domingo, 23 de novembro de 2008

Futilidade terapêutica

1-Introdução

Agradeço ao Instituto de Bioética do Porto da Universidade Católica a minha honrosa inclusão no grupo de proponentes dos temas no Ciclo de Cursos Intensivos subordinado à “Vulnerabilidade no fim da vida humana”, de que faz parte integrante o Curso “Mudar a Face da Morte”. A minha participação apenas terá a magra vantagem de abordar temas que vivi intensamente na vida clínica hospitalar de mais de trinta anos numa unidade de tratamento intensivo. Com os meus companheiros colegas e enfermeiros, ao longo da minha vida clínica, tive ocasião de partilhar as dúvidas, de viver as perplexidades e de me debater com algumas questões-limite perante os rostos marcados pelas incertezas, pela dor e pela solidão dos doentes e das suas famílias. Muitas daquelas situações-limite que aqui invocaremos têm apenas soluções precárias, no nosso país como em todo o mundo. Vale a pena trazer estes temas para outros meios que não os círculos estritamente clínicos - para os meios académicos e para os meios da cultura. As questões éticas da saúde são actualmente questões universais.
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A futilidade terapêutica é um facto clínico com implicações éticas reconhecidas há mais de 3500 anos. No papiro de Adam Smith citam-se cinco casos de lesão alta traumática da coluna cervical para os quais qualquer tratamento que pudesse ser tentado seria vão, inútil e, portanto, desvantajoso. Nos aforismos de Hipócrates existem várias referências às atitudes dos médicos na abordagem dos doentes com situações incuráveis e à sua obrigação de evitar a utilização dos “meios prejudiciais e desnecessários”. Na actualidade as questões da futilidade terapêutica nasceram certamente nos meios médicos e de enfermagem, com as preocupações sobre os cuidados que se prestam às pessoas com, reconhecidamente, doenças progressivas e fatais, nomeadamente com a utilização de medidas de diagnóstico e de terapêutica com uma utilidade precária, duvidosa ou mesmo negativa.

O conceito de “futilidade terapêutica” pode ser admitido como um princípio não estritamente moral. Pode referir-se a uma apreciação da sua validade prática, e, portanto, a um juízo de mera prudência clínica e até apenas a uma manifestação do senso comum. O tema tem, no entanto, contornos que se podem ligar à utilização racional dos meios a utilizar nos cuidados de saúde e à gestão dos recursos disponíveis, sobretudo nos meios hospitalares onde são sempre necessariamente limitados. Sublinhe-se: o conceito de futilidade dos meios de intervenção diagnóstica ou terapêutica refere-se a um julgamento clínico e operacional conotado negativamente como indesejável e inadequado, independentemente dos seus custos. Embora represente sempre um consumo impróprio de recursos, o juízo sobre a futilidade tem sempre como base conceitos de ordem clínica, com os seus critérios de avaliação intrínsecos, não dependendo da eventual escassez ou da abundância dos meios de intervenção,. Portanto, não é correcta (pelo menos no plano teórico) a associação entre o conceito de “futilidade terapêutica” e a ideia de “racionamento dos meios de intervenção”. Aquele tem fundamento no exercício correcto da medicina (e nos princípios da beneficência e da não maleficência); este refere-se às teorias da justiça distributiva num ambiente de escassez de meios de intervenção. Nesta circunstância, não pode haver conflitos na aplicação dos princípios.

Outros conceitos se podem associar ao de “futilidade terapêutica”. A obstinação terapêutica (ou encarniçamento terapêutico) é uma expressão da linguagem coloquial que exprime, um pouco enfaticamente, a ideia mais académica de “distanásia” - do grego “morte difícil ou penosa”. No vocabulário ético utiliza-se este último termo para designar o prolongamento do processo morrer por intervenções que apenas têm como objectivo a manutenção da vida sem se considerar a dor e o sofrimento. Neste contexto, a expressão inglesa de “life sustaining treatment” define com bastante mais propriedade o conceito, retirando-lhe a carga pejorativa para os prestadores dos cuidados contida nos termos “obstinação” e “encarniçamento”.

No contexto dos temas que hoje aqui nos trazem, as questões éticas associadas a situações-limite constituem o cerne do problema. Mais de 60 % dos óbitos no nosso país ocorre nos hospitais. Seguramente em mais de metade destas ocorrências, adequadamente, não são utilizados todos os meios possíveis para prolongar a vida com sofrimento intenso e uma dolorosa agonia. Explicitamente suspendem-se ou não se utilizam, por inadequadas ou prejudiciais, algumas medidas que apenas irão prolongar o sofrimento até uma próxima e inevitável morte.

2 - Em torno do conceito de futilidade

Toda a intervenção diagnóstica ou terapêutica tem certo ou certos objectivos. O termo futilidade implica uma conotação negativa, que necessariamente se refere a um certo ou a certos objectivos terapêuticos. O termo fútil deriva directamente do latim e refere-se ao carácter daquilo que não tem valor, importância, utilidade, ou que ainda daquilo que apenas se restringe à superficialidade e à aparência. Uma certa intervenção pode ser inútil ou inadequada para um certo objectivo e atingir plenamente outro ou outros. Por exemplo, uma transfusão de plaquetas pode ser inútil para salvar uma vida de um doente com uma leucemia, mas pode ser muito útil para controlar uma hemorragia e para manter a vida até um início de uma outra possível intervenção terapêutica. Futilidade diagnóstica ou terapêutica – uma designação que muitos consideram imprópria ou ambígua – é a característica de uma medida na qual o seu próprio objectivo é inatingível ou é inadequado ou é inútil, e portanto não traz benefício ao doente. Isto é, não contribui para o conhecimento da doença ou da avaliação do estado do doente, não constitui o suporte de uma decisão terapêutica e não irá melhorar prognóstico, o conforto, o bem estar ou o estado geral do doente.

A decisão tomada pode ser fútil por não ser atingível ou ter escassas possibilidades de ser lograda naquelas circunstâncias particulares da sua aplicação. É o que Schneiderman et al. designam por futilidade quantitativa referindo-se “qualquer medida destinada a obter um resultado que, sendo possível, a razão e a experiência sugerem que é altamente improvável”. Aqueles autores avançam mesmo uma definição operacional para as medidas fúteis. Consideram-se as medidas fúteis quando os clínicos concluem (pela sua própria experiência ou pela experiência acumulada na sua equipa de trabalho) que não tiveram sucesso nos últimos 100 casos estudados. Isto significa que a probabilidade de bom êxito é muito remota e que as raras circunstâncias em que houve efeito não podem tomar-se como fundamento de uma decisão clínica. Impondo um pouco mais de quantificação ao nosso raciocínio: a probabilidade de eficácia da medida é inferior a 5 %, intervalo de confiança que arbitrariamente se aplica no nosso raciocínio estatístico, limite para além da qual o efeito é equivalente às meras leis do acaso.

Existem algumas questões oportunas que se podem colocar nesta maneira de abordar os problemas. O julgamento dos clínicos referente aos últimos 100 casos estudados precisa de ser quantificado em estudos retrospectivos ou de seguimento (e estes não têm sempre menor validade que os estudos prospectivos). O raciocínio clínico tem muitas vezes o viés do peso emocional dos casos mais intensamente vividos. Se não existe uma metodologia rigorosa, os doentes considerados no raciocínio podem ter critérios de selecção muito heterogéneos que contaminam os resultados assumidos pelos clínicos.

A dimensão qualitativa da futilidade diagnóstica ou terapêutica diz respeito ao próprio objectivo a alcançar – se a medida em circunstância alguma puder atingir os benefícios desejados, se tratar de uma quimera, se não puder lograr melhoria do prognóstico quanto à vida, ao conforto, ao bem-estar, à autonomia e ao estado global do doente, então é fútil, não tem fundamento e não deve ser aplicada na medicina clínica. Se uma medida terapêutica num doente em estado de inconsciência permanente apenas mantiver a situação e a vida se mantiver absolutamente dependente, esta não deve ser tomada porque é fútil. Numa outra situação de DPCO extremamente grave e progressiva, a ligação ao ventilador numa unidade de tratamento intensivo pode não ser uma medida fútil porque em grande parte das situações o doente pode manter uma vida de relação, pode até ser ventilado no seu domicílio ou em certas adequadas instituições e manter um certo grau de autonomia.

Em regra, os clínicos não afirmam em absoluto o resultado de uma certa medida. Muito frequentemente divergem entre si nas situações-limite, no que se refere ao conceito que atribuem à qualidade de vida e à dependência que resulta para os doentes da aplicação de uma determinada medida terapêutica. Por isso, naquelas circunstâncias as decisões devem ser discutidas e tomadas em equipa, decididas por unanimidade e registadas no diário clínico. As decisões de diagnóstico e de terapêutica fúteis não têm fundamento ético e não devem ser tomadas.

A obstinação terapêutica, ligada frequentemente aos doentes com doenças crónicas, progressivas e fatais é uma forma de futilidade terapêutica ligada à distanásia que merece alguma reflexão. Os hospitais com tecnologia mais avançada possuem os meios para prolongar as funções orgânicas básicas com a utilização imprópria e indiscriminada dos quais se cria o clima propício às condutas distanásicas. Fundamentalmente, os factores predisponentes para este tipo de condutas são: a) Convicção acrítica de que a vida humana é um bem pelo qual se deve lutar até ao limite máximo de todas as considerações sobre as possibilidades de autonomia e os desejos dos doentes; b) Ignorância ou menor atenção aos desejos e aos direitos dos doentes, dos seus representantes e das famílias, dos direitos de poder recusar o início ou a continuação dos tratamentos médicos que prolongam a agonia do doente terminal; c) Angústia das equipas de intervenção perante os insucessos terapêuticos e a resistência em aceitar a morte dos doentes; d) Ausência de comunicação adequada e eficaz entre as equipas de intervenção e o doente, a sua família ou os seus representantes.

3 - Autonomia dos doentes

Os doentes e as suas famílias devem ter conhecimento dos factos e dos fundamentos das decisões que são tomadas relativamente à evolução das doenças, segundo as suas possibilidades de compreensão e de entendimento dos problemas específicos. Na medida possível e adequada, os doentes e as suas famílias devem ser ouvidos pelas equipas de intervenção e devem ter conhecimento dos objectivos e dos limites das medidas tomadas e das suas alternativas. Isto não significa que tudo seja explicado até à exaustão e sem o devido enquadramento, e que os doentes ou as suas famílias possam pedir a utilização de métodos de diagnóstico ou intervenções ineficazes ou fúteis. Algumas vezes confunde-se a doutrina do consentimento esclarecido e a possibilidade completamente legítima dos doentes ou dos seus representantes ter o direito a conhecer, a aceitar e a recusar medidas de diagnóstico ou de terapêutica, com o direito ilegítimo da utilização arbitrária de meios de intervenção inadequados, desnecessários e portanto fúteis ou, mais propriamente dito, prejudiciais.

A sociedade confia aos médicos a responsabilidade do julgamento clínico. São educados para esta finalidade utilizando os meios que a sociedade coloca ao seu dispor para tratar adequadamente os doentes, devendo os médicos aceitar essa responsabilidade com os conhecimentos científicos actualizados, o treino e o adestramento adequados, integrando na sua actividade diária as atitudes recomendadas pela boa prática clínica e as normas éticas que legitimam a sua actividade. A sociedade não pode desejar que os médicos ofereçam para uma certa situação de doença, cega e acriticamente, um menu exaustivo de intervenções sem uma orientação esclarecida, isenta e atenta (que a deontologia impõe ser prestada num clima de solicitude, de serenidade, de interesse e até de afecto pela pessoa doente e pelas suas circunstâncias).

Se o doente recusa uma determinada intervenção proposta deverão tranquilamente ser consideradas as alternativas, com os seus inconvenientes e eventualmente as suas vantagens. O doente tem sempre o direito de transmitir os seus desejos, as suas dúvidas e receios, de poder ouvir outras opiniões, de escolher outras equipas, de recusar ou de suspender uma determinada intervenção, dentro dos limites dos recursos disponíveis. Se se considera que não existe uma alternativa credível, o doente deverá ter conhecimento do facto. As suas propostas deverão ser consideradas e deverão ter uma resposta clara e satisfatória. Se o doente mantiver a sua atitude de continuar ou de interromper a seu pedido os tratamentos e o eventual internamento não deve deixar de existir um clima favorável e uma atitude aberta e solícita.

O doente e os que o rodeiam, ainda que livremente devam exprimir os seus desejos e os seus interesses, não podem exigir uma determinada abordagem diagnóstica ou terapêutica que não tenha o acordo explícito da equipa de intervenção. A utilização de métodos de diagnóstico e de terapêutica que são inúteis por não contribuírem de um modo significativo para o esclarecimento das situações ou da sua evolução e que não tenham um efeito benéfico demonstrado, suportado por razoável documentação, não deve ter lugar. Não deve iniciar-se, pois, uma intervenção cujos efeitos não estejam demonstrados. Se o doente não pode exprimir a sua vontade e se não existe um seu representante, a equipa de intervenção deve seguir os protocolos que a boa prática clínica impõe.

O estabelecimento de uma comunicação adequada e eficaz exige tempo, treino, planeamento e um ambiente adequado. Nas grandes instituições hospitalares, a existência de múltiplas equipas de prestação de cuidados parcelares constituídas por pessoas com formações, atitudes e linguagens diferentes, a circulação informal e indevida de dados, as conversas de corredor, todas podem contribuir para o ruído da informação correcta que é devida aos doentes e às suas famílias. É preciso que toda a equipa tenha uma linguagem simples, objectiva e verdadeira, e não haja contradições nas informações facultadas. É necessário que exista coordenação. Recomenda-se a existência de regras elementares escritas e facilmente acessíveis aos doentes e aos que os rodeiam sobre os objectivos e o funcionamento das unidades, onde constem os nomes e até as imagens das pessoas que constituem a equipa de intervenção. Pode existir um primeiro documento distribuído na altura da admissão com instruções muito simples. Deve haver na equipa um interlocutor privilegiado e disponível para os doentes e para as suas famílias. O médico de família tem sempre um lugar proeminente neste tipo de situações. A sua intervenção não pode ser dispensada nas instituições hospitalares.

4 - Níveis intervenção nas situações terminais

Pode ser útil para todos os intervenientes designar expressamente os níveis de cuidados de intervenção terapêutica que são adequados para os doentes portadores de situações graves, progressivas e irreversíveis. Todos os membros da equipa, nomeadamente os médicos, os enfermeiros e os técnicos devem conhecer os objectivos das medidas tomadas em todas as fases da doença. As decisões devem ficar claramente especificadas no processo clínico do doente.

Os quatro níveis de intervenções terapêuticas a prestar aos doentes em situações graves e irreversíveis, os quais constituem, portanto, patamares de intervenção, podem ser descritos deste modo:
1 - Reanimação cardíaca e respiratória – cuidados sem os quais a morte é imediata;
2 - Cuidados continuados de reanimação e cuidados de tratamento intensivo (incluindo a profilaxia e o tratamento das arritmias cardíacas, a utilização de ventilação externa, de dispositivos de assistência circulatória e equipamentos de hemodiálise) – são os cuidados de manutenção da vida;
3 - Cuidados médicos gerais, o controlo da dor, o domínio da infecção, a administração de antibióticos, a cirurgia, a quimioterapia, a utilização de outros fármacos no sentido de manter a homeostase, a hidratação e a nutrição artificiais;
4 - Cuidados gerais de enfermagem e todas as medidas destinadas ao conforto dos doentes incluindo o controlo da dor, da ansiedade e do sofrimento, a hidratação e a nutrição.

Os programas de intervenção têm necessariamente que ser individualizados em função da situação e da sua provável evolução. Se o doente estiver consciente deve poder estar informado da sua situação; ele e a família devem conhecer os níveis de intervenção terapêutica e os seus objectivos.

No termo das doenças irreversíveis não deve haver lugar para a reanimação cardíaca e respiratória. O único limite será a incerteza do diagnóstico, situação que necessariamente terá de impor o início imediato e continuado de todas as medidas de reanimação. Quando é possível conhecer as situações com antecipação há vantagem em que toda a equipa conheça a existência de decisões de não reanimação as quais serão decididas em conjunto, por consenso, anotando as decisões de “não reanimar” no processo clínico.

As instruções de não reanimar numa situação de paragem cardíaca ou respiratória são justificadas nas seguintes circunstâncias:


1 - Quando é manifestamente previsível que a reanimação não é possível ou quando o doente imediatamente a seguir repetirá o processo que conduziu à paragem cardíaca;





2 - Quando a paragem for o termo de uma doença de evolução necessariamente fatal bem documentada;





3 - Quando a qualidade de vida previsível após a reanimação for tal que não é seguramente aceite pelo doente.

A existência de alterações do estado de consciência impõe limites à participação dos doentes nas decisões que se referem ao tratamento da sua doença.

Quando há cessação definitiva de todas as funções do tronco cerebral avaliadas segundo os critérios generalizadamente aceites, o doente morreu e não há lugar para se prosseguirem intervenções terapêuticas, a não ser no sentido da eventual conservação de órgãos.

Nas situações de estado vegetativo persistente existem destruições graves e irreversíveis do neocortex cerebral persistindo outras funções do sistema nervoso central. Os doentes recuperam do estado de coma profundo, têm respiração espontânea, podem ter resposta a estímulos dolorosos, podem estar presentes funções vegetativas e reflexos primitivos que dependem do tronco e não dependem da regulação cortical. Há incontinência dos esfíncteres e não existe evidência cognitiva de qualquer natureza, como não têm capacidade de conhecer o sofrimento.

A situação de estado vegetativo persistente não pode ser diagnosticada de imediato, sendo geralmente necessário um período de observação de um a vários meses. A vida destes doentes pode ser prolongada por muito tempo (dezenas de anos) desde que lhes sejam ministradas a hidratação e a alimentação e existam os cuidados de enfermagem adequados. Existe possibilidade de recuperação em 1 a 2 % dos casos a qual depende da etiologia. Se a causa for traumática ou o resultado de reanimação cardíaca por doença súbita a manutenção do estado vegetativo persistente por mais de um mês torna altamente improvável a recuperação. Nas doenças degenerativas e progressivas a possibilidade de recuperação é nula. A orientação da terapêutica depende da causa inicial. Os doentes nesta situação encontram-se completamente dependentes dos cuidados que lhes são prestados: Quando a situação neurológica se confirma, o que deve ser feito cuidadosamente, deve tentar conhecer-se circunstanciadamente os desejos manifestados antecipadamente. Se não existem indicações claras para o prosseguimento dos cuidados deve ter-se em conta o melhor interesse do doente. A situação deve ser claramente discutida entre toda a equipa de intervenção e os familiares.

Os doentes com demências graves e progressivas e com a consciência gravemente comprometida chegam a esta situação no curso de um longo processo de doença. A vontade expressa dos doentes e da família é muito importante na orientação dos cuidados a prestar. No estado final quando existe uma doença intercorrente é legítimo não efectuar todas as medidas terapêuticas e ajustar os cuidados para evitar o prolongamento desnecessário, fútil e inconveniente da situação e o sofrimento sem esperança.

Se os doentes estão conscientes da presença de uma doença progressiva e mortal toda a equipa terapêutica deve ser particularmente sensível ao seu sofrimento e às suas necessidades fundamentais, nomeadamente aos aspectos da qualidade da informação a prestar e a outros aspectos afectivos e psicológicos que se referem ao enquadramento do doente. Por vezes a terapêutica da dor pode exigir analgésicos corticais e intervenções por equipas especializadas que devem ser utilizadas sempre que tal for possível. O nível de cuidados deverá ser planeado de acordo com o doente e a sua família. Em muitos casos os doentes rejeitam explicitamente formas agressivas de intervenção; a equipa não deverá, no entanto, abster-se de manifestar sempre a sua opinião.

Quando os cuidados a prestar não exigirem o internamento em hospitais do nível terciário sem quebra da eficácia da intervenção médica e da dignidade do doente, de acordo com todos os intervenientes, poderá haver transferência para um local onde seja possível um melhor enquadramento familiar do doente no seu domicílio, num hospital local ou numa unidade de cuidados paliativos. As unidades de acolhimento destes doentes deveriam generalizar-se nas comunidades locais. Nalguns hospitais é possível manter equipas organizadas, com médicos, enfermeiros, assistentes sociais e pessoal auxiliar que prolongam o cuidados hospitalares no domicílio e mantêm a continuidade do apoio diferenciado em conjugação com a actuação dos médicos assistentes.

5 – Epílogo





As discussões sobre os temas relacionados com a futilidade diagnóstica e terapêutica têm sido muito úteis para toda a sociedade e em particular para os profissionais de saúde. Primeiro, porque permitem uma abordagem destas questões a frio, afastados dos olhares atentos, sofridos e angustiados dos doentes e das suas famílias, tantas vezes perdidos nos corredores e nas salas de espera impessoais e frias dos nossos hospitais. Depois, porque permitem debater entre nós, profissionais da saúde, na presença dos moralistas, dos juristas, dos sociólogos, dos psicólogos, dos doentes e das suas famílias, aspectos nucleares e controversos das nossas actividades diárias, que povoam a nossa memória e a nossa consciência, e para nós não têm contornos completamente esclarecidos. Finalmente, porque nos impõem o dever de saber comunicar com responsabilidade, competência, solicitude e empenho com os doentes e com as suas famílias.





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Por Alexandre Laureano Santos

1 comentário:

capitão disse...

Permiti-me a fazer um link para este Post que acho actual e de muita qualidade.