quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Quem semeia ventos, colhe tempestades


Temos vivido em plena tempestade económica, talvez a mais grave desde a Grande Depressão de 29. A actual crise, como muitas outras, é em grande medida obra do homem. Ao contrário dos fenómenos naturais, os fenómenos económicos, esses, devem-se, em muito, à acção humana. Para o bem e para o mal, a economia é moldada pelo homem, pelos seus comportamentos, pela energia posta nos seus projectos, pelo seu trabalho, e também pelos seus erros, pelos seus vícios, pelos seus defeitos. O bom e o mau, na economia, derivam da acção da sociedade, de decisões acertadas ou erradas e do génio criativo dos agentes económicos, umas vezes em prol do bem comum mas outras mais motivado pela ambição desmedida e pela ganância individual ou colectiva. A força de vontade, a capacidade de adaptação à adversidade, ou pelo contrário a resignação ou a falta de visão em relação ao futuro condicionam também em muito o curso da economia. Vem este comentário a propósito dos momentos dramáticos que a economia nacional e internacional tem vivido, e que a todos afecta. Quais as causas de tamanha tempestade? Quando terá fim? Como proteger-nos e minorar os seus efeitos, e como evitar que outra de idênticas proporções se repita no futuro?
Lembram-se de 2007? Dois factos, entre muitos outros, marcaram esse ano, a nível nacional, e internacional. Em Portugal, foi votado favoravelmente o referendo que liberalizou o aborto, em 11 de fevereiro. E nos Estados Unidos verificaram-se algumas insolvências de fundos de investimento e de instituições financeiras, que marcaram o início da chamada Crise do Subprime. Subprime, simplesmente?... Um ano depois, em 2008, não estavam ainda resolvidos os problemas dos activos tóxicos nos balanços de inúmeros bancos, e já a bolha do imobiliário começava a fazer estragos sérios na economia americana e mundial. Mas o pior estava para vir com a falência da Lehman Brothers e uma corrida aos bancos como não se via desde os anos 20 do século XX, desta feita com mecanismos electrónicos, à velocidade de um clic, gerando uma vaga de desconfiança instantânea no sistema bancário e nos mercados monetários, e deixando o sistema financeiro internacional à beira do colapso durante o Outono de 2008. O ano seguinte de 2009 foi, ironicamente, de acalmia progressiva dos mercados, mas simultaneamente de forte recessão em resultado do calafrio registado e da continuação do crash imobiliário global, de Detroit a Dublin, ao Dubai… A situação só não se tornou mais virulenta porque os governos ocidentais decidiram gastar o que tinham e o que não tinham no apoio incondicional e artificial a uma economia que, essa, já não tinha remédio possível. Nas torres envidraçadas dos bancos centrais, e nas sedes dos governos, rezava-se então ao deus do dinheiro e dos mercados para que rapidamente realizasse o milagre da recuperação económica, viesse de onde ela viesse, de forma a ser possível resolver a situação criada, isto é, saldar as dívidas acumuladas. O facto é que a chamada Crise Financeira não mais largou a economia dos países ditos industrializados. Depois de governos a socorrerem bancos, foi então a vez de bancos a socorrerem os governos. De crise em crise, eis que chegamos à Crise das Dívidas Soberanas. Em 2010, em 2011, e ainda agora em 2012. Grécia, Grécia e ainda mais Grécia, uma tragédia sem fim à vista nem com o eventual perdão “voluntário” de 70% dos empréstimos ao Estado grego. O país é visto na Europa como um leproso, mas se no mapa da União Europeia há, digamos, um membro com gangrena, os outros não estão de todo a salvo da infecção. E na verdade, se Gregos, Portugueses, Italianos foram imprevidentes a pedir emprestado e gastaram demais, alguém, do outro lado da Europa, foi perdulário e irresponsável, concedendo crédito sem controle e sem critério. Entretanto, se outras economias como a islandesa ou a irlandesa foram saindo da unidade de cuidados intensivos, leia-se, das primeiras páginas do Financial Times, não significa isso que não se estejam a pagar também nesses casos elevadíssimos custos económicos e sociais. E outras economias bem maiores, como a do Reino Unido e mesmo os próprios Estados Unidos, tendo caído também nos mesmos erros e nos mesmos problemas de excessivo endividamento público e privado, simplesmente não foram ainda “tomadas de ponta” pelos mercados. Já a economia francesa, por exemplo, vai perdendo pouco a pouco o seu estatuto VIP na cena mundial e vai deixando de ser passageiro de classe executiva na economia global e dando lugar a outros…
No início da crise, em 2007, os líderes europeus aproveitaram para enjeitar quaisquer responsabilidades e, de forma sobranceira, apontavam todas as culpas, com toda a facilidade, aos EUA, por terem posto em causa a estabilidade mundial com a sua bolha imobiliária, mas agora passámos a uma fase em que todo o mundo acusa a Europa de conduzir a economia global a uma forte contracção causada pela bomba-relógio orçamental dos países sobre-endividados. Se a história fosse simples, seríamos forçados a acreditar candidamente que qualquer dos dois problemas, quer a bolha de créditos hipotecários a classes desfavorecidas nos Estados Unidos, que rebentou em 2007, quer a crise orçamental dos pequenos países da periferia europeia, teriam sido responsáveis só por si pelo mau estado da economia ocidental, que representa ainda uns 60% do PIB mundial. Se a história fosse simples, teríamos que aceitar ingenuamente que estes problemas, com culpados bem identificados, teriam sido a causa efectiva dos fortíssimos abalos e das perigosas ameaças que a economia global sofreu, por diversas vezes, ao longo dos últimos 5 anos. Mas será só isso? Ou teremos nós embatido em obstáculos sociais, civilizacionais, demográficos mais graves e profundos, bem mais difíceis de vencer?

Vivemos desde há décadas numa sociedade de consumo desenfreado. Aos valores da poupança e do trabalho, contrapusemos o vício do consumo, do lazer, e do prazer pelo prazer. Substituímos os princípios da prudência e do comedimento pelo esbanjamento e pelo desperdício. Durante décadas a viver numa sociedade de abundância, assumimos como adquiridos a alimentação quase grátis, a saúde garantida pelo estado, a educação a cargo das instituições públicas, sendo o rendimento pessoal destinado ao consumo de bens cada vez mais supérfluos, mais excêntricos, mais luxuosos. Operações plásticas sem sentido, iates e carros descapotáveis, habitações sumptuosas para mera especulação e ostentação, o endeusamento do mundo da moda, do espectáculo, do desporto, quantas vezes carburando a estupefacientes, tudo isto perante desigualdades crescentes e enormes carências dos mais necessitados. Substituímos os valores da honra e da palavra honesta pela corrupção e pelo individualismo. E trocámos a moral pelo hedonismo. Na economia, de forma flagrante, esquecemos o provérbio oriental que diz “quem compra o que não precisa, um dia vende o que lhe faz falta”. E este sobre-consumo e sobreendividamento de ricos, pobres e classe média trouxe-nos a um beco sem saída..
A nossa sociedade urbana foi-se tornando também cada vez mais permeável a atitudes degenerescentes e decadentes, que a minaram. O aborto, a homossexualidade, o divórcio, a droga, a pornografia, a eutanásia. Onde existia família, tradição e religião, passou a existir desagregação social e familiar, perda de referências, corte das relações umbilicais entre pais, filhos e netos, quebra de laços sociais fundamentais. A sociedade perdeu a sua coesão, no tempo e no espaço. Perdeu o sentido de orientação. Quando decidiu fazer tábua rasa do sagrado, do pecado, do temor a Deus, e quando optou por venerar novos deuses, o dinheiro, o sexo, a droga, auto-liquidou-se, suicidou-se. A decadência que estamos a viver hoje na América e na Europa, e que outras potências poderão vir a sofrer mais cedo do que se pensa, significa declínio demográfico, logo económico, significa envelhecimento, significa perda de energia vital, significa menos capacidade de regeneração do tecido económico, significa menos vontade de investir e arriscar, significa vulnerabilidade, doença, enfraquecimento. Demográfico, económico. Falta de mercado, falta de procura, falta de clientes. A economia dos países ricos já só se mantém através de vendas contínuas de activos a outras potências, mais dinâmicas, mais agressivas economicamente. Caso contrário, o nosso nível de vida já teria caído muito mais. Hoje, ouvem-se cada vez mais vozes a pedir auxílio, a clamar por subsídios, apoios na doença, reformas dignas, incentivos, emprego, crescimento, investimento. Mas algumas das vozes revoltadas ou angustiadas de hoje são também as mesmas que, de forma leviana e impensada, aceitaram, validaram, votaram na sociedade que temos. Muitos dos que hoje são vítimas de uma economia fracassada e de um estado incapaz de proteger quem necessita, por falta de recursos, foram cidadãos eleitores e opinião pública indiferente que lavou as mãos como Pilatos perante os erros e os desequilíbrios criados.
Diz-se que fazemos a cama em que nos havemos de deitar. A liberalização oficial do aborto, nos Estados Unidos há 40 anos, em França há 30 anos, em Portugal há 5 anos, significou que estivemos anos e décadas a perder recursos, e que agora lamentamos a falta de braços e mentes válidas, cheias de energia positiva, que permitiriam rejuvenescer as nossas famílias, as nossas sociedades, a nossa economia, mas que não estão cá. Não tem remédio.
Quanto ao futuro, podemos sempre preparar os alicerces para uma sociedade melhor, mais sólida, mais resistente, e teremos uma economia mais sã, pouco e pouco, daqui a uns anos. Podemos começar já.

1 comentário:

MRC disse...

Muito bem observado!
Palavras duras, mas verdadeiras, ainda que nem sempre politicamente correctas.
Um abraço