sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Ensinar as crianças a poupar


Mesmo antes da crise financeira de 2007-2008, os americanos não se encontravam em boa forma no que respeita a comportamentos financeiros de longo prazo. Estavam, sim, sobreendividados, com dívidas médias nos cartões de crédito superiores a 5 mil dólares e eram cerca de 50% aqueles que não tinham poupanças adequadas para a reforma. Uma abordagem plausível para este problema tem sido o de se ensinar literacia financeira, explicando princípios básicos de poupança, de planeamento e de despesas responsáveis. Infelizmente, as pesquisas geralmente não evidenciam que os seminários sobre poupança afectem positivamente os resultados financeiros de longo prazo das pessoas. É que a viagem entre saber o que devemos fazer até realmente colocarmos em acção o que deve ser feito pode ser muito complexa.

E esse foi o motivo que levou os autores deste artigo, Annie Duflo e Dean Karlan, directora executiva da organização Innovations for Poverty Action (IPA) e professor de economia na Universidade de Yale e fundador e presidente da IPA, respectivamente, a interrogarem-se sobre o que aconteceria se estes bons comportamentos começassem a ser ensinados desde tenra idade. E começaram por questionar o seguinte: serão as crianças mais fáceis de influenciar? Será possível que uma pequena e precoce influência nas crianças poderá vir a ter benefícios cumulativos sociais ao longo das suas vidas? E, para tornar esta cruzada mais interessante ainda, os autores decidiram olhar para um país com taxas muito reduzidas de poupança: o Gana.

A Aflatoun, uma ONG sedeada na Holanda, desenvolveu um currículo educacional financeiro para escolas que trabalham com parceiros locais para formar professores em 83 países. No centro do programa, existe um simples “banco” de grupo sob a forma de um mealheiro fechado e uma caderneta guardada pelo professor, no qual os alunos podem fazer poupanças e registar depósitos e levantamentos. As lições de poupança estão enquadradas num currículo de desenvolvimento alargado, emocional e social, que pretende fazer a ligação entre os direitos e responsabilidades individuais e a educação financeira e social.

A chave para um estudo rigoroso sobre a eficácia de um programa social consiste em comparar de que forma as vidas das pessoas mudam relativamente ao que mudariam caso o programa não tivesse existido. Quando viável, a melhor forma de executar este exercício é fazê-lo com um grupo de comparação aleatoriamente escolhido. Neste caso, os autores avaliaram dois grupos com programas diferentes: um que teve acesso a todo o currículo estabelecido pela Aflatoun e outro que apenas recebeu formação básica em literacia financeira.

O grupo que recebeu apenas o mealheiro e a formação em competências básicas, mas não o currículo alargado de desenvolvimento psicossocial, foi denominado de grupo do “Mealheiro Honesto” (MH), e que permitiu também a comparação dos efeitos decorrentes de uma intervenção mais simplista. Os alunos do 5º e 7º anos, de 135 escolas participaram, tendo as escolas sido escolhidas aleatoriamente para fazerem parte de um dos dois programas ou do grupo de comparação.

No final de um ano lectivo, os investigadores questionaram ambos os grupos sobre um conjunto de atitudes e comportamentos de poupança. Os investigadores tentaram igualmente descobrir diferenças entre os estudantes que passaram por programas de tolerância ao risco, autoconfiança e relações interpessoais.

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Em jeito de resultado, ambos os programas obtiveram um impacto modesto, mas mensurável, em termos de poupança. Cerca de 51% dos miúdos pertencentes ao grupo de comparação reportaram poupanças e a participação tanto no Aflatoun como no MH aumentou a taxa de poupança em quatro por cento.

A maioria dos votantes online fizeram previsões correctas, com 56 por cento a apostar que ambos os programas teriam um impacto. 27 por cento escolheram apenas o Aflatoun, 12 por cento o MH e uns pessimistas cinco por cento afirmaram que nenhum dos dois teria qualquer impacto.

Enquadrar as poupanças num contexto social pode também estimular outras actividades sociais. Na escola de Nkwanta, num distrito rural e pobre do Gana, os estudantes nunca se tinham envolvido anteriormente em qualquer clube de actividades. Mas assim que iniciaram o seu grupo de poupança, abriram de seguida uma pequena papelaria, onde começaram a vender lápis, livros, garrafas de água e outros produtos similares. Um grupo Aflatoun, na escola básica de Pantag, perto de Accra, começou a vender doçaria e um jornal para crianças, e ganhou o gosto por actividades pró-sociais, organizando os seus próprios programas de poupança e visitando casas de acolhimento para crianças.

Uma das poucas diferenças encontradas pelos investigadores no que respeita aos resultados financeiros entre os programas da Aflatoun e os do MH residiu no facto de as crianças que fizeram este último programa terem demonstrado uma maior propensão para trabalharem fora da escola. Como afirmou um estudante do MH: “Trabalho arduamente todos os sábados e domingos no mercado… costumava gastar todo o meu dinheiro em videojogos e em outros produtos de entretenimento, mas desde que me juntei ao clube do Mealheiro Honesto, alterei a forma como gasto o meu dinheiro”. É questionável se esta é uma situação positiva, na medida em que a escola pode competir com o trabalho. Um possível efeito colateral do encorajamento de poupanças sem o apoio de um desenvolvimento psicossocial pode, nestes casos em particular, resultar num aumento do trabalho infantil.

Todavia, os investigadores comprovaram uma redução na atracção por comportamentos arriscados, com os estudantes em ambos os grupos a demonstrarem níveis mais elevados de aversão ao risco.

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Artigo originalmente publicado na Stanford Social innovation Review, por Annie Duflo & Dean Karlan, Outono 2012. Adaptado por VER com permissão

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