segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Continuando a ensinar o valor da vida


A criação de centros de apoio à vida e à família em quase todas as dioceses foi a resposta encontrada pela Igreja Católica para mostrar que há alternativas ao aborto. O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, gostaria de ter a certeza de que a legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez está a ser cumprida, nomeadamente no que diz respeito ao diálogo prévio com as mulheres que pretendem praticar o aborto.


O Arcebispo de Braga sugere a realização de um estudo para perceber quais as consequências deste acto na vida das mulheres. Apesar das adversidades, a Igreja propõe-se continuar a «ensinar o valor da vida».


Diário do Minho (DM) - Há um ano, depois de conhecido o resultado do referendo, escreveu um texto que tinha como título “E agora?”. Um ano depois, o que é que é possível responder a essa pergunta?


D. Jorge Ortiga (JO) - Eu continuaria a fazer a distinção, que já naquela altura fazia, entre o que é legal – uma lei que foi aprovada – e aquilo que é moral, para continuar a afirmar a doutrina da Igreja do direito inviolável da vida desde a concepção até à morte. É um princípio fundamental que a Igreja propõe e defende em nome da dignidade da pessoa humana. Olhando para a lei – e não sendo um especialista –, interrogo-me sobre até que ponto está ou não a ser posta em prática nas suas determinações, nas promessas que foram feitas antes e nos compromissos que foram assumidos depois pelo próprio Governo. É uma pergunta que deixo ficar no ar para que as pessoas procurem reflectir e verificar se, na verdade, a lei está a ser posta em prática. Tenho sérias dúvidas.


Um dos grandes argumentos que na altura era esgrimido pelos defensores da actual lei do aborto era a questão da vulnerabilidade da mulher e da defesa da mulher. Pelos estudos que têm sido feitos, pelos congressos e simpósios que têm decorrido em Portugal e no estrangeiro, sabemos que as mulheres que praticam o aborto ficam mais traumatizadas, que esse acto tem consequências negativas em termos de depressão, de relacionamento e de acolhimento do que é diferente. Estou plenamente convencido, como já estava antes, de que mesmo para essas mulheres que pensavam que se libertariam de um pesadelo, esse pesadelo tornou-se num trauma.


A Igreja continuará a ensinar o valor da vida. Ao mesmo tempo, a Igreja esperava que houvesse uma verdadeira educação para a afectividade e não só para a sexualidade, não apenas uma informação das diversas hipóteses reprodutivas e dos riscos que se correm em termos de saúde, como os conteúdos de uma disciplina de educação sexual parecem propor.


O caminho que devemos seguir é o de uma educação séria e profunda da sexualidade, não só como meio de reprodução, mas numa dimensão muito mais vasta e ampla.


A Igreja tem respondido a algumas situações de maternidades indesejadas. Em quase todas as dioceses surgiram os centros de apoio à vida, como espaços de aconselhamento e de acompanhamento nesse momento difícil da decisão, mas também depois da maternidade, com o acolhimento das crianças. Essas crianças foram e continuarão a ser acolhidas pela Igreja com a ternura e o carinho que todo e qualquer ser humano merece.


DM - Que balanço é que faz da criação do Centro de Apoio à Vida e à Família em Braga?


JO - O Centro de Apoio à Vida e à Família propôs-se, desde o princípio, acolher as diversas dificuldades e encaminhá-las para as estruturas já existentes. Tem havido procura e os problemas têm sido encaminhados para outras entidades da Igreja, como por exemplo o Lar de São José, que acompanha mães solteiras. Seria bom que as pessoas conhecessem esta estrutura de apoio permanente e, em caso de dificuldade, a ela recorressem.


DM - Acredita que estas respostas podem fazer com que as pessoas considerem que há alternativas ao aborto?


JO - Um dos aspectos mais débeis na lei é a questão do aconselhamento e do diálogo prévio que deve haver no sentido de corresponsabilizar a mulher na opção a tomar, não enveredando pelo caminho mais fácil. Duvido que isto esteja a ser posto em prática nos diversos hospitais. Já sabemos que o aborto está a ser negócio para alguns, tal como demonstram as notícias divulgadas pela comunicação social.


A experiência das estruturas de apoio, que atendem as pessoas no meio das dificuldades, que compreendem e aceitam as mulheres que estão a sofrer, quando a culpa não foi só delas, é importante para que os traumas de que falava sejam mais reduzidos. Seria bom que se fizesse um estudo sobre as mulheres que praticaram o aborto, para perceber qual a sua situação de saúde, qual o seu estado psicológico e quais os efeitos secundários desse acto, que apesar de serem secundários não deixam de ser graves.


Estes espaços de aconselhamento e de diálogo, na confidencialidade máxima e absoluta, com o respeito pela consciência de cada um, apontando caminhos de aceitação da vida, são a resposta que continuar a dar.


DM - Esta legislação é reversível ou o debate sobre o aborto em Portugal está encerrado?


JO - Eu gostaria que não fosse irreversível e a Igreja continuará sempre a propor a sua doutrina porque a vida é um dom de Deus. Ninguém é senhor dessa vida. Seria oportuno – numa análise da problemática da saúde da mulher – que se tirassem conclusões e que houvesse decisões em harmonia com os dados que a ciência, sobretudo psicológica e psiquiátrica, vai fornecendo. Tenho sempre fé, esperança, mas com toda esta mentalidade hedonista e de relacionamento fácil, de falta de uma verdadeira experiência de relação com o outro, não sei até que ponto seremos capazes de levar os nossos governos a mudar tão cedo de atitude.


Entrevista daqui.

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