Já nem me lembro de que, para
alguns, dizer "homossexual" é referir-se a uma raça diferente, ou até
a um género diferente. Já nem me lembro de que alguns cristãos pensam que sou o
tipo mais pervertido (mas um pervertido que têm de tratar cordialmente), e de
que alguns laicistas pensam que sou o tipo mais hipócrita. Uns por eu sentir
atracção por pessoas do mesmo sexo, e os outros por eu não praticar essa
atracção.
É melhor lerem de novo a última parte.
Exacto: sinto atracção por homens. Não,
eu não durmo com eles, pela mesma razão que montes de católicos não dormem com
as pessoas com quem não estão casados. Acho que iam ficar espantados com a
quantidade de vezes que as pessoas ouvem a primeira parte (ele é gay) mas não a
segunda (ele é celibatário) – apesar da segunda parte ser a única que é da
minha responsabilidade.
Certa vez escrevi todo um artigo
sobre como é que é isto de ser celibatário e gay e católico, e sabem qual foi a
primeira reacção que apareceu na caixa de comentários? "Arrepende-te!".
Não é que sejam assim todos os que
descobrem que eu sou gay. Na maioria dos casos, as pessoas a quem disse –
principalmente família e amigos – reagem com compaixão e até admiração.
Tipicamente dizem "fico contente de
que confies em mim ao ponto de me contares isso". Mas mesmo os mais
compreensivos nem sempre compreendem o que é que eu estou a dizer, quanto mais
não seja porque (ao contrário de mim) não gastaram os últimos 14 anos a
descobrir, e também porque a frase "eu
sou gay" não é uma frase simples.
Não me incomoda muito a palavra "gay", mas alguns de nós no
espaço católico gay preferimos a expressão "atracção
pelo mesmo sexo" (ingl. same sex
attraction; abrev. SSA). Parece-me mais rigorosa que "gay" ou "queer"
ou outras, porque dá a entender que a homossexualidade é qualquer coisa que eu
tenho, mais do que qualquer coisa que eu sou. É assim que eu vejo as
coisas. Por isso a ideia de cultura gay, direitos gay, casamento gay, e "tudo o mais" gay, é estranha
para mim. Seria como falar da cultura "intolerância
ao glúten", ou dos direitos "músicos".
Isso não quer dizer que eu não me
identifique fortemente com aqueles aspectos do meu ser que é habitual serem associados
à ideia de se ser "gay".
Tenho sensibilidade musical, sou palavroso, sou intuitivo, tenho um forte
sentido estético. Mas os homens com SSA não tem o monopólio dessas coisas, e o
facto de eu ter essas características não significa que eu faça parte de uma
cultura especial; significa apenas que eu sou eu próprio, e não sou outra
pessoa.
Também não quero banalizar a experiência
de ter SSA (atracção pelo mesmo sexo). O sexo não é tudo, mas, como qualquer
pessoa que tenha disfunção sexual sabe, é muito. Juntem o aspecto sexual às
outras coisas que homens e mulheres homossexuais frequentemente experimentam –
depressão, baixa auto-estima, solidão, sensação (ainda que falsa) de ser
totalmente diferente – e vão
descobrir que é uma cruz pesada.
Experimentei fazer tratamentos em
todas as áreas que referi, mas ninguém fica totalmente tratado neste lado de cá
do céu. A solidão pode ser a pior parte: não a ausência de amigos, porque eu
tenho amigos, mas o esforço de abrir caminho para viver numa sociedade que
constantemente te está a dizer que o amor romântico é o único acesso para a
verdadeira felicidade, e que o celibato (para não dizer a virgindade!) é uma
espécie de transtorno psíquico.
Depois há a questão da amizade.
Gosto de homens, e vou gostar sempre. Isso não é bizarro, não é estranho, nem
sequer é gay. Mas não é tão simples como dizer "vê, mas não toques" – a castidade é uma questão do
coração, da alma, das emoções, mas é também uma questão inguinal. O que é que
fazes se o teu melhor amigo te excita? Como se aprende a amar outro homem sem o
converter num ídolo?
Yes, I'm
attracted to men; no, I don't sleep with them, for the same reason that
a lot of Catholics don't sleep with people they're not married to.
|
Estas questões continuam presentes
em mim mas já nenhuma delas é o centro das atenções. É preciso lutar, rezar e
pedir conselho, oferecer eventuais quedas, e levar a nossa vida para a frente.
Nenhuma das coisas que tenho de fazer é exclusiva de homens ou mulheres gay. Ser
"hetero" não é garantia de
ter uma sexualidade saudável, luminosa, integrada; apenas significa que o mesmo
concerto musical belo e dramático é tocado numa clave diferente. Ninguém pode
saltar fora deste barco.
Mas as coisas melhoram. Se há dez
anos alguém me dissesse que a minha vida iria ser como é hoje os meus olhos
teriam saltado das órbitas. Nunca imaginei que as coisas pudessem chegar a ser
tão boas, que eu me tornaria tão confiante, que muitas vezes eu iria sorrir sem
ter nenhuma razão especial.
Você deve estar agora a perguntar
como é que eu consegui vir de lá até aqui. Não tenho uma resposta rápida. Foi
preciso muita oração e muito trabalho, e o amor e a paciência de irmãos, irmãs,
conselheiros, e amigos. Se quer um bom ponto para começar – para si ou para
alguém que conheça, ou simplesmente porque quer compreender tudo isto um pouco
melhor, eu recomendo fazer uma visita a People Can Change e Courage. Sugiro conseguir um exemplar de
Fr. Harvey The
Homosexual Person e do livro de Alan Medinger Growth
Into Manhood. Também pode tentar a obra de Melinda Selmys Sexual
Authenticity e a de Wesley Hill Washed
and Waiting. E obviamente também há o meu blog.
Mas o mais importante deve ser mesmo
isto: é possível, mas sozinho não é possível – e a Igreja pode ser a melhor aliada.
Talvez ainda não compreenda porque é que a Igreja ensina o que ensina; mas não
desista de a ouvir. Talvez ainda não sinta o amor de Jesus na Missa; então vá
mais vezes, não menos vezes. Talvez tenha ido a um padre que não percebeu,
então encontre um que perceba.
Acima de tudo, não aceite respostas
fáceis, nem da direita nem da esquerda. O caminho mais rápido raramente é o
mais correcto, e o chegar pelo mais longo faz a viagem valer a pena.
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