quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Rádio Europa Lisboa


31 de Outubro. Final de tarde em Lisboa. Início de fim de semana prolongado, uma Quarta-feira que quase parece uma Sexta. Nas vias envolventes da capital, trânsito e mais trânsito, para muitos, do emprego para casa, para outros, já de partida, para fora da cidade, a caminho do Norte, do Sul, do Algarve, em mini-férias...
O centro da cidade já lá vai, a autoestrada fervilha ainda de viaturas mas agora mais velozes, tudo mais fluido. Para fugir aos “informativos de trânsito” sempre iguais e às notícias sempre repetitivas, o autorádio está sintonizado na Rádio Europa Lisboa, FM 90.4, sempre se ouve alguma música, algum jazz, por exemplo.
Estão agora a entrevistar alguém. Olha, conheço esta voz! Não ouvi as apresentações, mas já sei quem é: o Fernando Ribeiro e Castro. Trata-se de uma entrevista a propósito da petição... Sim, também já assinei, juntamente com os outros 25 mil subsritores que ele refere. Trata-se de pôr termo a mais uma estupidez fiscal: pais divorciados ou separados podem deduzir até 6500 euros de pensão de alimentos (por cada filho) em sede de IRS, uma dedução que pode representar mais de 500 contos de ganho efectivo para o contribuinte, ao contrário de um pai e de uma mãe casados, que todos os dias alimentam os filhos, mas nada podem deduzir a esse título. Mas a entrevista vai correndo outros assuntos e outros códigos fiscais. Todos têm as suas “pechas” e muitas disposições enfermam de enviezamentos claramente contra as famílias, em particular contra aquelas que têm mais filhos. Fernando Ribeiro e Castro vai dando exemplos: as pizzas, as coca-colas, têm IVA reduzido, como se fossem bens de primeiríssima necessidade, as fraldas para bébé ou as cadeirinhas de automóvel, bens em favor da saúde e da segurança das crianças, são taxadas a 21%... O Imposto Automóvel também não é amigo das famílias numerosas: para as finanças, comprar um jeep enorme para transportar o barco ou fazer todo-o-terreno tem o mesmo valor social do que comprar um monovolume ou uma minivan para transportar vários filhos, a fiscalidade é cega relativamente à utilização dos bens: ostentação, luxo ou genuína necessidade, está tudo no mesmo saco. E que dizer do IMI de uma casa de 200 metros quadrados, por exemplo? Aos pais com vários filhos, diz Fernando Castro, dizem-nos que podemos sempre pô-los a dormir em beliches, comprar mais uma cama desmontável, etc, não precisamos de benefícios no IMI, nem de casas grandes... então nós perguntamos, e os outros, os que vivem sem filhos em apartamentos amplos e sumptuosos, porque é que não lhes dizem para viver em mini-apartamentos, tipo “cacifos“, engavetados, como os nossos filhos? Não seria mais justo modular o IMI em função da real necessidade de espaço?
Mas a entrevista vai no seu auge e Fernando Castro bate em cheio num dos pontos mais dolorosos de toda esta injustiça fiscal e social: as reformas! Aqui, a hipocrisia estatal torna-se paradoxal. Deduções fiscais por PPRs? Mas qual é a lógica? Não precisamos de incentivar nem desincentivar isso! É “igual ao litro” se o Manuel ou o Joaquim faz ou não um PPR, não é isso que vai resolver o problema das reformas em Portugal. O Estado não deve desperdiçar recursos nem financiar as instituições financeiras com soluções milagrosas. As verdadeiras pensões de reforma estão no rendimento futuro gerado pelos nossos filhos, cujos impostos e contribuições, essas sim, um dia, vão permitir aos futuros pensionistas receber as suas reformas. E aí, uma vez mais, não se percebe porque é que o Estado não apoia a família e em especial as famílias com vários filhos. Porque os nossos filhos vão pagar, não só as nossas pensões, mas ainda as pensões dos que optaram por não ter filhos, que não fizeram sacrifício algum para os criar, não se privaram nem contribuiram para esse bem social que é a natalidade.
A entrevista chega ao fim. A entrevistadora agradece a Fernando Ribeiro e Castro. Valeu a pena pôr o dedo na ferida, uma vez mais, sem papas na língua. A autoestrada já ficou para trás. O jazz toma conta da emissão na Rádio Europa Lisboa. O feriado de Todos os Santos vai começar.

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