1 – Barriga de aluguer é a expressão corrente que
identifica com precisão o que por vezes também se designa por “maternidade de
substituição” (como faz a lei portuguesa) mas que em nosso entender não diz com
clareza do que se trata.
2 – Trata-se na verdade de um processo de reprodução
artificial em que uma mulher cede o seu útero para que nele seja implantado um
óvulo já fecundado, comprometendo-se a gerar uma criança e a entregá-la no
final da gestação, à dadora do óvulo ou a uma terceira pessoa que lhe encomenda
tal gestação. Independentemente de haver ou não dinheiro envolvido neste
processo o certo é que se trata de um contrato com direitos e encargos para
ambas as partes. Por isso estamos perante um verdadeiro negócio, cujo objecto é
uma criança.
3 – A literatura e o cinema estão cheios de “casos” que
mostram a dramaticidade resultante de tais negócios. Mas não é só ficção.
Países como os Estado Unidos da América têm já vastos e complexos casos
judiciais trazidos a público, onde mães (de aluguer) na hora do parto dizem –
este filho é meu – e não o entrego…; casais que confiantes em contratos muito
bem elaborados por advogados, pagos a peso de ouro, se vêem chantageados no
final para que lhes seja entregue aquela criança onde tanta esperança
depositaram; ou nascendo a criança com alguma doença ou malformação é rejeitada
pelo casal, que não a reconhece como sendo “a encomendada”. Acrescem os relatos
de mulheres que, por dificuldades económicas, vêem na “barriga de aluguer” uma
fonte de receita – quase como uma profissão – obtida com o aluguer do seu
útero. Muitos são os casos, e outros que a imaginação pode intuir.
4 – Se há uns anos atrás a expressão remetia para uma
prática desumana e contra-natura a que a larga maioria da população se opunha,
hoje a sensibilidade comum parece estar a mudar. Para isso, foi feito, tal como
nas outras matérias da Bioética (aborto, eutanásia, etc.), um caminho que se
pauta, como sempre, por clássicas abordagens. Assim,
a) Começa por só se admitir nos casos extremos, de
grande necessidade e raros. Um exemplo – só se admite se for para um casal cuja
mulher teve um cancro no útero e por isso pede à irmã que a ajude... Como se
uma lei fosse feita para os casos particulares, particularíssimos…
b) Depois, diz-se que ainda que moralmente censurável,
ninguém é obrigado a recorrer a esta técnica….
c) Em terceiro lugar destina-se “sempre” a pessoas
muito infelizes que precisam do nosso apoio e compreensão…
d) Em último lugar, “já se faz” porque não legalizar…
5 – Isto é, a abordagem nunca se faz pela essência da
questão ética e ontológica mas por particulares muito particulares que ofuscam
a questão.
Ora, o que está em questão na barriga de aluguer
quanto a nós, são três dimensões que importa reflectir:
- Em primeiro lugar
estamos a falar da gestação de um ser
humano que tem direito a uma identidade
genética (no sentido mais amplo e que recebe, por um lado os genes de duas
pessoas e por outro a nutrição e comunicação vital intra-uterina (com
consequências psíquicas) de uma outra pessoa, a mãe de substituição (quando a
medicina hoje identifica como sendo de fundamental importância a transmissão de
afectos, vivências, conhecimento e doenças, etc. nesta relação intra-uterina).
- Em segundo
lugar, num tempo em que tanto se fala de Direitos da Mulher, de Dignidade da Mulher,
perguntamo-nos porque se admite na lei, que uma mulher passe 9 meses a gerar
uma criança, criando laços de afecto (corpo do meu corpo) e vivências, e no
final lhe seja arrancado esse filho.
- Em terceiro
lugar pensamos no adolescente que não sendo gerado pela mãe com quem vive, nem
resulta do óvulo desta, vem a saber que geneticamente é filho de outra mulher
(é filho de três mulheres – a que deu o óvulo, a que o gerou e a que
socialmente é tida por mãe)… que questões de identidade se lhe colocam? Tem
direito a conhecer as doenças hereditárias transmissíveis que aquela mãe
genética tinha?
(…)
Oxalá o legislador saiba qual a função da lei. Basta
de leis que não respeitando a natureza humana tornam cada vez mais o homem
escravo de si próprio, das ideologias e em última instância escravo do Poder.
Isilda Pegado
Presidente Federação Portuguesa pela Vida
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