Um filho a qualquer preço no mercado da fertilidade
Há falta de informação sobre a eficácia dos tratamentos e das suas repercussões psíquicas
No ano passado nasceram em Espanha sete mil crianças com técnicas de reprodução assistida. Um facto que começou por ser uma prática isolada está a converter-se num recurso frequente. Enquanto a tecnologia continuar a avançar e os casais estiverem dispostos a dar tudo para terem um filho, vale tudo. A falta de informação sobre a eficácia dos tratamentos e das suas repercussões psíquicas, aliada a uma legislação quase sem limites, jogam a favor de um negócio florescente.
Assinado por M. Ángeles Burguera Data: 23 Agosto 2008
Enquanto nos Estados Unidos já há bastante tempo que se falava de um negócio (cf. Aceprensa 40/07), na Europa começam a ouvir-se mais vozes críticas, trinta anos após o nascimento da primeira bebé-proveta na Grã-Bretanha.
Da pílula ao bebé proveta. Escolhas individuais ou estratégias médicas?: é o título de um estudo apresentado recentemente em Paris e que analisa a dura experiência dos casais submetidos a processos de fecundação in vitro (FIV).
Annie Bachelot, psicossocióloga do Inserm e autora de uma parte desta investigação afirma: "É uma autêntica corrida de obstáculos. A FIV, pelo seu sistema de trabalho, impõe obrigações muito pesadas, tratamentos dolorosos e um alto risco de fracasso; alguns sentem que se está a instrumentalizar o seu corpo: as mulheres porque se convertem numa máquina de produzir ovócitos, e os homens porque se vêem reduzidos a simples dadores. Muitos insurgem-se contra este tipo de medicina, que classificam de veterinária, demasiado estandardizada e anónima".
Mais fracassos que êxitos
As consequências negativas também provêm da falta de informação sobre os índices de fracasso das técnicas. "Depois de cada ciclo de FIV, mais de 25% dos casais abandonam o processo e muito poucos ultrapassam a quarta tentativa". Entre os que continuam, pode dar-se uma espécie de fuga para a frente, às vezes inclusivamente encorajada pelo médico, embora em muitos outros casos também seja refreada. Chegados a este ponto, é habitual orientar os pacientes para a consulta de psiquiatria: porque parece que estão a arriscar mais que o simples desejo de ter um filho", afirma Bachelot.
A realidade francesa, semelhante à espanhola, revela que "há pouca informação sobre a taxa de êxito nas técnicas de fecundação in vitro. As clínicas apresentam percentagens de 20 a 30 por cento", afirma o doutor Guillermo López, director de Ginecologia da Clínica Universitária de Navarra. "Na medicina, uma técnica com um índice de 70% de fracasso não deve ser admitida nem usada. Mas neste sector vale tudo. Como as famílias procuram desesperadamente ter um filho, aceitam tudo o que lhes oferecem: todas as novidades, todos os suplementos que lhes podem dar mais garantias de êxito. E assim, todo o processo técnico se torna mais caro: uma indústria muito rentável e com imensas possibilidades de progresso".
Efeitos psíquicos
Na opinião de Guillermo López, estas técnicas têm repercussões psíquicas nas pessoas que a elas se submetem não só quando não há êxito - com a FIV há muitos abortos espontâneos, que geram sempre grande frustração -, mas até quando existe descendência. "Embora nesta clínica não façamos reprodução assistida por motivos éticos, chegam às nossas consultas bastantes casais com dramas terríveis, tanto pelos fracassos da técnica como pelo facto de saberem - mesmo depois do êxito - que possuem embriões congelados e que, se não quiserem ou não puderem enfrentar uma nova gravidez dentro de cinco anos, têm que decidir o destino a dar-lhes. Outro elemento que também tem influência na dificuldade de ter filhos é a idade dos pais. A média da idade da primeira maternidade entre as mulheres espanholas era de 29,3 anos em 2005 e mais de metade dos primeiros partos (56,1%) correspondia a mães com mais de 30 anos. "Isto é uma brutalidade, porque significa que muitas mulheres têm os filhos depois de fazerem 35 anos ", explica Margarita Delgado, demógrafa do Conselho Superior de Investigações Científicas de Madrid (El País, 24-11-2007).
Depois do boom da contracepção das quatro últimas décadas, segue-se agora o extremo oposto: a reprodução sem sexo e a toda velocidade. A mesma sociedade que atrasa os nascimentos por motivos laborais ou sociais acaba por ver na infertilidade um tipo de limitação e está disposta a pagar a gestação por um alto preço - entre 3 000 e 6 000 euros por ciclo -, desde que se assegurem e se esgotem todas as possibilidades.
A ausência de filhos, mesmo nas mulheres que vivem sós, é vista como uma inferioridade. Impõe-se, portanto, a corrida à gestação, mesmo com a sensação de se estar a converter o próprio corpo num mero instrumento.Em muitos casos falta paciência para esperar a chegada da concepção. E falta também o conhecimento de outras possibilidades. "Em bastantes centros de reprodução assistida oferecem-se técnicas in vitro com prazos breves, seis ou doze meses depois da primeira consulta. A micro cirurgia tubárica, por exemplo, que se usa para a reconstrução de estruturas, tem uma taxa de 70% de êxito na gravidez, muito superior à da FIV. Há muito pouca informação acerca de tudo isto ", comenta o director de Ginecologia da Universidade de Navarra.
E por que não "mães de aluguer"?
Na corrida dos casais à descendência, além das motivações pessoais, há também a influência do marketing das clínicas de fertilidade. Existe um negócio crescente à volta da doação de óvulos, que costuma ser o grande recurso no caso de a mãe ter mais de 40 anos. Apesar de a legislação espanhola não autorizar a venda de óvulos, a compensação à dadora pelos incómodos causados pode chegar a mil euros por processo. Este facto contribui para que em Espanha haja bastante mais doações que noutros países, como em França, onde não é permitido pagar. Além disto, oferecem-se serviços de congelação de espermatozóides e de óvulos.
Também se verifica uma crescente tendência a ampliar o tipo de clientela da fecundação assistida e a admitir técnicas que a princípio se rejeitavam sem qualquer dúvida. Nos começos, a fecundação assistida destinava-se apenas a casais com problemas de fertilidade. Mas rapidamente se estendeu também a mulheres sozinhas, sem nenhum problema reprodutivo, excepto o de não ter parceiro ou de serem lésbicas (é assim em Espanha, embora isto não seja aceite em países vizinhos como França e Itália); na Andaluzia já se anunciou inclusivamente que os serviços de Saúde Pública irão financiar este desejo reprodutivo de mulheres que vivem sozinhas para que nenhuma fique discriminada (ver Aceprensa 69/08).
Um filho a qualquer preço está também a contribuir para dar uma perspectiva favorável a práticas que em princípio eram rejeitadas por se considerarem indignas. Por exemplo, a legislação espanhola não permitia a existência de "mães de aluguer". Mas no início de Julho de 2008, os especialistas europeus reunidos em Barcelona no XXIV Encontro Anual de Medicina Reprodutiva já solicitaram a legalização em Espanha das mães de aluguer. Segundo Anna Veiga, médica do Centro de Medicina Regenerativa de Barcelona, "valeria a pena despenalizar este processo, embora se devesse aplicar de modo pormenorizado", não por motivos estéticos ou utilitários, mas por motivos médicos.
A linha de fronteira é difícil de marcar, tanto aqui como noutras técnicas já generalizadas. Nalguns países recorre-se a barrigas de aluguer quando há células germinais de um casal, mas falta o útero, como consequência de uma extracção cancerosa. Uma vez realizada a fecundação in vitro, o embrião resultante transfere-se para um útero contratado para prosseguir a gestação.O recurso a mães de aluguer já é tolerado na Bélgica e nos Países Baixos, e está autorizado no Reino Unido, Canadá, Grécia e Estados Unidos. É possível encontrar anúncios com ofertas deste tipo na Internet, na área denominada turismo reprodutivo. Com esta prática, acrescenta-se uma condição à busca genérica de descendência: assegurar que a criança tenha os genes dos seus pais.A possível legalização das mães de aluguer, que actualmente se debate no Senado francês, levantou também vozes de alarme. O ginecologista René Frydman, que admite e pratica a fecundação artificial, adverte (Le Monde, 30-06-2008) que se está a valorizar mais o aspecto genético que a paternidade "de intenção", isto é, a que está presente em fórmulas como a adopção, ou inclusivamente na doação de gâmetas.
Os que se opõem à maternidade de aluguer consideram que as mulheres que são pagas para se porem ao serviço de casais inférteis estão a prostituir-se e que os filhos vão ficar prejudicados. "A gravidez não consiste apenas em trazer dentro de si um bebé, é uma experiência fundamental que envolve os dois protagonistas: a futura mãe e o filho em gestação. Ainda estamos nos começos da descoberta da complexidade e riqueza da interacção entre a mãe e o bebé no útero", afirma Frydman, ao mesmo tempo que recorda o esforço psíquico que terá de fazer uma mãe de aluguer para não ficar vinculada pelos laços que se criam entre ambos.
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