sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Bolsa-Estupro


No brasil, tem causado muita polémica um projecto de lei apresentado no Congresso por um conjunto de deputados que pretende combater o aborto em caso de violação - prática permitida no Brasil desde o Código Penal de 1940 - com base num pagamento pelo Estado de um salário mínimo para a mulher durante 18 anos.


A proposta dos deputados inclui ainda outro item bastante polêmico, que prevê que psicólogos, pagos pelo Estado, devam atender essas mulheres para convencê-las da importância da vida, fazendo com que elas desistam do aborto.


O assunto tem gerado muita polémica como se pode ver, entre muitos outros, aqui


A questão do aborto em caso de violação é complexa e o seu desenlace não pode deixar de estar intimamente relacionado com o estado psicológico causado na mulher por essa situação.


Por um lado, o feto que foi gerado em virtude de violação não tem qualquer culpa pelo facto do seu pai ser um violador; por outro lado, porém, sabemos que a viabilidade da gravidez dependerá muito da forma como a mulher e o seu entorno familiar, em concreto, lidará com essa situação dramática.

Na Croácia, por exemplo, há uns anos atrás, várias freiras engravidaram na sequência de violações e optaram por prosseguir com a gravidez, não obstante essa decisão contrariar a sua orientação celibatária.

Aqui, só quem passa por ela é que poderá ajuizar melhor o que fazer. Em qualquer caso, é importante que a decisão seja fruto de uma reflexão amadurecida e nunca precipitada.

Retirar de algo gerado com ódio e violência uma solução de amor nunca é fácil.


Porém, em geral, considero a proposta deste grupo de deputados brasileiros muito positiva, não no sentido de condicionar a mulher à decisão de não abortar, mas no sentido de fazer-lhes ver que podem existir alternativas positivas, prestando o indispensável auxílio psicológico numa situação tão dramática como esta.


A exequibilidade deste projecto, porém, levanta várias questões, como por exemplo, casos de fraude (lembremo-nos do que aconteceu no Reino Unido de John Major, com o subsídio estatal às mães solteiras, que gerou multíplas situações de fraude) e também relativos à forma concreta como o atendimento psicológico a tais mulheres seria efectuado.

Infelizmente, não me parece que o projecto vá passar. Porém, ele é, sem dúvida, uma pedrada no charco no sentido de ver o aborto (mesmo nos casos mais compreensíveis) não como algo inevitável e irreversível, mas como algo que, com apoio e ajuda, pode ter uma solução alternativa de vida e amor.


P.S.- Em Portugal, seria interessante saber qual o sentido, orientação e resultados práticos do acompanhamento psicológico à mulher e da informação a prestar na consulta prévia acerca das condições de apoio do Estado à prossecução da gravidez, nos casos de IVG por opção.


Convinha saber como é que, na prática esta acção de apoio e dissuasão prevista no artigo 6º e 16º, nº3 alíneas d) e f) da Portaria nº 741-A/2007 de 21 de Junho está a ser concretizada e quantas mulheres, após tal consulta e apoio, optaram por desistir de abortar.


Cheira-me que esta "consulta prévia" é um pouco como as tentativas de conciliação dos Juízes e Conservadores, em caso de processo de divórcio, cuja obrigatoriedade está prevista na lei mas que não passa de uma mera palhaçada formal que apenas dura poucos segundos.

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