domingo, 2 de fevereiro de 2014

Não há solidariedade sem sobriedade

 
É assim que imagino - trata-se da verdade mais bela e exigente - a sobriedade: uma via privilegiada que me conduz à solidariedade, à partilha verdadeira e concreta, à partilha do pão. Por «pão» entendo tudo o que é necessário para viver, para viver segundo a dignidade humana, que é de todos, sem nenhuma discriminação. A sobriedade não só não se opõe à solidariedade, mas é a sua alma, a sua força, o seu apoio, aquilo que lhe permite durar e crescer.
 
Não poderemos ser solidários se não formos sóbrios; de outro modo, apenas se partilhariam as sobras do máximo das minhas ou das nossas necessidades.
Pelo contrário, quem é sóbrio, em todas as coisas se deixa interpelar pela necessidade alheia; considera-a atentamente, encarrega-se dela e, tendo-a por base, decide o que lhe poderá bastar. Não é uma dobragem mesquinha sobre si mesmo; mas, pelo contrário, uma atitude de responsabilidade para com os outros! Por isso, só quem é sóbrio é que também poderá ser solidário.
 
Até onde poderá aventurar-se a solidariedade que nasce da sobriedade? Até dar o seu supérfluo? Ou também além do supérfluo? É aqui que aposta toda a sua força moral e espiritual a verdadeira sobriedade: mesmo indo além do supérfluo! Por isso, estamos diante de uma solidariedade que se torna maior, radical e extrema.
 
(...)
A sobriedade cria os espaços. Na mente, no coração, na vida, na nossa casa... , a sobriedade abre aos outros, porque diminui a importância que damos a nós mesmos, aos nossos compromissos, às escolhas que nos parecem absolutamente indispensáveis e que, um instante depois de as termos realizado, nos desiludem, a tudo o que nos preocupa e nos cria ansiedades inúteis. Sim, a solidariedade abre aos outros, porque se interroga a partir dos outros.
Por sua vez, a solidariedade preenche estes mesmos espaços. E pode enchê-los até ao bordo: não só através do amor, da compreensão, da ternura e da misericórdia, mas também, se necessário, através da partilha de bens materiais.
 
Como se vê, a sobriedade prepara o terreno para a solidariedade, afastando exageros, excessos e tudo o que egoisticamente fecha o homem, centrando-o e amarrando-o a si mesmo.
 
Assim, a solidariedade pode esforçar-se por fazer crescer, neste terreno de essencialidade, novos compromissos de se encarregar do outro, de partilhar com ele.
Aliás, se a sobriedade é exercício de responsabilidade - pessoal e comunitária -, a solidariedade faz avançar um tipo particular de responsabilidade, a responsabilidade partilhada, a corresponsabilidade, isto é, a capacidade de responder com a totalidade de nós próprios, com tudo o que somos e temos, às exigências de todos os outros e, ao mesmo tempo, não só por nós próprios ou apenas em relação a alguns dos outros.
 

Card. Dionigi Tettamanzi
Arcebispo emérito de Milão
In Não há futuro sem solidariedade - A crise económica e a ajuda da Igreja, ed. Paulinas

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