quarta-feira, 26 de março de 2014

Ser gay e ser casto ?


Já nem me lembro de que, para alguns, dizer "homossexual" é referir-se a uma raça diferente, ou até a um género diferente. Já nem me lembro de que alguns cristãos pensam que sou o tipo mais pervertido (mas um pervertido que têm de tratar cordialmente), e de que alguns laicistas pensam que sou o tipo mais hipócrita. Uns por eu sentir atracção por pessoas do mesmo sexo, e os outros por eu não praticar essa atracção.

É melhor lerem de novo a última parte.

Exacto: sinto atracção por homens. Não, eu não durmo com eles, pela mesma razão que montes de católicos não dormem com as pessoas com quem não estão casados. Acho que iam ficar espantados com a quantidade de vezes que as pessoas ouvem a primeira parte (ele é gay) mas não a segunda (ele é celibatário) – apesar da segunda parte ser a única que é da minha responsabilidade.

Certa vez escrevi todo um artigo sobre como é que é isto de ser celibatário e gay e católico, e sabem qual foi a primeira reacção que apareceu na caixa de comentários? "Arrepende-te!".

http://www.catholiceducation.org/images/Christ/christcross56.jpgNão é que sejam assim todos os que descobrem que eu sou gay. Na maioria dos casos, as pessoas a quem disse – principalmente família e amigos – reagem com compaixão e até admiração. Tipicamente dizem "fico contente de que confies em mim ao ponto de me contares isso". Mas mesmo os mais compreensivos nem sempre compreendem o que é que eu estou a dizer, quanto mais não seja porque (ao contrário de mim) não gastaram os últimos 14 anos a descobrir, e também porque a frase "eu sou gay" não é uma frase simples.

Não me incomoda muito a palavra "gay", mas alguns de nós no espaço católico gay preferimos a expressão "atracção pelo mesmo sexo" (ingl. same sex attraction; abrev. SSA). Parece-me mais rigorosa que "gay" ou "queer" ou outras, porque dá a entender que a homossexualidade é qualquer coisa que eu tenho, mais do que qualquer coisa que eu sou. É assim que eu vejo as coisas. Por isso a ideia de cultura gay, direitos gay, casamento gay, e "tudo o mais" gay, é estranha para mim. Seria como falar da cultura "intolerância ao glúten", ou dos direitos "músicos".

Isso não quer dizer que eu não me identifique fortemente com aqueles aspectos do meu ser que é habitual serem associados à ideia de se ser "gay". Tenho sensibilidade musical, sou palavroso, sou intuitivo, tenho um forte sentido estético. Mas os homens com SSA não tem o monopólio dessas coisas, e o facto de eu ter essas características não significa que eu faça parte de uma cultura especial; significa apenas que eu sou eu próprio, e não sou outra pessoa.

Também não quero banalizar a experiência de ter SSA (atracção pelo mesmo sexo). O sexo não é tudo, mas, como qualquer pessoa que tenha disfunção sexual sabe, é muito. Juntem o aspecto sexual às outras coisas que homens e mulheres homossexuais frequentemente experimentam – depressão, baixa auto-estima, solidão, sensação (ainda que falsa) de ser totalmente diferente – e vão descobrir que é uma cruz pesada.

http://www.catholiceducation.org/images/CERC/space.jpg

Experimentei fazer tratamentos em todas as áreas que referi, mas ninguém fica totalmente tratado neste lado de cá do céu. A solidão pode ser a pior parte: não a ausência de amigos, porque eu tenho amigos, mas o esforço de abrir caminho para viver numa sociedade que constantemente te está a dizer que o amor romântico é o único acesso para a verdadeira felicidade, e que o celibato (para não dizer a virgindade!) é uma espécie de transtorno psíquico.

Depois há a questão da amizade. Gosto de homens, e vou gostar sempre. Isso não é bizarro, não é estranho, nem sequer é gay. Mas não é tão simples como dizer "vê, mas não toques" – a castidade é uma questão do coração, da alma, das emoções, mas é também uma questão inguinal. O que é que fazes se o teu melhor amigo te excita? Como se aprende a amar outro homem sem o converter num ídolo?

http://www.catholiceducation.org/images/CERC/blue.gif
Yes, I'm attracted to men;  no, I don't sleep with them, for the same reason that a lot of Catholics don't sleep with people they're not married to.
http://www.catholiceducation.org/images/CERC/blue.gif

Estas questões continuam presentes em mim mas já nenhuma delas é o centro das atenções. É preciso lutar, rezar e pedir conselho, oferecer eventuais quedas, e levar a nossa vida para a frente. Nenhuma das coisas que tenho de fazer é exclusiva de homens ou mulheres gay. Ser "hetero" não é garantia de ter uma sexualidade saudável, luminosa, integrada; apenas significa que o mesmo concerto musical belo e dramático é tocado numa clave diferente. Ninguém pode saltar fora deste barco.

Mas as coisas melhoram. Se há dez anos alguém me dissesse que a minha vida iria ser como é hoje os meus olhos teriam saltado das órbitas. Nunca imaginei que as coisas pudessem chegar a ser tão boas, que eu me tornaria tão confiante, que muitas vezes eu iria sorrir sem ter nenhuma razão especial.

Você deve estar agora a perguntar como é que eu consegui vir de lá até aqui. Não tenho uma resposta rápida. Foi preciso muita oração e muito trabalho, e o amor e a paciência de irmãos, irmãs, conselheiros, e amigos. Se quer um bom ponto para começar – para si ou para alguém que conheça, ou simplesmente porque quer compreender tudo isto um pouco melhor, eu recomendo fazer uma visita a People Can Change e Courage. Sugiro conseguir um exemplar de Fr. Harvey The Homosexual Person e do livro de Alan Medinger Growth Into Manhood.  Também pode tentar a obra de Melinda Selmys Sexual Authenticity e a de Wesley Hill Washed and Waiting.  E obviamente também há o meu blog.

Mas o mais importante deve ser mesmo isto: é possível, mas sozinho não é possível – e a Igreja pode ser a melhor aliada. Talvez ainda não compreenda porque é que a Igreja ensina o que ensina; mas não desista de a ouvir. Talvez ainda não sinta o amor de Jesus na Missa; então vá mais vezes, não menos vezes. Talvez tenha ido a um padre que não percebeu, então encontre um que perceba.

Acima de tudo, não aceite respostas fáceis, nem da direita nem da esquerda. O caminho mais rápido raramente é o mais correcto, e o chegar pelo mais longo faz a viagem valer a pena.

Sem comentários: