domingo, 22 de junho de 2008

Com direito a “post”

As críticas chegaram. São plausíveis, de facto. O incómodo ou a confusão, que se pode gerar das várias interpretações que se fazem do que se lê, levam-nos, por vezes, a questionar a opção de fazermos ou não um determinado “post” no blogue, que ficará, à partida, disponível a qualquer pessoa.

Fiz recentemente um “post” que gerou esse desconforto. Para mim não, ele foi bem claro.

A tentação de eliminar um “post” que não fique bem claro é grande, porém, perante a ética da honestidade que preside à escrita, optei por deixá-lo. Para interpretações dúbias, fica, aqui, o esclarecimento do porquê do “post” e a minha posição clara relativamente à intenção que subjazeu à opção de fazer mais um “post” com a etiqueta “Testemunhos de vida”.

No “post” “A angústia dolorosa da perda de um filho: dois testemunhos” podem ser lidos dois testemunhos de duas mulheres que perderam os seus filhos.

Perder um filho, para quem passou por essa situação, é um acontecimento terrível, medonho de que muito dificilmente se recuperará – há quem diga mesmo que isso é impossível.

Pelo que está escrito (é impossível adivinhar ou fazer juízos do que as pessoas passam), simplesmente fico a saber que uma rapariga ainda jovem, depois de tentada a abortar, pela surpresa de uma gravidez não planeada, decide levar a gravidez adiante, não deixando de ser interessante como a gravidez “se tornou desejada”. Porém, a decisão é alterada quando descobre que está grávida de um filho portador de uma doença cromossómica incurável, a trissomia 18, também conhecida por síndrome de Edwards. Com esta doença, o bebé, ao contrário do que é referido, sobrevive e pode viver algumas horas, dias, semanas, meses ou anos. (Convido a este propósito a visita ao “site” “Trisomy 18 Foundation”.)

Um rol de acontecimentos se sucederam à rapariga, como descreve, até se chegar à notícia, perante a dúvida, de que estava grávida de uma criança com a dita doença. A confusão do discurso traduz a sua confusão psicológica, o seu medo e a sua incerteza e até as “pressões” a que esteve sujeita.

Estranho um depoimento que não faça referência a nenhuma pesquisa sobre a doença ou a uma conversa com um médico que não fosse só e exclusivamente no sentido de abortar. Pelos vistos, também não houve suporte psicológico ou elucidação das condições em caso de a gravidez não acabar em aborto. Será que este é o procedimento mais comum em situações semelhantes a esta? Será isto normal, correcto?

Não são muito do nosso conhecimento testemunhos de mulheres/casais que, ainda perante a dúvida, não abortem, mais por má cultura do que outra coisa.
Já foi aqui citado o caso de Isabelle de Mézerac, pelo livro “Um Filho para a Eternidade”, que teve o seu quinto filho, já numa idade avançada, a quem foi diagnosticado trissomia 18 (e uma hérnia do diafragma, levando a criança à morte pouco mais de uma hora, depois de nascer), e a quem foi proposto, desde o início, o aborto, mesmo numa altura em que Isabelle não sabia sequer que era clinicamente possível prosseguir com a gravidez.


O livro “Um Filho para a Eternidade” acaba por fazer uma discussão da incoerência e do erro do aborto, assim como uma discussão dos cuidados paliativos na maternidade.

Jean-François Mattei, professor de Genética, membro da Académie Nationale de Médecine francesa e Ministro da Saúde, da Família e dos Deficientes francês, abre o livro com um pensamento sobre o que é transmitir a vida, perante «a tendência positivista para objectivar o ser humano que ainda não nasceu», visto que muito se tem questionado se dentro de uma mulher se gera ou não vida humana (e a partir de quando): «Dar a vida não é apenas acolher a gestação de um indivíduo da mesma espécie biológica. Dar vida é aceitar ser refém de outrem; é ver afundarem-se os nossos projectos e, no entanto, regozijar-nos com isso; é permitir, conscientemente, que o nosso devir tome rumos desconhecidos. Mas, dar a vida é também dar algo da nossa vida a outra vida, sem saber antecipadamente a que extremos essa entrega poderá conduzir.».

O testemunho de Isabelle de Mézerac é extraordinário e uma fonte de alento para quem é facilmente acometido pela sugestão ou mesmo pela recomendação e/ou aconselhamento de abortar. Como nitidamente elucida «(…) uma mulher grávida já vive como mãe muito antes do primeiro exame pré-natal. E, quando surge a terrível notícia, no decurso da primeira ecografia de mau agouro, continua a ser um filho o que tem no seu ventre. Eis a razão por que não pode «despachar o assunto» o mais rapidamente possível, nem permitir que lhe «extraiam» o filho como se extrai um quisto (…).».

Não fará, de facto, mais sentido, em pleno século XXI, pensar em alternativas ao aborto, evitando o traumatismo do aborto clínico e acompanhando o casal até ao termo da gravidez com todos os meios de que dispusermos?

Francis Puech, professor universitário e chefe de serviço do Centre Pluridisciplinaire de Diagnostic Anténatal da Maternité Jeanne-de-Flandre, CHU de Lille, avisa: «Em qualquer caso, a comunicação de uma anomalia grave e incurável ou de uma lesão fatal deve ser acompanhada em todos os sentidos da palavra: acompanhada em virtude da eventual estupefacção dos pais, acompanhada de comentários acessíveis, de uma eventual ajuda psicológica e, fundamentalmente, da nossa humanidade, um aspecto essencial. Esse acompanhamento deve estar aberto a todas as possibilidades (…).».

Deixo, aqui, as suas indicações, que vão no sentido de uma outra alternativa:

«(…) cabe à equipa médica informar sobre a possibilidade de prosseguir com a gravidez, proporcionando assim à criança uma vida «terminada» e não interrompida, ainda que esta se limite a algumas horas, dias ou semanas.

Este procedimento exige, no entanto, um determinado número de condições:

- Dar ou poder dar a essa vida, por muito curta que ela seja, um significado. A reabilitação da imagem da criança que vai nascer como «criança» é indispensável, já que ela desaparece frequentemente por detrás do diagnóstico, o qual, com a sua violência, pode destruir a identidade, ou seja a presença da criança por nascer in utero;

- Dar tempo de comunicar, reflectir, decidir, o que, sendo necessário em todos os casos, assume aqui um valor muito especial;

- E, finalmente, aceitar que não se tem o controlo da morte do filho, nem, aliás, do próprio sofrimento moral.».

Para dias tão horríveis, como esclarece o testemunho, fará sentido continuar a achar normal que, mesmo em caso de doença do bebé ainda por nascer se aborte? Não estaremos perante casos de eugenia, visto que a única motivação é a doença/deficiência? E não será o aborto uma maneira subtil de eliminar quem é indesejado? Deixo as perguntas para que possamos pensar sobre o assunto.

Resta-me finalizar com o testemunho de Isabelle Mezerac: «Empenhar todo o nosso coração para que um outro mais pequeno do que o nosso, possa continuar a bater durante o tempo que lhe foi concedido é algo que supõe coragem para resistir a todas as reacções de incompreensão…», «… através da forma como encarámos o nosso filho que ia nascer, demos sentido à nossa própria existência, aceitando acolher essa nova vida até à sua morte natural.», «O nosso Emmanuel viveu a sua vida toda: uma vida pequenina que respeitámos na sua totalidade, que aceitámos na sua fragilidade!».
Ver também aqui.

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