segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

20 anos depois

 
 
Carlos e Regina estavam eufóricos. Iriam, enfim, realizar o sonho que os acompanhava nos últimos anos. A igreja para o casamento tinha sido escolhida com carinho; os convites foram distribuídos a tempo e toda a festa estava preparada nos mínimos detalhes.
Não faltaram as brincadeiras dos amigos: “Até que enfim! Até que enfim!...” Sentiam que valera a pena terem namorado durante alguns anos, como também guardavam belas recordações dos meses de noivado. Podiam dizer que se conheciam bem. Diante do que era essencial, estavam plenamente de acordo. Só faltava mesmo dizerem mutuamente o “sim” diante de Deus e dos homens.
O “sim” – «Eu te recebo e te prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida» – foi dito com alegria. Ela estava trémula, emocionada. Sua voz mal saiu. Ele estava mais sério do que de costume. Ali, diante do altar, até se lembrou da primeira vez que, logo que começou a estudar, foi obrigado a recitar uma poesia diante dos colegas: todos olhavam para ele e a poesia não saía. Parecia que alguém tapava sua boca...
Agora, no momento dos cumprimentos, os noivos perceberam a sinceridade dos amigos que lhes desejavam felicidades. Haveria, no mundo, um casal mais feliz? A vida abria um largo sorriso para eles. Eles, por sua vez, olhavam para o futuro com confiança e alegria.
Vinte anos depois do casamento, custava ao sacerdote convencer-se do que ouvia. Não tivesse motivos suficientes para acreditar em Luís António, filho de Carlos e Regina, poderia achar que estivesse exagerando. Fora o jovem que, livremente, o procurara. Ouvindo-o, era difícil convencer-se que aquele jovem tinha somente 18 anos. Em alguns momentos, o sacerdote tinha a impressão de estar diante de alguém que já tivesse vivido uns 40 ou 50 anos. Era-lhe doloroso ouvir uma história marcada por tanta dor e solidão. Nada faltava ao jovem: tinha bela casa, frequentava a faculdade e, para seu próximo aniversário, os pais haviam prometido um presente especial. Mas o jovem dizia não ser feliz.
O seu pai, ocupado demais com os negócios, não tinha tempo nem para ele, Luís António, nem para os outros filhos. Levava uma vida agitada, cheia de compromissos, mas certo de que trabalhava para a família, unicamente para o bem dos filhos. Afinal, dava-lhes o necessário e tudo o que podia. Estava convicto de que eles não tinham nada de que reclamar.
A sua mãe tinha a certeza de que era a melhor mãe do mundo. Porém, de tão ocupada, não percebia que, na verdade, pouco conhecia da vida deles, dos amigos que tinham e das preocupações dos filhos. Nem se lembrava da última conversa mais profunda que tivera com eles. Conhecia, tão somente, uma série de factos, fruto das conversas nas refeições.
Luís António não se sentia amado: era esse o seu drama. O drama dos seus pais era outro: conscientes de serem os melhores pais do mundo, não compreendiam por que o filho os agredia tanto. Como não eram capazes de se colocar no lugar do filho, não conseguiam avaliar a sua solidão. Também não percebiam que a educação que davam aos filhos sofria uma concorrência imensa: concorria com as idéias dos meios de comunicação social, dos professores, dos colegas; do mundo todo, enfim. Não poucas vezes, havia oposição total entre tais ideias.
Luís António, desorientado, precisava urgentemente da atenção, da presença e do amor dos pais. No momento essa era a única linguagem que poderia atingi-lo, a única que entenderia. No entanto, ilhados nos seus próprios problemas e assoberbados por inúmeras tarefas e preocupações, os pais não viam as barreiras que os distanciavam do filho.
Onde, afinal, ficaram os sonhos de vinte anos atrás? Em que lugar do mundo foram enterradas aquelas frases do noivado: «Carlos, vamos viver só para os nossos filhos!» e «Regina, nosso lar será o melhor do mundo! Vamos transmitir aos nossos filhos todo o amor que há em nós!...»?
Que estranha vida é essa que deforma e destrói tantos sonhos?...
 
D. Murilo Krieger

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