam do estado de coma profundo, têm respiração espontânea, podem ter resposta a estímulos dolorosos, podem estar presentes funções vegetativas e reflexos primitivos que dependem do tronco e não dependem da regulação cortical. Há incontinência dos esfíncteres e não existe evidência cognitiva de qualquer natureza, como não têm capacidade de conhecer o sofrimento.
A situação de estado vegetativo persistente não pode ser diagnosticada de imediato, sendo geralmente necessário um período de observação de um a vários meses. A vida destes doentes pode ser prolongada por muito tempo (dezenas de anos) desde que lhes sejam ministradas a hidratação e a alimentação e existam os cuidados de enfermagem adequados. Existe possibilidade de recuperação em 1 a 2 % dos casos a qual depende da etiologia. Se a causa for traumática ou o resultado de reanimação cardíaca por doença súbita a manutenção do estado vegetativo persistente por mais de um mês torna altamente improvável a recuperação. Nas doenças degenerativas e progressivas a possibilidade de recuperação é nula. A orientação da terapêutica depende da causa inicial. Os doentes nesta situação encontram-se completamente dependentes dos cuidados que lhes são prestados: Quando a situação neurológica se confirma, o que deve ser feito cuidadosamente, deve tentar conhecer-se circunstanciadamente os desejos manifestados antecipadamente. Se não existem indicações claras para o prosseguimento dos cuidados deve ter-se em conta o melhor interesse do doente. A situação deve ser claramente discutida entre toda a equipa de intervenção e os familiares.

Os doentes com demências graves e progressivas e com a consciência gravemente comprometida chegam a esta situação no curso de um longo processo de doença. A vontade expressa dos doentes e da família é muito importante na orientação dos cuidados a prestar. No estado final quando existe uma doença intercorrente é legítimo não efectuar todas as medidas terapêuticas e ajustar os cuidados para evitar o prolongamento desnecessário, fútil e inconveniente da situação e o sofrimento sem esperança.

Se os doentes estão conscientes da presença de uma doença progressiva e mortal toda a equipa terapêutica deve ser particularmente sensível ao seu sofrimento e às suas necessidades fundamentais, nomeadamente aos aspectos da qualidade da informação a prestar e a outros aspectos afectivos e psicológicos que se referem ao enquadramento do doente. Por vezes a terapêutica da dor pode exigir analgésicos corticais e intervenções por equipas especializadas que devem ser utilizadas sempre que tal for possível. O nível de cuidados deverá ser planeado de acordo com o doente e a sua família. Em muitos casos os doentes rejeitam explicitamente formas agressivas de intervenção; a equipa não deverá, no entanto, abster-se de manifestar sempre a sua opinião.

Quando os cuidados a prestar não exigirem o internamento em hospitais do nível terciário sem quebra da eficácia da intervenção médica e da dignidade do doente, de acordo com todos os intervenientes, poderá haver transferência para um local onde seja possível um melhor enquadramento familiar do doente no seu domicílio, num hospício, num hospital local ou numa unidade de tratamentos especializados. Estas unidades poderiam generalizar-se nas comunidades locais. Nalguns hospitais é possível manter equipas organizadas, com médicos, enfermeiros, assistentes sociais e pessoal auxiliar que prolongam o cuidados hospitalares no domicílio e mantêm a continuidade do apoio diferenciado em conjugação com a actuação dos médicos assistentes.

9 - Epílogo

Costumo resumir numa sigla um conjunto de regras simples na abordagem dos doentes em situação terminal. Estas regras constituem uma simplificação grosseira e porventura ilegítima dos conhecimentos e das aptidões necessárias na abordagem destes doentes e das suas famílias. Refiro-me a esta sigla, quase no termo da minha intervenção, apenas porque pode ajudar-nos a organizar o nosso pensamento sobre as intervenções nos doentes com piores prognósticos. A sigla forma a palavra HELP.
H – Representa a formação Humanística necessária aos enfermeiros, aos técnicos e aos médicos que tratam destes doentes: uma formação multicultural, científica, espiritual e religiosa, que permita uma comunicação fácil e verdadeira com os doentes e com os que os rodeiam, qualquer que seja o seu modo de vida e a sua maneira de viver.
E – Da palavra Estar. Estar com os doentes, estar presente na situação real, tendo os conhecimentos e tomando as atitudes correctas, dominando a tecnologia e os instrumentos adequados, tendo as equipas preparadas e entre si participativas e comunicantes. Estar também como pessoa com os doentes, acompanhando os seus semelhantes e compreendendo as situações mais difíceis e o sofrimento que lhes é inerente.
L – Da palavra Ligação. Ligação que significa relação com verdade, humanidade, serenidade, sabendo aproveitar as oportunidades para poder transmitir as notícias e as informações de acordo com a situação e com a cultura dos doentes, tendo o benefício do doente como o primeiro objectivo, sabendo pedir a ajuda necessária a outras equipas e a outros técnicos quando as circunstâncias o exigirem.
P - Formação em cuidados Paliativos que devem ser incluídos nos curricula da pré e da pós-graduação. Para muitos doentes o objectivo fundamental da intervenção da equipa terapêutica é aliviar o sofrimento e acompanhar as famílias. A formação em cuidados paliativos é absolutamente fundamental no exercício da Medicina e da Enfermagem em todos os níveis de cuidados de saúde.

A vida humana suporta todos os outros valores, nomeadamente a existência da consciência reflexiva; é a base de todos os direitos de cidadania e de espiritualidade. É inviolável em sim mesma. A vida não adquire nem perde o seu valor por se situar em condições limite, nomeadamente por doença, por mais precárias que sejam.



O valor da vida humana pode entrar em conflito com o valor de uma morte digna já que este valor se encontra ligado à imagem integral da pessoa. Neste sentido o doente tem o direito a manter um diálogo aberto e confiante com os médicos, com os que o rodeiam, e a conhecer a verdade da sua situação. Tem direito a receber os tratamentos adequados, segundo o estado da arte médica e as possibilidades da sociedade em que se insere. Tem, nomeadamente, direito aos cuidados paliativos que devem organizar-se nas comunidades locais. Tem sempre o direito de não receber tratamentos fúteis, inadequados e desproporcionados à sua situação.



O acompanhamento adequado dos doentes em situação terminal por parte de uma equipa terapêutica deve prosseguir objectivos claros durante todo o período de intervenção. Um primeiro objectivo deverá ser o de diminuir a dor, a ansiedade e o desconforto dos doentes. As equipas terapêuticas contam hoje com especialistas que dominam técnicas múltiplas que concorrem para uma significativa melhoria da qualidade na última fase da vida. Um segundo objectivo é o de prolongar a vida. O objectivo de prolongar a vida tem limites: deve estar subordinado às possibilidades de autonomia, à dignidade da vida e ao grau de sofrimento. O terceiro objectivo deverá ser o de tratar os doentes segundo a sua cultura os seus próprios desejos, e os seus valores. Um quarto e último objectivo será o de enquadrar os doentes no seu modo de viver, segundo a sua vontade e segundo os seus afectos. Se for possível tratar os doentes sem desorganizar a família.



O termo da vida é um fenómeno natural. Tanto como o seu início. O homem é, no entanto, o único ser vivo que tem consciência da sua finitude. E deve ter consciência dos limites das suas intervenções. No exercício actual da medicina porventura as decisões mais difíceis, mais controversas e mais carregadas de conteúdo emocional referir-se-ão às situações nas quais se opta por não utilizar todas as medidas terapêuticas disponíveis. Será afinal e uma vez mais a utilização adequada da Medicina. As tecnologias biomédicas actualmente existentes aplicadas nas situações limite exigem um suplemento de formação humana, de coordenação da equipa terapêutica e de capacidade de comunicação que constituem os elementos fundamentais na organização do apoio aos doentes e às suas famílias.


Alexandre Laureano Santos, Médico (02/06/07)