quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
Os argumentos em redor da co-adopção que temos visto serem dirimidos na praça pública são de duas naturezas distintas: ou assentes em estudos ditos científicos, ou de carácter ideológico-político. No que diz respeito a estes últimos, há pouco a dizer dado o hábito que os políticos Portugueses têm em apelidar de ilegal ou inconstitucional tudo o que lhes desagrada.
É contudo nos argumentos ditos científicos que julgo ser interessante reflectir. Em primeiro lugar, qualificar a psicologia de ciência e assumir as suas conclusões como verdades últimas é, no mínimo, arriscar muito. Os estudos que dão corpo ao saber psicológico são limitados por premissas de carácter metodológico, o que significa que não têm potencial de previsão nem são, bastas vezes, replicáveis de per si já que o contexto social e humano que os informa não é replicável. Significa isto que tais estudos não podem prever se existem consequências ou não para a criança, uma vez que a realidade social dos países onde foram realizados é bem diferente da Portuguesa. E por isso mesmo o recurso a este tipo de argumento, com ambos os lados do debate a apelidarem de ciência algo que não é ciência, é falacioso e intelectualmente desonesto.
Contudo, tal confusão parece singrar com grande facilidade e afecta outras áreas. Veja-se o exemplo da economia, de onde emergem teorias, modelos, previsões, e até soluções. Se a economia fosse uma ciência com as capacidades anunciadas por muitos não precisaríamos nem de políticos, nem da democracia. Mas estes saberes, sociais e humanos, não são uma ciência e por isso não esgotam a política. A decisão política ao tornar-se refém de ciências que não o são, como a economia e a psicologia, compromete a democracia e tende não raras vezes a afrontar a sociedade.
O debate em torno deste tipo de questões deveria estar por isso mais centrado na eventual adequação ao contexto social e cultural, e não em opiniões fundamentadas nos mais diversos estudos. Curiosamente, este tipo de saber disfarçado de ciência tende sempre a produzir um estudo que contradiz os outros, progredindo assim até ao infinito do ridículo. Vemos isto também na economia, a qual não resiste à tentação de transposição de tudo o que o estudo do momento, ou que for mais conveniente, afirmar.
Estamos por isso reféns dos estudos que cada um quer citar e do despotismo da lei. Infelizmente estamos habituados a que, em Portugal, a lei siga a vontade somente de alguns. Se há dúvidas em relação a psicólogos e economistas, que dizer hoje em dia dos legisladores os quais se tornaram instrumentos de exercício de populismo e de defesa de interesses sectários. Ao menos um psicólogo e um economista ainda tentam disfarçar citando sempre uns números que ninguém entende… Assim se chegou ao disparate de, pela segunda vez, e sempre com imensos estudos à baila, referendarmos crianças… o que é inútil, pois se o referendo não tiver o resultado que alguns querem, haverá nova lei a qual irá sistematicamente a votos até ser aprovada. Foi assim no caso do aborto, e será assim aqui. E é isto, em resumo, que me preocupa: a vertigem totalitária que se vive em Portugal.
José Bento da Silva
(Professor universitário de gestão (a qual também não é uma ciência) na Warwick Business School)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário